“O verdadeiro legado seria recuperar o uso esportivo do Estádio de Remo”, afirmou o palestrante Alessandro Zelesco

Faltando exatamente dois anos e meio para os Jogos Olímpicos de 2016 no Rio de Janeiro, os debates sobre esportes parecem escassos. Ao mesmo tempo em que surge uma oportunidade para o fomento da prática esportiva, pouco se tem feito nesse sentido. O remo, por exemplo, tem sido vítima deste descaso desde a experiência recente dos jogos Pan-americanos no Brasil. Apesar de o Rio de Janeiro ter sediado a competição, o remo arcou com gastos significativos, mas não contou com nenhum legado. A palestra do presidente do Clube de Regatas Piraquê e membro do Movimento SOS Estádio de Remo, Alessandro Zelesco, no Clube de Engenharia, na última terça-feira (4/2) expôs a complexidade do caso do Estádio de Remo da Lagoa. Durante o evento “Legado olímpico para a Lagoa”, organizado pela Divisão Técnica de Construção Civil (DCO), Zelesco apontou dois questionamentos centrais: a quem interessa privatizar o Estádio de Remo e qual será o legado olímpico para a Lagoa Rodrigo de Freitas?

A Glen Entertainment, empresa que atualmente administra a área, pretende construir salas de cinema e lazer, lojas e praças de alimentação, mantendo o espaço privatizado, projeto contestado pelos participantes do evento. Para o chefe da Divisão Técnica Especializada de Construção (DCO), Ricardo Khichfy, reconstruir o Estádio é um passo importante para a massificação do remo. “No entanto, a estratégia do poder público é a mudez. Não sabemos com quem podemos dialogar para mudar a situação. Falta transparência”, protestou Khichfy, após registrar que diversas autoridades foram convidadas, mas não compareceram e nem enviaram representantes. O presidente do Clube de Engenharia, Francis Bogossian, colocou a entidade à disposição para contribuir com a causa do Estádio de Remo.

Em 2002, a empresa teve pareceres negativos do Iphan para projetos, mas o órgão voltou atrás. “Todos os empecilhos colocados pela sociedade são simplesmente removidos do caminho”, denunciou Alessandro. As arquibancadas flutuantes planejadas para as Olimpíadas também preocupam. Segundo o conselheiro Paulo Lima, dotadas de toda a infraestrutura necessária para o funcionamento, é possível que não venham a ser demolidas ao final do evento, mas utilizadas para outros fins. "Essas instalações não vão virar sucata. Aquilo pode virar uma ilha de entretenimento dentro da Lagoa", denuncia.

Alessandro Zelesco contou a história de toda a região do entorno durante o processo de construção do Estádio de Remo, que foi inicialmente projetado para ser um centro náutico e não apenas um estádio. “O projeto contava com locais específicos para armazenamento dos equipamentos, treinamento e atendia a todas as necessidades dos praticantes do esporte. O objetivo era promover regatas, desenvolver o remo, ser sede da Federação de Remo do Estado do Rio de Janeiro e garagem dos clubes”, explicou. Com a construção do estádio, o projeto inicial foi deixado de lado em nome de outros interesses, tendo, inclusive, sofrido com o abandono do poder público.

Deu-se, então, um processo de privatização do Estádio, que pertencia até então ao poder público. A privatização, segundo Zelesco, se deu sem licitação e a atuação do Ministério Público fez com que uma decisão judicial a apontasse como irregular. “O argumento é de que o estádio ficou em ‘uso misto’, mas hoje na verdade cerca de 80% da área é utilizada pelo empreendedor privado, impedindo o desenvolvimento do remo”, explicou. Durante as obras para o Pan-americano, o governo alegou que o Estádio de Remo deveria ser implodido porque não atendia às exigências do Comitê. “Queriam demolir para reconstruir uma arquibancada que atendesse a um empreendimento privado, então reduziram a área de assistência de regatas”, contou o palestrante.

Zelesco encerrou a palestra apresentando um documento dos responsáveis pela organização dos Jogos Olímpicos que trata da situação do estádio. O texto diz que as obras a serem feitas deverão visar o legado e as instalações de treinamento. “Hoje não há espaço para transformar a área em uso esportivo e técnico. O documento dá a entender que a arquitetura do estádio deve ser preservada, mas o tempo está passando e não sabemos sequer quem é nosso interlocutor para que possamos recuperar o uso esportivo do estádio. Esse sim seria o grande legado da Olimpíada para o remo”, defendeu. O presidente do Clube Piraquê também destacou que, para que sejam feitas as obras necessárias, é preciso acabar com o ‘uso misto’ do estádio. “Não queremos o uso misto, queremos um legado concreto para a população”, arrematou.

A representante da Secretaria de Estado da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, Tatiana Escobar, se colocou à disposição do movimento SOS Estádio de Remo. “Esse tema precisa ser debatido; eu imaginava que o ministro dos Esportes pudesse estar aqui, já que o nível municipal não pode fazer muito diante desse quadro”, argumentou. O presidente da Confederação Brasileira de Remo, Paulo Carvalho, ressaltou as irregularidades do processo de privatização do estádio. “Mesmo com a decisão judicial de que a licitação foi irregular, ainda estamos aguardando os resultados. O remo até hoje não ganhou nada com o ‘uso misto’, mesmo com o argumento de que os estacionamentos fomentam o remo”, destacou.

Para o presidente da Associação de Moradores do Leblon, William Howard Hossel, a população do entorno sente necessidade de uma recuperação ampla da Lagoa. “É hora de acabar com a mortandade de peixes e limpar a água, incentivar o uso público, a prática de esportes. A Lagoa não pode ser engolida por interesses empresariais. Não podemos desperdiçar dinheiro com obras provisórias; é preciso fazer um estádio modelo”, afirmou.

O ex-remador e atual conselheiro do Clube de Regatas do Flamengo, Luiz José da Silva Barros, filho do arquiteto Benedito de Barros, autor do projeto do estádio, entrou com pedidos de tombamento do estádio nos níveis federal, estadual e municipal, simultaneamente. “A luta é pela integração através do esporte. A prefeitura tem uma resolução que não permite a instalação de grandes negócios no entorno da lagoa e o projeto inicial foi destruído sem nenhuma preocupação com a arquitetura. As autoridades fogem do debate, mas não admitimos que as pessoas sejam levadas à beira da Lagoa para ir ao cinema”, protestou. 

 

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