"O menor ou o melhor preço para as obras públicas?", por Francis Bogossian

Fonte: Jornal do Brasil (17/04/2018)

Quando entrei no mercado da engenharia, na década de 60, no Brasil se estudava, se projetava e as obras eram executadas com acompanhamento técnico. Nas últimas décadas, essa prática foi se reduzindo gradativamente e se passou a licitar com menos estudos, sem projeto executivo, até mesmo sem projeto básico e, muitas vezes, sem anteprojeto.

Até os anos 80, um mercado com boa oferta e serviços e preços realistas permitia aos executores das obras programar estudos complementares, promover revisões dos projetos e acompanhar “pari passu” a sua execução. A regra que passou a predominar mais adiante, com a redução das oportunidades, foi a das licitações com maior carência de dados e com condições econômicas desfavoráveis.

Em uma obra de engenharia, além, evidentemente, dos aspectos técnicos, a questão econômica é determinante na escolha da melhor solução. Em um quadro de escassez de recursos federais, estaduais e municipais, a correta aplicação das verbas disponíveis precisaria ser um objetivo constante dos órgãos públicos, o que não vem acontecendo.

Os riscos econômicos e humanos ao se adotar uma solução que, devido ao baixo custo, deixe a desejar tecnicamente, são muito altos e devem ser avaliados criteriosamente por parte dos projetistas e dos proprietários (poder público, em grande parte dos casos). A busca pela solução de menor custo deve ser sempre a meta do projetista, desde que devidamente embasada nos aspectos técnicos e de segurança.

As atividades da engenharia geotécnica e da geologia, na fase de pré-projeto, são fundamentais para a escolha da solução que apresente a melhor relação custo x benefício. Para compensar a carência de dados geotécnicos, os projetistas superdimensionam as obras. As razões variam desde as econômicas até supostos prejuízos ao cronograma, mas creio que predominam aquelas voltadas a reduzir custos. O grande desafio para a redução dos custos é a utilização de novas tecnologias. É preciso incentivar as pesquisas, com o apoio das universidades e a participação das empresas de engenharia, pois só dessa forma será possível adquirir conhecimentos e utilizar experiências práticas para chegar a soluções inovadoras e de menor custo.

Louvo, a iniciativa da Pontifícia Universidade Católica do Rio, através do Departamento de Engenharia Civil, ao criar, em 2005 o DEC-Empresa, com objetivo de integrar a universidade com as empresas, em prol do desenvolvimento de engenharia.

Pretende-se que as empresas atuem efetivamente, ditando as necessidades do mercado na formação dos profissionais que a universidade gradua, o que representa um passo à frente para o Brasil enfrentar seu crescimento com seriedade e competência.

Como último fator relevante para a excelência das obras, destaco o acompanhamento do desempenho da pós-construção.  O Sistema de Gestão da Qualidade ISO-9001:2015 preconiza que todas as obras sejam entregues com um documento denominado Manual do Usuário. Esse é o caminho para que as obras sejam devidamente acompanhadas, definindo-se as responsabilidades.

Estamos cada vez mais sucateados. A qualidade, como meio de evitar o retrabalho, a gestão de resíduos para proteger o meio ambiente e afastar o nosso imenso desperdício, enfim, vêm fazendo com que muitas empresas invistam da sua própria carne, em consultorias de gestão, também de segurança e saúde ocupacional e de responsabilidade social, para se capacitarem a licitar, por exemplo, no Sistema Petrobras.

Não se pode culpar apenas os contratantes. As empresas de engenharia, por mais absurdo que possa parecer, ainda oferecem descontos sobre os preços de custo para ganhar obras públicas. Os contratantes alegam que a maioria das obras é realizada dentro de padrões de desempenho, prazo e qualidade satisfatórios. As questões que deixo para reflexão de todas as partes envolvidas, contratantes e contratadas, são:

Como fica a responsabilidade social dos governos e das empresas, com obras apenas satisfatórias e, quando muito, provendo o mínimo cumprimento das exigências legais e previdenciárias? Como fica a sociedade, em todos os níveis, diante dessas obras apenas satisfatórias?

Como fica o papel da engenharia, diante de obras apenas satisfatórias, realizadas com equipamentos sucateados e canibalizados, carente das modernas e consagradas ferramentas de gestão, por falta de recursos, provocada pelas obras a preço de custo, quando não bem abaixo?

As obras públicas jamais deveriam ser iniciadas sem projetos executivos.  Por mais que haja pressa ou razões político-partidárias, nada há que justifique obras como vêm sendo executadas pelo país afora, sem projetos executivos e sem os estudos prévios.

É também triste constatar que, lamentavelmente, hoje, exige-se sempre o menor preço em vez do melhor, que é o que propicia qualidade e segurança.

Francis Bogossian é engenheiro, presidente da Academia Nacional de Engenharia e ex-presidente do Clube de Engenharia.

 

 

 

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