Vítimas de desabamento de prédio podem sobreviver dias após a tragédia, diz especialista

Visão aérea dos escombros no dia seguinte do desabamento. Foto: SSPCE / Fotos Públicas

Por Ligia Guimarães, da BBC News Brasil - publicado em 15/10/2019

No esforço de encontrar sobreviventes após a tragédia, o formato da pilha de escombros do Edifício Andrea, prédio de sete andares que desabou no dia 15 de outubro, terça-feira, em Fortaleza, pode favorecer o trabalho dos bombeiros, na avaliação do engenheiro e conselheiro vitalício do Clube de Engenharia, Antero Jorge Parahyba.

Ao analisar os vídeos que mostram o momento da queda do edifício, o engenheiro destaca que, apesar da dimensão impressionante do desastre, a sequência em que se deu o desmoronamento indica que há partes dos andares superiores que não se desfizeram por completo, criando espaços de ar em que é mais provável encontrar sobreviventes muitas horas ou até dias depois da tragédia.

"Os vídeos mostram que o prédio desaba primeiro sobre o térreo, como se os pilares do térreo se partissem. Só depois é que o edifício tomba para a frente: ele cai primeiro no térreo e depois tomba para a frente", diz Parahyba, consultor especializado em manutenção de prédios e vícios da construção que levam a acidentes como o do Edifício Andrea.

"Dificilmente alguém que estava no térreo, onde você imagina que os pilares tenham sido esmagados e a laje do teto se encontrou praticamente com o chão, terá sobrevivido", opina.

Mas nos andares superiores, as fotos e vídeos dos escombros mostram prospecto melhor. "Olhando algumas fotos você vê que as lajes não estão paralelas, há certo efeito sanfona. Existe ar nessas partes, e lá pode ter pessoas desacordadas, mas inteiras, presas por escombros. É uma questão de horas e dias. Você pode ter gente com vida até cinco, sete dias [depois do desabamento]", diz o engenheiro.

No resgate, outro ponto importante é que os bombeiros devem ter precisão cirúrgica na hora de cortar os pedaços de concreto, sob o risco de causar novos desabamentos. Tal perícia requer noções de engenharia e equipamentos específicos, explica.

"A laje não tem as mesmas tensões em todo o espaço dela, tem tensões diferenciadas. E o oficial do Corpo de Bombeiros sabe detectar esse local", diz. "O bombeiro corta a laje de maneira a penetrar sem macular o restante da laje, penetram nesse espaço que está com ar, e vão atrás das pessoas", afirma.

Mais cedo, os Bombeiros afirmaram que havia um óbito decorrente do acidente mas, no início da noite, o governo estadual do Ceará afirmava que isto não estava confirmado. Momentos depois a morte desta pessoa — ainda não identificada — voltou a ser divulgada oficialmente.

Prédio que desabou tinha pedido de registro de reforma. Imagem: Google Street View.

Primeiras impressões

Para o conselheiro do Clube de Engenharia, vídeos antigos feitos pelos moradores que circulam pela internet, caso confirmada a autenticidade, indicam que houve "falta de profissionalismo" na reforma do térreo do Edifício Andrea.

Isso porque as imagens mostram vários pilares descascados e até embalados em sacos plásticos, o que indica que as obras da reforma já haviam sido iniciadas em vários deles ao mesmo tempo, prática que é absolutamente não recomendável por engenheiros.

"O profissional que trabalha com recuperação de estrutura nunca abre dois pilares seguidos. O pilar é como se fosse a perna de uma cadeira de quatro pernas. Se cortar uma perna, a cadeira cai. O vídeo mostra vários pilares descascados em seguida", diz, alertando que tal prática indica falta de conhecimento ou imperícia do profissional responsável.

"Se por uma questão de emergência ele tiver que abrir dois, ele abre alternados, nunca seguidos, e com escoramento. Eu não vi nenhum escoramento, e eram seguidos, até enrolados em plástico".

A opinião é compartilhada pelo engenheiro, professor de engenharia e especialista em engenharia diagnóstica José Soares, que ministra cursos de inspeção predial em Fortaleza. Segundo ele, os vídeos que mostram pilares enrolados em sacos e falta de escoramento poderiam sinalizar que a obra era feita de maneira errada.

"Os pilares precisariam estar escorados, para dar mais segurança. O ideal é escorar a estrutura e sinalizar. E, quando está com risco crítico, é necessária até a desabitação do local, o que seria o caso deste prédio".

Cães e cheiro de gás

Segundo bombeiros e pessoas que moram na região, seis andares tinham dois apartamentos e a cobertura tinha uma unidade. O andar térreo tinha apenas colunas e um estacionamento.

O presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Ceará (Crea-CE), Emanuel Maia Mota, afirmou em entrevista à BBC News Brasil que foi registrada ontem uma Anotação de Responsabilidade Técnica informando uma reforma no Edifício Andréa, que desabou na manhã desta terça-feira em Fortaleza.

A anotação de responsabilidade é instrumento para identificar a responsabilidade técnica pelas obras ou serviços prestados por profissionais ou empresas, como foi o caso da reforma no edifício.

Lindalva Moreira, de 64 anos, descreveu o momento em que o prédio, vizinho a seu ateliê de costura, desabou.

"Escutei os gritos da minha filha (que estava na recepção do ateliê). Saí correndo ao encontro dela. Imaginei que era um prédio caindo", disse, ainda com a voz estremecida, por telefone à BBC News Brasil.

(Colaborou Ingrid Fagundez)

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