Paulo Nogueira Batista Jr.: "O Brasil não cabe no quintal de ninguém"

O Brasil é um dos gigantes do planeta. Faz parte de um seleto grupo de países que integram, ao mesmo tempo, as listas dos 10 maiores territórios, 10 maiores populações e 10 maiores PIBs. Dividimos esse grupo com Estados Unidos, Índia, Rússia e China. É bastante óbvio: o país “não cabe no quintal de ninguém”. A expressão dá nome ao livro recém-lançado do economista Paulo Nogueira Batista Júnior, palestrante da sessão do Conselho Diretor do Clube de Engenharia, em 09 de dezembro, parte da série de debates "Brasil: Nação Protagonista". Paulo trabalhou entre 2007 e 2017 no Fundo Monetário Internacional e ocupou a vice-presidência do Banco do Brics. No livro traz parte da sua experiência e, em paralelo, traça o caminho do país na política externa.

O título, ele garante, foi escolhido antes das eleições de 2018, mas nos dias que vivemos se tornou ainda mais oportuno. “Esse título não deveria existir. Existe porque há um descompasso entre a realidade objetiva do Brasil e a percepção subjetiva que o Brasileiro tem do Brasil, perfeitamente retratada na metáfora do ‘complexo de vira-latas’, de Nelson Rodrigues”, destaca Nogueira Batista. “Só caberia se fosse rompida a unidade nacional, mas o nosso processo de independência, no início do século XIX, preservou a unidade da América Portuguesa, em contraste com a América espanhola, que se fragmentou em diversas repúblicas”, completa.

Há um esforço de grupos cujos interesses precisam dessa inferioridade latente para prosperarem. O ano de 2019 é, de longe, o mais marcado por esse complexo graças a uma posição de governo recém-eleito que abriu mão dos avanços mundialmente reconhecidos feitos pela diplomacia brasileira ao longo da última década em troca da tentativa de criar uma relação especial com os Estados Unidos, que segue fracassando reiteradas vezes.

Um desastre completo
“O esforço para que as pessoas realmente acreditem que o país cabe no quintal dos outros está sendo sem precedentes esse ano e isso tem ocorrido de forma penosa, por um governo que se diz nacionalista, mas é entreguista. Tem uma retórica nacionalista, usa símbolos e colocações nacionalistas importantes, mas associa tudo isso a uma constrangedora tentativa de se aproximar do grande irmão do Norte”, aponta o economista.

No campo político, visando a aproximação com Washington, os exemplos citados são muitos, entre eles, em um processo amplamente divulgado e acompanhado pela população, o Brasil abriu mão do tratamento especial diferenciado na Organização Mundial do Comércio em troca de uma perspectiva de apoio americano na OCDE. “Inclusive, nesse caso temos que agradecer ao Trump, que se limitou a embolsar as concessões de Bolsonaro sem levar adiante a problemática entrada do Brasil na OCDE, um organismo que nos limitaria, nos restringiria enormemente em matéria de política econômica”, destaca o economista, apontando que a entrada do Brasil na OCDE seria aderir a um conjunto de normas e princípios estabelecidos em uma negociação da qual não participamos.

O vexame, na visão de Paulo Nogueira Batista, vem acompanhado de declarações de amor nos corredores da ONU, e vai mais longe. Há poucas semanas foi votado, como acontece todo ano, a resolução contrária ao embargo imposto pelos Estados Unidos a Cuba. Foram 187 votos a favor, 2 abstenções e 3 votos contrários: Estados Unidos, Israel – que tem motivos de sobra para apoiar os EUA no campo internacional – e o Brasil. “Em troca de que, não se sabe”, pontua Nogueira.

A resposta americana veio rápido: uma carta do secretário americano ao secretário geral da OCDE vazou. Na carta, os EUA endossavam apenas a entrada de Argentina e Romênia na organização. Fechando com chave de ouro, o presidente Donald Trump anunciou via Twitter que irá impor sobretaxas ao alumínio e aço brasileiros porque o Brasil estaria manipulando o câmbio em uma estratégia de depreciação competitiva da moeda, ainda que nas semanas anteriores ao anúncio, o esforço geral fosse justamente para frear a depreciação do Real.

Um Brasil irreconhecível
Enquanto o governo se esforça, abrindo mão dos interesses nacionais, a imagem do país no exterior só piora. Para Nogueira, vivemos em um Brasil irreconhecível. “Não é só o entreguismo. Ele vem misturado com ignorância, primitivismo, ressentimento, teses estapafúrdias e uma clara aversão à cultura, à educação. A imagem sempre associada ao brasileiro, de simpatia, paz, flexibilidade, cordialidade vai sendo substituída por um show de ignorância”, destaca.

Mas para além de traçar um retrato dos enormes retrocessos do Brasil na arena internacional, Paulo Nogueira destaca que ainda acredita que estamos passando por uma anomalia histórica, um ponto fora da curva. “O livro é um relato do passado e presente, mas com os olhos no futuro e na esperança de que nossa voz se fará ouvir de novo em todos os cantos do planeta e mais forte que nunca na defesa de valores humanos que o brasileiro como ninguém tem a capacidade de vivenciar e transmitir ao mundo: doçura, versatilidade, criatividade, imaginação e alegria de viver”, finalizou.

Veja a palestra completa no canal do Clube de Engenharia no You Tube clicando aqui (1ª parte) e aqui (2ª parte).

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