Novos rumos para o Brasil: agenda para uma política soberana

Flávio Dino, governador do Maranhão. Foto: Fernando Alvim

O Clube de Engenharia deu início, no dia 28 de março, a uma série de encontros, intitulada "Brasil: Nação Protagonista", que reunirá governadores de todo o país preocupados com uma agenda pública de soberania, democracia e desenvolvimento. O primeiro convidado foi o governador do Maranhão, Flávio Dino, que abordou a "A questão nacional e o desenvolvimento brasileiro".

Na abertura do evento, Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, destacou que "essa é a Casa da Engenharia, da Democracia e da Soberania. O governador Flávio Dino não é engenheiro, mas é um democrata e luta pela nossa soberania. É simbólico que seja o primeiro dos governadores a ser por nós convidado, pelas credenciais que apresenta e apresentou ao longo de sua trajetória profissional e política. Foi juiz federal, presidente da Associação de Juízes Federais, assessor do ministro Nelson Jobim no Supremo Tribunal Federal, uma trajetória como magistrado impecável e ascendente". Também foram convidados à mesa do evento Francis Bogossian, presidente da Academia Nacional de Engenharia e ex-presidente do Clube de Engenharia, Raymundo de Oliveira, ex-presidente do Clube, Roberto Saturnino Braga, ex-senador, ex-prefeito do Rio de Janeiro e conselheiro do Clube, e Renato Rabelo, presidente da Fundação Maurício Grabois.

"É com sentimento de honra, e sobretudo de alegria, que estou aqui dividindo esta mesa junto de ídolos da minha juventude, como Roberto Saturnino Braga e outros, e poder estar aqui, Pedro, sob seu comando, neste centenário bastião das boas causas do povo brasileiro, que é o Clube de Engenharia", saudou Flávio Dino. "Nós não fazemos as transformações da sociedade metafisicamente. Fazemos a partir de uma dada análise da conjuntura, da realidade, para extrair as condições para sobre ela incidir", explicou ele, antes de dar início a uma palestra que trouxe visões e estratégias para uma retomada progressista e democrática da política nacional.

Estiveram à mesa de debates: Renato Rabelo (presidente da Fundação Maurício Grabois), Raymundo de Oliveira (ex-presidente do Clube de Engenharia), Flávio Dino (governador do Maranhão), Pedro Celestino (presidente do Clube de Engenharia), Francis Bogossian (presidente da Academia Nacional de Engenharia e ex-presidente do Clube de Engenharia) e Roberto Saturnino Braga (ex-senador, ex-prefeito do Rio de Janeiro e conselheiro do Clube de Engenharia). Foto: Fernando Alvim

Contradições
Na visão de Dino, o Brasil vive hoje sob uma série de contradições, que juntas tornam árdua a tarefa de se pensar um país forte e justo. Em primeiro lugar, o embate entre democracia e autoritarismo, expresso na política institucional e em movimentos antidemocráticos que, por exemplo, celebram a Ditadura Militar. "Não é menor a batalha simbólica sobre o 31 de março", disse Dino, criticando também políticas que buscam minar a articulação de trabalhadores por seus direitos. "Nunca se viu uma tentativa tão aguda de desarticular o sindicalismo brasileiro. Não só o novo-sindicalismo, mas também o tradicional", apontou.

Uma segunda contradição é a expressa entre pobres e ricos. "A reforma da Previdência é hoje o terreno tático em que isso se mostra mais evidente", analisou o governador do Maranhão. "O que está em jogo é o conceito de seguridade social, erguido por Bismarck, no século 19, e que deu as bases da social democracia, do Estado de bem-estar social", disse. "Há uma solidariedade intergeracional, ou seja, os de hoje contribuem para aqueles que, por alguma razão, não podem ou não devem trabalhar. O regime de capitalização quebra essa noção, porque coloca no lugar um 'salve-se quem puder', uma apologia ao individualismo. Quem pode contribuir, capitaliza suas contribuições. Quem não pode, problema é seu. É o sistema chileno que vemos hoje", criticou ele.

Ainda no campo da desigualdade econômica, Flávio Dino lembra da urgente Reforma Tributária, completamente fora da agenda institucional. "Ela sumiu da agenda nacional e é imperativa, porque sabemos que um dos principais problemas para o desenvolvimento brasileiro é a distorção derivada de termos um sistema tributário regressivo, e não progressivo, que agudiza e aprofunda a concentração de renda no nosso país", explicou.

A última grande contradição é o conflito entre nação e imperialismo, expresso principalmente na desestruturação da política externa brasileira. "Nós temos uma política externa como nunca vista. Atravessamos todo o período militar com uma política externa mais ou menos multilateralista e menos subalterna. Mas temos agora uma política totalmente alinhada aos Estados Unidos", lamentou Dino.

Defender o Estado de Direito e uma agenda popular
Para enfrentar essas contradições e apontar um destino soberano, democrático e com desenvolvimento econômico e social justo para o Brasil, Flávio Dino diz que é necessário transformar o pensamento crítico em força material, isto é, transformar ideias em ações que possam conter os danos. É o tipo de transformação que, no entanto, as forças progressistas no Brasil ainda não estão conseguindo fazer.

"Em primeiro lugar, precisamos sempre reafirmar a agenda do Estado de Direito e da legalidade democrática, que envolve o combate às milícias, a proteção aos movimentos sociais e uma causa muito importante, que estou chamando de 'Judiciário sem partido'", disse o governador.

"Um segundo ponto", continuou, "é, claro, uma agenda popular, no sentido dos direitos da população. Como já me antecipei, me parece que um dos terrenos principais é disputar o sentido da Reforma da Previdência, evitá-la tanto quanto possível, e ao mesmo tempo apresentar uma Reforma Tributária que reabra debates hoje submersos, como taxação de grandes fortunas, lucros e dividendos". Para Flávio Dino, propor uma Reforma Tributária é uma estratégia importante dos movimentos progressistas frente à crise fiscal, o déficit da União e dos estados derivada da recessão econômica que o Brasil atravessa, já que a Reforma da Previdência é colocada como a saída para essa crise nas finanças públicas.

É preciso um projeto nacional de soberania
O terceiro e mais contundente ponto da lista estratégica de Flávio Dino diz respeito à agenda nacional, que envolve política externa, identidade nacional e soberania.

"É evidente que o debate sobre a questão nacional é secular e não nega uma perspectiva internacionalista", explicou ele. "De fato, uma série de problemas que a humanidade atravessa não comporta soluções propriamente nacionais", frisou, lembrando a corrida armamentista e as mudanças climáticas que causam tragédias, como o recente ciclone que devastou Moçambique. "Consideramos positivo que haja intercâmbio e aproximação cultural entre pessoas, e não apenas entre capitais. Porque livre circulação de capitais todo mundo gosta, mas de pessoas não".

A identidade nacional é uma construção cultural histórica, que envolve símbolos e precisa ser constantemente lembrada e valorizada, mesmo que não seja algo estático. E a luta por soberania parte por valorizar essa identidade. "A desigualdade, a submissão a países que têm maior força econômica e militar, ou o imperialismo, aí estão. Logo, em certo sentido, a luta por libertação nacional não ficou no século 20", disse ele. "A causa da libertação nacional e da luta anti-imperialista é importante para que tenhamos condições econômicas para o bem-viver", afirmou, lembrando que o conceito de bem-viver, utilizado por diferentes pesquisadores sociais, diz respeito a uma distribuição de renda igualitária e de condições dignas de vida para toda a população.

"As condições econômicas para o financiamento disso dependem de um projeto nacional de soberania, porque sem isso não teremos as condições para financiar o conjunto de políticas públicas que nós precisamos para universalizar direitos para o povo mais pobre", apontou o governador do Maranhão. "Darcy Ribeiro, lá no livro 'O Povo Brasileiro', dizia que, no Brasil, não temos uma galinha ou porco abandonado, mas temos crianças abandonadas. E isso é o retrato da classe dominante brasileira, egoísta, de costas para o seu povo", lamentou, citando, ainda, o livro Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que inaugurou o pensamento sobre a identidade nacional no Brasil.

"A disputa em torno do nacionalismo é importante na conjuntura", avaliou Dino. "O que temos é que combater o nacionalismo de uma só nação, que é o nacionalismo do interesse dos Estados Unidos".

Auditório lotado reuniu profissionais, representantes de movimentos sociais e organizações políticas. Foto: Fernando Alvim

Agenda nacional e estratégias
Para além de reafirmar novos rumos, é importante também, na visão de Flávio Dino, defender políticas e instituições alinhadas com o desenvolvimento do Brasil. "Proteção das universidades públicas, Ciência e Tecnologia, Programa Aeroespacial Brasileiro, defesa das agências do Estado brasileiro — BNDES, Banco do Nordeste, BASA [Banco da Amazônia] — são pré-condições para que o Estado brasileiro possa financiar desenvolvimento".

É preciso, ainda, discutir o lugar do mercado interno no projeto de desenvolvimento. "Caio Prado Junior dizia que precisamos quebrar os ciclos de crescimento do Brasil baseados no mercado internacional. Ele foi um dos primeiros que alertou o fato disso, obviamente, não sustentar ciclos de prosperidade por muito tempo", lembrou o governador. "Nós temos hoje uma situação em que o Brasil pode virar uma plantation, apenas produzindo grãos para o mundo".

"É importante atualizarmos narrativas sobre o nosso país, que valorize nossa trajetória histórica", disse Flávio Dino no encerramento da palestra.

Para ele, é essencial que os movimentos progressistas e democráticos do Brasil tenham flexibilidade tática, entendendo a importância de unir a população a partir de ideias: "E por isso, quero louvar esse esforço que o Clube de Engenharia faz há mais de um século de ser uma instância de debates sobre o Brasil", finalizou.

Para assistir à palestra na íntegra, acesse o canal do Youtube do Clube de Engenharia clicando aqui

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