Amazônia: um biosistema tão intrincado que faz nascer uma das florestas mais exuberantes do mundo graças a um delicado equilíbiro. Foto: Ana Cotta

Não é novidade que a Floresta Amazônica é uma enorme riqueza que tem o Brasil como guardião em grande parte de seu território. Mas, enquanto as queimadas estão sempre em evidência nos noticiários, na prática muito pouco muda e a floresta segue sob violentos ataques.

A maior floresta tropical do mundo, que cobre 5% da superfície total do planeta e 40% do território da América do Sul é o lar de 10% da biodiversidade do mundo. Ali está um quarto das espécies já identificadas pela ciência. São cerca de mil espécies de árvores, mais de 2,5 milhões de espécies de insetos, 2.500 de peixe, 1500 de aves, 550 répteis e pelo menos 500 mamíferos. É cortada – e alimentada – pelo rio Amazonas, o maior do mundo: seus sete mil quilômetros correspondem a 20% de toda a água despejada no oceano atlântico. A água não está só na superfície. O ciclo hidrológico da região é um complexo sistema que envolve aquíferos e águas subterrâneas de até 4 milhões de quilômetros quadrados.

O diretor do Museu da Amazônia (MUSA) e diretor executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica debatem estratégias sobre a floresta com a mediação do primeiro vie-presidente Sebastão Soares. Foto: Fernando Alvim

A Amazônia também é palco de ameaças ambientais graves no esquema do aquecimento global, ainda que seja mais vítima que causadora. Os índices de desenvolvimento socioeconômicos são baixos, atividades ilícitas são numerosas e conflitos de vários tipos explodem constantemente. Nesse caldeirão de passivos e ativos, uma população de 40 milhões de pessoas têm na floresta a sua casa.

O assunto é vasto, pode ser abordado por diversos ângulos e o diálogo é urgente. O Clube de Engenharia, então, toma seu lugar histórico de fomentador de debates que alimentam e fazem avançar o país na direção de um desenvolvimento sustentável. No dia 28 de novembro o embaixador Carlos Alfredo Lazary Teixeira, diretor executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA e o professor Ennio Candotti, diretor do Museu da amazônia – MUSA, falaram da visão estratégica em direção ao desenvolvimento sustentável da região. O evento, realizado pela presidência do Clube de Engenharia, faz parte de uma série de seminários que tratarão de diferentes aspectos ligados à amazônia, desde a questão indígena, passando pela ambiental até a busca de caminhos para o desenvolvimento na região.

Um processo primitivo
A destruição da floresta gera perda incalculável em riquezas naturais. E não é uma riqueza idealizada e romantizada que acaba por desqualificar os debates sobre o assunto, mas uma riqueza real. Para além disso, a Amazônia tem uma história que fala de tentativas fracassadas de desenvolvimento. Em ambos os casos, seguimos fazendo tudo que não se mostrou eficaz e que, em última análise, não faz sentido, uma vez que destruímos o que não pode ser recuperado e que, se explorado corretamente, geraria muito mais riqueza que as plantações ou criações de gado que seguem tomando o espaço da floresta.

Ennio falou da verdadeira riquieza ainda desconhecida dentro da floresta Amazônica.

O professor Ennio Candotti classificou como “primitivo” o que ocorre na floresta. Os muitos conflitos que ocorrem na região são sempre motivados pelo domínio de uma terra pobre, pouco nutritiva, onde é necessário queimar ou derrubar um hectare – 10 mil metros quadrados, algo próximo a um campo de futebol – para alimentar apenas duas cabeças de gado. “Mesmo a disputa em si é totalmente anacrônica. Não se fala em qualidade das sementes, sobre o que plantar, o que seria interessante explorar da terra. Plantar soja é uma péssima opção porque a terra é pobre. Até hoje não se sabe como a floresta é tão exuberante apesar da terra pouco nutritiva”, conta o professor.

A verdadeira riqueza
Lideranças científicas alertam, desde a década de 1980, que há na Amazônia muito mais conhecimento do que conseguimos extrair hoje. Importantes fármacos produzidos saíram de toxinas e fungos da floresta. O potencial ainda desconhecido é enorme. “A Merkel vende um miligrama de Bergenina, uma substância antinflamatória extraída da casca de uma árvore amazônica, por mil reais. Um quilo de casca da árvore rende R$ 1 milhão. Eu penso que nossa própria inteligência está em jogo. É impossível que com uma informação como esta se insista em plantar cana e perder isso. Esse debate precisa ser feito em espaços como o Clube de Engenharia, para que a informação se propague”, defende Ennio.

Segundo o professor, essa riqueza potencial tem como maior obstáculo a necessidade de investimentos pesados em ciência investigativa, aquela que não gera resultados imediatos, mas que é financiada por se saber ser a porta para grandes avanços no futuro. Ele lembra que isso não seria novidade. “Quando se gasta para fazer um acelerador de partículas? Foram gastos 10 bilhões de Dóllares para construí-lo. Qual a utilidade do Bóson de Higgs? Eu sou físico e posso garantir que, hoje, nenhuma. Mas é provável que a partícula revolucione a tecnologia daqui a 10 ou 15 anos como a internet fez no passado. Produtos naturais sao muito importantes, mas para chegar a eles não será cobrando aplicações. É um trabalho investigação”, destacou Ennio, apontando que conhecemos apenas uma pequena fração da floresta. “Há muito o que aprender antes de decidir como iremos conservar e trabalhar o que existe ali”, ressalta o professor.

O caminho do desenvolvimento
O Brasil já criou planos de desenvolvimento regional na sua Amazônia e, hoje, duas correntes se destacam no debate de como explorar e desenvolver a região. A primeira delas aponta para as hidrelétricas, as logísticas, os portos. “É a corrente da engenharia pesada, um tanto saudosa dos anos 70 e 80. Estranhamente os jovens coronéis daquela época, hoje generais, repetem acriticamente os erros e propõem soluções que foram derrotadas em 1980. A Transamazônica é um desastre. O modelo de desenvolvimento da Amazônia é um fracasso”, destaca o professor.

O embaixador Carlos Alfredo Lazary Teixeira, diretor executivo da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA, apresentou os avançaso que vêm sendo construídos e alcançados desde a assintaura do tratado de cooperação.

A outra corrente é aquela que aponta a importância de, ao invés de construir mais hidrelétricas, desenvolver formas de melhorar e otimizar a rede de distribuição com inteligência. Para Ennio, a total inclusão do povo ligado às terras amazônicas é o caminho. Ele destaca que a floresta guarda sementes muito especiais e que os povos locais conhecem os caminhos para chegar até elas e guarda a memória daquele espaço. “Esses povos não são parte do problema, mas parte da solução. Bancos de sementes são ferramentas poderosas mantidas em todo o mundo para fins científicos. Metade das sementes da Amazônia não podem ser levadas para casa. Elas só sobrevivem ali. E são os ribeirinhos, os florestinos que podem guardar o patrimônio da floresta, cultivando, sabendo onde eles estão, do que se trata cada um deles”, explicou.

Teritorialidade e diplomacia
Um outro aspecto ainda dentro da questão estratégica foi levantado durante o evento pelo embaixador Carlos Alfredo Lazary Teixeira: a Amazônia não é uma floresta do Brasil apenas. Seu território é um só, uma realidade geográfica que ocupa boa parte da superfície do Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Peru, Venezuela, Suriname e Guiana. Preservar esse bioma seria impossível se cada um desses países agisse por conta própria, sem a cooperação e o compartilhamento de boas práticas. “O bioma Amazônia é uma realidade demográfica única. As políticas públicas dos países condôminos precisam ter um grau de convergência para que funcionem em harmonia, apesar das muitas assimetrias entre os países”, explicou o embaixador.

Para comandar esse trabalho foi pensado o Tratado de Cooperação Amazônica, um instrumento diplomático aprovado e implementado em tempo recorde: o Acordo foi assinado 14 meses depois do início das negociações e se transformou em um Tratado dois anos depois. Hoje, a única organização internacional sediada no Brasil atua sobre cinco pilares: biodiversidade, florestas, água, povos indígenas, saúde. Os trabalhos não são simples, justamente por envolver tantos países com interesses diversos e diferentes pontos de desenvolvimento e sustentabilidade, mas têm dado frutos.

Com base nos cinco pilares, uma agenda estratégica foi aplicada nos últimos 17 anos, mais especificamente nos últimos oito, em projetos realizados e em realização. Entre as cerca de 300 atividades desenvolvidas, o diretor executivo da organização destacou que foram necessários dez anos para definir os critérios de sustentabilidade da Floresta Amazônica nos indicadores regionais. “Imagine a dificuldade de aprovar isso em oito países – destaca o embaixador – até chegarmos a 15 critérios e 77 indicadores. Agora estamos desenvolvendo um projeto de implementação deles como vetores, filtros necessários para todas as políticas públicas no território amazônico em todos os países, comemora.

Teixeira apresentou outros exemplos de trabalhos realizados pela organização, como o monitoramento da cobertura florestal da região com base em uma tecnologia desenvolvida pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE. “Para nós não é uma novidade, mas para outros países é muito importante. Esse projeto permitiu que, pela primeira vez, fosse possível construir um centro de monitoramento com transferência de boas praticas na Bolivia, Guiana e Suriname”, conta o embaixador.

Outro importante projeto apresentado foi o que busca mapear todos os aquíferos ao longo do eixo do rio Amazonas. Foram identificadas várias caracteristicas dessas formações, mas o Serviço Geológico Brasileiro defendeu a importância de se conhecer as reais fronteiras dessas províncias de rochas sedimentares e, uma vez de posse dessa informação, passar a definir com os demais países a melhor forma de usar esses bens.

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