Política de conteúdo local na cadeia de petróleo e gás é motor de desenvolvimento

“Fazemos uma revisão da política de conteúdo local no pior momento da história brasileira, de queda do PIB e desemprego recorde”. “Só vamos conseguir desenvolver o Brasil se tivermos o know-how, Engenharia e construção de máquinas e equipamentos no país. O que traz desenvolvimento é a indústria”. As afirmações são, respectivamente, do diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) e do presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso, em 22 de setembro, quando o Clube de Engenharia sediou, em auditório lotado, uma Audiência Pública proposta pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ) à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal. Em pauta, O conteúdo local na cadeia de petróleo e gás.

O encontro, transmitido pela TV Senado, aconteceu às vésperas da primeira rodada de licitações que trará novas exigências de conteúdo local ao setor de petróleo e gás. Objetivo: reunir representantes dos empresários e dos trabalhadores, especialistas, acadêmicos, sindicalistas e parlamentares na discussão sobre a importância de uma forte política que priorize a indústria nacional na exploração de petróleo e gás.

A política de conteúdo local tem sido apontada por especialistas como um dos maiores avanços para a consolidação de uma base industrial sólida no setor de petróleo e gás. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) aplica a política atual desde 1999, mantendo-a inclusive nos leilões do pré-sal. As diretrizes dão preferência à contratação de fornecedores brasileiros em contratos de licitação, determinando percentuais mínimos na aquisição de bens e serviços. Em abril, no entanto, a Resolução CNPE nº 07, do Ministério de Minas e Energia, definiu novas regras, reduzindo em média 50% os percentuais de equipamentos e serviços que devem ser produzidos no país em licitações. A mudança recebeu severas críticas, uma vez que a atual política tem como objetivo fortalecer a indústria nacional, retornando em desenvolvimento para a sociedade as riquezas do setor de petróleo e gás.

Desmonte da Petrobras
O presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, realizou a palestra de abertura da audiência pública trazendo um histórico da importância da Petrobras no desenvolvimento do Brasil, definida por ele como “âncora do desenvolvimento industrial brasileiro”. Para Celestino, a mudança na política de conteúdo local faz parte de um processo sistematizado de desmonte da maior empresa brasileira, diminuindo sua participação no setor que ela mesma capitaneou desde 1950, quando foi criada. “Não propõem sua privatização porque sabem que o povo não aceitaria. Mas a desmontam, entregando a preço vil a joia da coroa, que é o pré-sal. O Clube de Engenharia defende que a política de conteúdo local seja reestabelecida, porque foi destruída por esse governo”, criticou.

O professor Luiz Pinguelli Rosa, diretor de Relações Institucionais da COPPE/UFRJ, também criticou a mudança, uma vez que ela desmobiliza o desenvolvimento nacional do setor. “O que está acontecendo não é a solução adequada. É uma desmobilização de qualquer política industrial em torno do petróleo, ou a colocação de uma política industrial de efeitos irrelevantes. É preciso interromper esse processo de desvalorização da política do petróleo e da posse das reservas de petróleo”, conclamou o professor, lembrando que o setor elétrico experimenta desmonte semelhante com a proposta de privatização da Eletrobrás.

Novo paradigma
Com o enfraquecimento da política de conteúdo local haverá um recrudescimento do setor, garante Bruno Araújo, engenheiro e representante da Associação de Funcionários do BNDES. “Hoje há uma recentralização do debate da importância da engenharia e da atividade produtiva nos países centrais. Não se discute mais a distinção entre política de inovação, política tecnológica e política produtiva nos países centrais. Nós perdemos esse fio da meada. Mas o pré-sal representa um novo paradigma para o setor, com novas tecnologias, equipamentos e projetos de engenharia, que serão demandados no futuro”, afirmou. Ele lembrou que as políticas de conteúdo local não são particularidade do Brasil, sendo observadas de diferentes formas na Noruega, Indonésia, Arábia Saudita, Angola, Nigéria, Canadá, EUA, União Europeia. Para Bruno, as experiências mostram que essas políticas direcionam a demanda para a economia local, estabelecendo regras para o desenvolvimento setorial e incentivando a cooperação da cadeia produtiva. Trata-se, segundo ele, do principal mecanismo de incentivo à atividade produtiva local no setor de petróleo e gás, além de viabilizar o acúmulo de competências e estimular a competitividade.

Desenvolvimento com Engenharia
José Velloso Dias Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), questionou o lobby das empresas estrangeiras contra a política de conteúdo local. “Sem ela, teremos importação de todas as máquinas e equipamentos, aquilo que gera renda e emprego no país. Esses empregos serão gerados no exterior. Não teremos geração de emprego antes da exploração de petróleo nem depois do processo de exploração e produção”, afirmou. “Com conteúdo local, teremos empregos diretos e indiretos resultantes do efeito renda, aquilo que tem antes da produção e depois da produção de petróleo”, disse Velloso. “Só vamos conseguir desenvolver o Brasil se tivermos o know-how, Engenharia, construção de máquinas e equipamentos no país. O que traz desenvolvimento é a indústria”, frisou. Velloso registrou os trágicos resultados que a crise vem provocando na área de máquinas e equipamentos. A demissão de aproximadamente 100 mil pessoas (empregos diretos) gerou uma ociosidade em torno de 40%. O resultado seria de 60% se o cálculo fosse feito a partir do número de trabalhadores em atividade em 2013.

Dados & Fatos
“A revisão da política de conteúdo local faz parte de um conjunto de medidas da equipe econômica [do governo federal] que tem objetivo claro de desmanchar todos os instrumentos de política industrial”, criticou Renato Corona, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). “Temos de nos preparar para um debate de dados e fatos não com essa equipe, mas com a equipe do próximo governo, pensando em medidas de curto e médio prazo e construindo um conjunto de alianças”, disse. “Fazemos uma revisão da política de conteúdo local no pior momento da história brasileira, de queda do PIB e desemprego recorde”, avaliou Corona.

Marco regulatório
Dados apresentados pela diretora de Economia e Estatística da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), Fátima Giovanna Coviello Ferreira, registram dois momentos do cenário nacional. No momento em que o Brasil não tinha matérias primas e petróleo em abundância, construiu a 8ª maior indústria química do mundo, que ainda representa 10% do Produto Interno Bruto (PIB) industrial. Hoje o país tem um déficit elevado de 22 bilhões de dólares e importa 43% de produtos químicos, dos quais grande parte é destinada aos segmentos de exploração e produção. Com produtos químicos em todas as etapas de exploração e produção, o setor não é beneficiado pelas políticas de estímulo e pela política de conteúdo local. “É necessário estabelecer um marco regulatório, consistente e efetivo, visando o desenvolvimento das indústrias nacionais, inclusive a química, que atende ao setor de petróleo e gás”, reivindicou a representante da Abiquim.

Grande aliança
Ao finalizar, o senador Lindbergh Farias avaliou que a Audiência Pública se encerrava com um saldo bastante positivo: “Foi importante pelo peso da representação dos trabalhadores e do meio empresarial, com a presença de importantes setores. Cumpriu o seu papel. Vamos levar à frente essa batalha para votar no Congresso Nacional outro projeto que restitua a política de conteúdo local. É possível fazer uma grande aliança entre parlamentares de diversos partidos, pelo impacto que se constata nos mais diversos estados brasileiros”. Entre outros quadros dramáticos que tem visto Brasil afora o senador destacou a destruição dos empregos.

Também participaram da Audiência Pública, com intervenções, Davi Kufper (professor do Instituto de Economia da UFRJ), Luís Miguel Falcão (coordenador-geral da Secretaria de Desenvolvimento e Competitividade Industrial do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços), Edson Carlos Rocha (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói), Jesus Cardoso (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro), Jandira Feghali (deputada federal pelo PCdoB-RJ), Luiz Sérgio (deputado federal pelo PT-RJ), Manoel Salles (presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de Angra dos Reis), e representantes da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore, (Sinaval). Além deles, estiveram presentes representantes dos ministérios de Minas e Energia (MME) e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), da Petrobras, da Agência Nacional de Petróleo (ANP) e da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ADBI).

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