O palestrante João Carlos Ferraz, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-vice-presidente do BNDES, ao lado do moderador do evento, Raymundo de Oliveira, ex-presidente do Clube de Engenharia. Foto: Fernando Alvim.

Diante de dados que mostram o histórico e cada vez mais acentuado do encolhimento da participação da indústria no Produto Interno Bruto (PIB) do país, além da estagnação econômica e aumento do desemprego, o debate sobre políticas industriais ganha força na sociedade. Para discutir esse contexto, o Clube de Engenharia organizou mais uma edição da série de palestras "Brasil: Nação Protagonista", com o tema "Impasse do desenvolvimento industrial brasileiro", com a participação de João Carlos Ferraz, professor do Instituto de Economia da UFRJ e ex-vice-presidente do BNDES. A moderação coube a Raymundo de Oliveira, ex-presidente do Clube de Engenharia.

Justificaram a ausência, José Velloso Dias Cardoso, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ) e José Ricardo Roriz, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). A apresentação encaminhada por Roriz pode ser conferida aqui.

"Encaramos um processo de desmonte de instituições construídas ao longo dos últimos 80 anos, o que possibilitou a transformação de nossa economia industrial em uma das maiores economias do mundo. Processo esse que teve, na indústria, o seu carro-chefe", enfatizou Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, na abertura do evento.

Queda da participação da indústria no PIB
Com foco no Brasil de 2019, João Carlos Ferraz iniciou sua apresentação. "Todos sabemos que a indústria brasileira hoje é quase um animal em extinção. Ela enfrenta desafios, como a participação no PIB caindo de forma sistemática. Em geral, quando essa participação cai existe a associação a um crescimento de renda", explicou ele, citando, por exemplo, o aumento do setor de serviços. "Aqui no Brasil está acontecendo um fenômeno diferente: quando a participação da indústria no PIB cai, a renda não chegou a atingir nenhum grau associada a países em desenvolvimento, pelo contrário. É um fenômeno muito particular", afirmou. A queda na participação vem, segundo Ferraz, desde os anos 1980, de forma que atravessa governos e precisa ser endereçada estruturalmente.

Para Ferraz, a "probabilidade é muito baixa" de que o Brasil vá, em breve, ter uma política industrial de Estado que mude o cenário. "É difícil avaliar hoje se irá emergir, pela conjuntura que estamos atravessando, pela postura das autoridades econômicas e pela disposição efetiva dos atores econômicos frente a uma agenda que se encaixou como mais relevante — como a [reforma da ] Previdência, [reforma] tributária, conservadorismo fiscal e privatização", avaliou.

A partir desse cenário, o professor explorou quatro temas: o que está acontecendo na economia real; o que os outros países estão fazendo; frente a essas transformações, o que está acontecendo no Brasil; e, por fim, que tipos de derivadas podemos retirar considerando esses fatores e a política econômica atual.

Economia em transformação
Para tratar do primeiro ponto, Ferraz citou dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), com um estudo que teve por objetivo identificar que tecnologias seriam, nos próximos 10 anos, implementadas pela indústria e qual impacto teriam em setores industriais específicos. O resultado, segundo ele, são apontamentos sobre como tecnologias como smartphones e Inteligência Artificial estão alterando e vão alterar radicalmente alguns setores. O outro lado da facilidade de comunicação e negócios, no entanto, é a possibilidade de controle, por Estados ou empresas, de dados a respeito das pessoas. Outros impactos dizem respeito à reorganização do trabalho, com setores e funções cada vez mais difusas. "Nós não sabemos mais quem concorre com quem".

A reação de outros países a esse processo de transformação é, segundo o professor, muito diferente da reação do Brasil. Na China, por exemplo, o planejamento tem sido pensado ao redor de três eixos: arranjos estratégicos do complexo público-privado; trabalhar com metas de longo prazo; e investir grandes quantidades de recursos financeiros em política industrial robusta.

Flexibilização fragiliza trabalho
O Brasil, principalmente na década passada, viu o crescimento do emprego formal seguindo uma legislação trabalhista que, de 2016 para cá, foi taxada de antiga. "A referência que estamos praticando agora é, na Inglaterra, o contrato de zero hora: você assina a carteira de trabalho com zero horas. Estamos com desemprego e nível de informalidade surpreendente. Surpreendente em relação ao passado, quando havia um nível de formalização, e do ponto de vista da vitalidade da população brasileira", criticou Ferraz.

Investir em inovação
Em relação a perspectivas, o professor é crítico: "A minha percepção é que não há um ânimo visceral, intrínseco, ou conjuntural para maior tração". Apontou que esse cenário é resultado da inaptidão de todos os atores: do atual governo, com políticas liberalizantes e de crença na força do mercado; do Estado, que apesar de forte e abrangente, não está em sintonia com as transformações da economia mundial; dos institutos de pesquisa, que têm visão "muito acanhada" e vertical, enquanto o mundo requer uma visão horizontal; e das pessoas, que são passivas no sentido da falta de questionamento sobre o uso das novas tecnologias e mesmo de um uso produtivo delas. "Tem esperança? Tem, nos jovens", disse, citando pequenas empresas que buscam caminhos alternativos em meio uma economia instável.

No debate, Ferraz ainda argumentou que, na história industrial do Brasil, houve a falha em agregar valor à indústria de base. E questionou que, diante das políticas de desindustrialização nacional vigentes, os empresários que se beneficiaram das políticas industriais no passado não defendam, por exemplo, o BNDES, alvo de desmonte do atual governo.

Para assistir ao evento na íntegra, acesse o canal do Youtube do Clube Engenharia: parte 1 e parte 2

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