Nos países civilizados, a construção é regulada em benefício da segurança e do bem estar coletivo. Como o ministro Paulo Guedes tem pequenas questões a enfrentar, o seu ministério passou a legislar também sobre licenciamento de obras. Foto: Pixabay

Por Sérgio Magalhães (email: [email protected])
Publicado em O Globo (16/01/2021)

Como o ministro Paulo Guedes tem pequenas questões a enfrentar, o seu ministério passou a legislar também sobre licenciamento de obras...

Nos países civilizados, a construção é regulada em benefício da segurança e do bem estar coletivo. O interessado apresenta seu projeto ao órgão público que o avalia quanto ao atendimento da legislação. Atendida a lei, é autorizada a obra.

O ministério da Economia quer inovar. Acha que os negócios emperram por conta da burocracia na aprovação de obras e na emissão de alvarás de funcionamento. Assim, pela Resolução CGSIM nº 64, já vigente, retira dos municípios a atribuição constitucional de licenciar as obras, de fiscalizar o que foi feito, e de expedir o alvará para atividade econômica no imóvel. O serviço público de licenciamento será substituído por empresas habilitadas pelo ministério. Elas integrarão o recém criado MURIN, o “Mercado de Procuradores Digitais de Integração Urbanístico de Integração Nacional” (sic). O particular interessado contratará empresa inscrita no MURIN para obter a autorização de obra.

As cidades melhorarão? As edificações serão mais seguras, mais bonitas?

“É uma revolução, é a desestatização do serviço público, que passa a ser prestado por empresas reguladas e em livre concorrência", diz o secretário de Advocacia da Concorrência e da Competitividade do ministro Paulo Guedes.

Se a meta for essa, errou o alvo.

O que quer o ministério? Quer que o interessado pela obra declare para a empresa, sob responsabilidade civil e penal, que o seu projeto cumpre todas as leis: urbanísticas, edilícias, dos bombeiros, do Comando Regional Aéreo, ambientais, fundiárias, de vizinhança, de risco, entre outras. Com essa declaração, mediante pagamento, a empresa autoriza a obra “de maneira automática”.

Quem, sem os instrumentos técnicos de que dispõe o serviço público, poderá se responsabilizar, de boa fé, que o projeto atende a toda a legislação? Um super homem? Um mentecapto? A empresa do MURIN não será.

A tal revolução, de fato, é uma falácia. O serviço público municipal é substituído pelo particular interessado, não pela empresa. E resta uma nova burocracia onerosa centralizada em Brasilia.

Há, porém, outro essencial aspecto a ressaltar. O serviço público de licenciamento e de fiscalização de obras é um instrumento do planejamento urbano, e constitui o controle urbanístico. Sem ele, o planejamento fenece. Sem planejamento, as cidades decaem – como estamos vendo.

No mundo contemporâneo, a baixa qualidade dos serviços urbanos compromete o desenvolvimento do país. Ao invés de extinguir os serviços públicos de planejamento, a Economia deveria ajudar a melhorá-los e fortalecê-los: veria os negócios não emperrarem e o PIB crescer. Ao revés, o seu enfraquecimento convém ao avanço da irregularidade urbana e, em grande medida, à tomada de partes das cidades por bandidos e milícias.

Os países modernos, de economia pujante, sabem disso e cuidam de suas cidades.

O ministério da Economia trabalhará bem se, no seu âmbito, garantir financiamento para a mobilidade urbana, a urbanização de favelas e dos bairros populares, para a modernização das infraestruturas e se oferecer às famílias crédito habitacional fácil, barato e acessível.

Justamente quando a população brasileira foi às urnas na esperança de novos governos que cuidem melhor de seu ambiente construído, é lastimável que o ministério saia de seu mister para gastar tempo e dinheiro público para evidenciar um entendimento rasteiro sobre a produção do espaço brasileiro. O tempo é de planejar e de ordenar as cidades, não é de deixá-las à sanha da especulação mais grosseira. Basta de assombração!

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