Fundações da Igreja da Candelária: engenharia e história em 4 séculos

Igreja da Candelária, em 1944, durante obras de abertura da avenida Presidente Vargas. Foto: Arquivo Nacional / Fundo Hélio de Brito.

Uma grande aula de história e engenharia reuniu mais de 100 espectadores no Clube de Engenharia, em 25 de abril, nas palestras de Fernando Artur Brasil Danziger, professor da Coppe e da Escola Politécnica da UFRJ, e Carlos Eduardo de Almeida Barata, historiador e museólogo, sob o título "A intrigante história das fundações da Igreja de Nossa Senhora da Candelária". Na plateia, destacou-se o professor Fernando Barata, pai do palestrante Carlos Eduardo Barata, que integrou a equipe do trabalho que foi o tema central do encontro. A participação de Fernando Barata foi comemorada na abertura do evento pelo presidente do Clube, Pedro Celestino, que foi seu aluno e com quem conviveu no Clube: “Barata participou do Conselho Diretor do Clube com muita presença, com sua visão crítica não só da Engenharia como dos problemas do Brasil. É uma satisfação imensa revê-lo”. Ao lado de Pedro Celestino, compuseram a mesa de abertura Francis Bogossian, presidente da Academia Nacional de Engenharia (ANE) e vice-presidente do CREA-RJ, e Ian Schumann Martins, subchefe da Divisão Técnica de Geotecnia (DTG).

A palestra foi resultado da pesquisa realizada durante dois anos, e compõe o projeto de um livro sobre fundações de edificações históricas da cidade do Rio de Janeiro que será lançado no Congresso Mundial de Arquitetura, em 2020, na capital carioca. A obra vai tratar de dez edificações, dentre elas o Mosteiro de São Bento, o Aqueduto da Carioca, o Teatro Municipal e a Biblioteca Nacional. Ao longo do estudo os pesquisadores  tiveram que se confrontar com a mudança, ao longo de quatro séculos, de terminologias, sistemas de unidades (de medições, por exemplo) e especificações de execução (de obras de engenharia). Foi necessário buscar documentos históricos e técnicos, desde o século XVII até hoje, inclusive na biblioteca do Clube. Descobrir a história de uma igreja planejada no início dos anos 1600, sua construção, reformas e os confrontos entre a irmandade responsável pela igreja e os engenheiros não foi fácil.

Uma das principais igrejas da cidade, fruto de promessa

A história da Igreja da Candelária começa com uma promessa: em 1613, um casal de espanhóis sobreviveu a uma tempestade no oceano e prometeu construir uma igreja na primeira cidade onde chegassem. Chegaram no Rio de Janeiro e, por serem devotos de Nossa Senhora da Candelária, construíram a capela por volta de 1615. A história pode ser conferida em pinturas na nave principal da igreja. No ano de 1634 é instituída a Freguezia de Nossa Senhora da Candelária, inaugurando a paróquia e dando mais um passo em sua importância na cidade. Cerca de 140 anos depois surgiria o projeto de construção de um novo templo, de autoria de Franscisco Roscio (1733-1805), engenheiro militar, arquiteto e cartógrafo, projetista de numerosas obras no Rio e em outras cidades. “A igreja de hoje mantém praticamente os fundamentos propostos em 1775 por esse engenheiro”, afirmou Carlos Eduardo Barata. No seu projeto, o antigo templo se tornaria uma grande igreja, em formato de cruz latina, com duas capelas fundas, seis altares laterais, nave central e um grande zimbório no cruzamento da cruz latina. O zimbório, neste caso, é a grande cúpula da igreja vista em seu exterior. A complexidade do projeto de Roscio e verbas limitadas fizeram com que a obra perdurasse por mais um século.

Carlos Eduardo Barata, historiador, percorreu quatro séculos da história da Candelária. Foto: Fernando Alvim

Com a chegada da corte portuguesa no Brasil em 1808, a pressão pela inauguração da igreja aumentou. No ano de 1811, a irmandade faz a inauguração parcial, pois ainda havia muitas obras a serem realizadas. Uma das principais intervenções necessárias, que ficou pendente por muito tempo, foi o zimbório da igreja. O tambor que suportaria a cúpula já estava pronto em 1865, mas o zimbório continuava em debate. O motivo: a irmandade exigia que a cúpula fosse feita de pedra, e não havia engenheiro que acreditasse que os quatro pilares abaixo do tambor suportariam uma cúpula com mais de 30 metros de altura de tal material. A primeira equipe de engenheiros que se dedicou ao problema, composta por Pedro Bellegarde, José Maria Jacinto Rebelo, e Bethencourt da Silva, sugeriu um zimbório mais baixo e de madeira coberta de cobre. A irmandade não aceitou. Outras equipes de engenheiros também ofereceram alternativas ao projeto de Roscio, ainda sem a concordância da irmandade, que, em 1865, contrata Gustav Waehneldt, engenheiro alemão que havia participado da segunda equipe, para elaborar novo projeto. O trabalho exercido por Waehneldt tem grande valor, porque o engenheiro fez uma inspeção das fundações, constatando a dificuldade em garantir a resistência da estrutura perante um zimbório que teria mais de 600 toneladas. O projeto apresentado por ele sugeria um zimbório de tijolo. No debate envolveram-se outros engenheiros e instituições, defendendo também o abandono do projeto com mármore. Entre eles estava André Rebouças.  

O resultado foi de um zimbório de mármore de lioz, vindo de Lisboa, que acabou por pesar 630 toneladas. Na década de 1880, uma nova reforma na Candelária se deu: a igreja era alta e estreita, de aspecto estreito e sombrio, portanto, conforme sugestão e projeto do engenheiro do século XIX Antônio de Paula Freitas, resolveu-se "abrir" os arcos laterais que já existiam no corpo central, para os dois novos corredores construídos, um de cada lado da nave central, expandindo a igreja, de 12 para 30 metros de largura. Já no século XX, é resolvida uma questão primordial para a irmandade: a igreja era envolta por casas, praticamente "encaixada" entre as residências, o que impossibilitava seu destaque na paisagem. Em 1945, por ocasião da abertura da grande avenida Presidente Vargas, é retirado todo o casario no entorno da Candelária. Segundo Danziger, na época as igrejas serviam como representantes da melhor qualidade de engenharia e arquitetura existente, o que demonstra a importância a ela dedicada. A Igreja da Candelária era, nos séculos XVIII e XIX, “o que de mais importante se construía desse lado da América naquela época”, afirmou, baseado em relato de Paula Freitas.  

O engenheiro Fernando Danziger explorou os aspectos geotécnicos da Igreja. Foto: Fernando Alvim

A estabilidade e a investigação geotécnica

Uma dúvida que norteou toda a pesquisa foi a respeito da estabilidade da estrutura da igreja. A questão aparece tanto pelos documentos que indicam problemas quanto pelo conhecimento da geografia da cidade em seus primeiros séculos: uma grande extensão de costa era mar, área que foi sendo aterrada ao longo do tempo. É natural, então, que o terreno onde a igreja foi instalada possa ser considerado alagadiço. A investigação de Danziger e Barata nesse sentido foi longe: em documento de 1804 relata-se a necessidade de tirar parte da grossura da parede para suportar o peso, pois já havia sinais de recalque. Para entender o que de fato acontecia na estrutura, eles tiveram que utilizar um "Vocabulário portuguez e latino" do século XVIII, e compreenderam que uma das torres se inclinava.

O relatório de Waehneldt, de 1865, revelava detalhes sobre características das estacas e outros elementos. Os comprimentos, no entanto, eram expressos em palmos e polegadas, o que levou os pesquisadores a fazer a conversão para unidades de medida utilizadas atualmente. O resultado foi de cerca de 11 metros de profundidade da fundação. Não era usual (e era extremamente difícil) investigar o solo em profundidades significativas há 250 anos, e sondagens de solo recentes, realizadas junto à igreja, permitiram verificar-se que a igreja tem sua fundação em solo de areia fina e argila mole. "Isso é a causa dos problemas de recalque que aconteceram por séculos", afirmou Danziger.

Para os que estiveram à frente da pesquisa, fica um trabalho de grande profundidade histórica e geotécnica, de grande utilidade para a sociedade carioca, uma vez que a igreja ainda pode estar sofrendo recalque.

O evento foi promovido pelo Clube de Engenharia, Diretoria de Atividades Técnicas (DAT), Divisão Técnica da Geotecnia (DTG) e Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS-NRRJ), com apoio da Divisão Técnica de Construção (DCO) e do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil (IHGB).

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