Um largo passo para a interação entre pessoas e o mundo virtual foi dado com tecnologias que misturam o real e o virtual. Suas aplicações em áreas como a medicina e a engenharia deixam claro que o futuro chegou. Não parece, mas estamos falando de um jogo baseado em um desenho animado da década de 2000 que, para o mal ou para o bem, ganhou o mundo nos últimos meses. A base do seu sucesso é uma tecnologia há muito considerada a nova fronteira da vida virtual: a Realidade Aumentada (RA), que nasceu décadas atrás, quando softwares passaram a mesclar imagens do mundo real com recursos e conteúdo virtuais. O advento dos smartphones criou a ponte que faltava para a massificação da tecnologia. Com um aplicativo instalado e uma câmera na palma da mão, estava aberto o caminho para que a tecnologia se popularizasse.

A Realidade Aumentada não é exatamente nova. A mulher que se transformava em gorila nos parques de diversões por meio de espelhos já era uma forma elementar de realidade aumentada. Na academia e grandes empresas, o conceito avançou junto com os recursos tecnológicos. Chegou de forma discreta via webcams em computadores pessoais e evoluiu ao lado da tecnologia 3D e da Realidade Virtual, quase que como complementares: enquanto a tecnologia 3D traz imagens para fora das telas e a Realidade Virtual busca levar o usuário para dentro dela, a Realidade Aumentada usa um pouco das duas e mescla o real e o virtual.

Segundo o professor Esteban Walter Gonzales Clua, vice-diretor do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF), como outras muitas tecnologias que hoje são populares, os primórdios da Realidade Aumentada estão ligados à aplicação no setor da defesa. “Aviões caça tinham dentro do cockpit, entre os controles da aeronave, informações inseridas virtualmente. Hoje, isso também é feito em carros, por exemplo, com informações do GPS”, destaca. Os caminhos usados para levar a tecnologia até o usuário são muitos. Além da captura do ambiente pela tela e inclusão de elementos virtuais – como no caso do jogo –, há ainda a possibilidade de óculos de realidade virtual com câmeras acopladas (tecnologia já oferecida por algumas marcas de smartphone em todo o mundo); óculos com lentes semitransparentes que misturam o ambiente com imagens. Técnicas que projetam imagens em superfícies como fachadas de prédios – recurso usado durante as olimpíadas em prédios da Praça Mauá, por exemplo - também são consideradas formas de aplicação da RA. 

Bem mais que um jogo
Embora a tecnologia tenha vencido as barreiras pelo entretenimento, suas aplicações são tão variadas quanto a imaginação do homem pode permitir. Passam pela educação, medicina, engenharia, mecânica, entre muitas outras. No Instituto de tecnologia de Massachusetts (MIT), há estudos para que médicos consigam, com a ajuda de um capacete, ver exatamente onde está um tumor dentro da cabeça de um paciente, apenas olhando para ele. Não é a primeira vez que o instituto se dedica a RA. Já na década de 90, o MIT utilizava um sistema que reunia informações de ressonâncias, tomografias e raios X projetados sobre o paciente na hora da cirurgia. É também do MIT o aplicativo que permite ligar equipamentos diversos entre si, à distância, apenas apontando o celular para os mesmos e deslizando o dedo na tela do celular.
 
Usada na indústria aeroespacial desde 1996, a RA já é realidade para engenheiros que, usando óculos especiais, podem ver informações sobre as peças das aeronaves projetadas sobre elas. O mapeamento superficial de veias também utiliza a tecnologia: as imagens das veias são capturadas e projetadas diretamente na pele, facilitando a punção para exames e tratamentos diversos. 

Outras aplicações imaginadas por especialistas incluem linhas de montagem onde os trabalhadores tenham informações detalhadas para ajudar na realização das tarefas ou hospitais onde, com os smartphones, os pacientes vejam linhas virtuais no chão indicando onde devem se encaminhar para exames e consultas. “Nas escolas, moléculas podem sair dos livros de química, ajudando o estudante a entender uma reação. As possibilidades são ilimitadas. A Realidade Aumentada é um novo meio e assim como rádio e televisão mudaram a sociedade, a tecnologia imersiva também mudará”, destacou o professor Todd Richmond, diretor de Protótipos Avançados no Instituto de Tecnologias Criativas da Universidade de Southern California, em entrevista à Exame.

Desafios e mercados
Como outras tecnologias antes dela, a RA ainda enfrenta desafios para deixar de ser uma curiosidade e se tornar de fato necessária. O mercado costuma ser o caminho mais curto para a popularização e já há usos bastante difundidos. Um aplicativo lançado recentemente por uma grande marca de tintas no Brasil, por exemplo, permite que ao apontar o celular com a câmera aberta, se pinte paredes com as cores selecionadas, possibilitando ao cliente ver o resultado final antes mesmo de ir à loja efetuar a compra.  Os próprios painéis publicitários que circundam os campos em jogos de futebol são exemplos de RA que já fazem parte do cotidiano de quem assiste as partidas pela TV.

A popularização mundial do Pokémon Go foi mais um passo para que a RA saísse dos laboratórios. “Trata-se de uma tecnologia que sempre foi explorada de maneira muito acadêmica, experimental e até mesmo rudimentar do ponto de vista da falta de massificação. O jogo mostra o que se pode fazer quando uma tecnologia dessas é massificada”, explica Esteban.

Para além da massificação, há desafios técnicos que precisam ser superados. Entre eles está o reconhecimento da geometria do cenário real. “Não é algo trivial, por exemplo, fazer o software reconhecer que um piso é uma superfície plana, ou que uma parede é uma parede. Não é algo óbvio porque, ao capturar as imagens do mundo real, o resultado vem em duas dimensões. Inserir objetos virtuais de maneira correta e coerente nesse cenário é desafiador e envolve muitas técnicas e algoritmos. Esse é um dos maiores gargalos da RA hoje”, conclui o vice-diretor do Instituto de Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF). 

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