Castello Branco insiste no mito da Petrobrás quebrada para tentar justificar privatizações

Felipe Coutinho,
Presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Dezembro de 2019

Em palestra na Comissão de Infraestrutura do Senado, Roberto Castello Branco, atual presidente da Petrobrás, afirma:

“A Petrobrás passou por um processo muito difícil, ela foi assaltada por uma organização criminosa e foi praticamente desmontada neste período que desaguou em duas crises: uma crise moral e uma crise de dívida. Felizmente com muito esforço de todos a Petrobrás conseguiu superar este momento triste, mas não sem sequelas... a companhia ainda tem uma dívida de US$ 101 bilhões...”

“... para pagar esta dívida faz-se por obrigatório a receita dos desinvestimentos.” (Branco, 2019)

À esta narrativa que disputa o senso comum poderia ser agregada os ditos subsídios ao consumidor entre 2010 e 2014 e os supostos maus investimentos.

Castello Branco apresenta:

“Apesar de ter vencido a mais séria crise de sua história, a Petrobrás ainda se encontra em situação bastante delicada

A Petrobrás possui dívida de US$ 101 bilhões, o dobro da média do endividamento das 10 maiores empresas de petróleo do mundo:

3 vezes a geração de caixa anual, contra cerca de 1 vez para competidores no resto do mundo

Pagamento de juros elevados, o que consome cerca de 35% do caixa operacional, muito superior a seus concorrentes, que comprometem apenas 3%” (Branco, 2019)”.

O mito da Petrobrás quebrada

Embora a Petrobrás tenha sido vítima de corrupção sempre esteve muito longe do risco de falência. A estatal é uma grande geradora de caixa. Entre 2012 e 2017, a geração de caixa se manteve estável entre US$ 25 e US$ 27 bilhões por ano. Também neste período manteve enormes reservas em caixa, entre US$ 13,5 e US$ 25 bilhões, superiores as multinacionais estrangeiras. A capacidade de honrar compromissos de curto prazo sempre foi evidenciada pelo índice de liquidez corrente superior a 1,5.

A dívida da Petrobrás é proporcional às reservas em desenvolvimento do pré-sal e aos investimentos de mais de US$ 250 bilhões, de 2009 a 2014, sendo perfeitamente administrável pela companhia que cresce, tanto na produção, quanto na geração operacional de caixa. (Oliveira & Coutinho, 2017).

Avaliação dos “maus investimentos” e da corrupção na formação da dívida da Petrobrás

Em síntese, concluímos que do total da dívida existente no final de 2014 (US$ 136,04 bilhões), 4,5% corresponde aos investimentos ditos “improdutivos” e 3,6% corresponde aos efeitos da corrupção. Ressaltamos que os dois resultados não podem ser somados porque existem efeitos redundantes pelo impacto da corrupção na “improdutividade” dos ativos. Assim pôde ser revelada a lenda da origem perversa do endividamento que alimenta o mito da Petrobrás quebrada e suporta ideologicamente o objetivo da privatização fatiada da estatal que é disfarçada pela meta da redução da alavancagem. (Oliveira & Coutinho, Avaliação dos “maus investimentos” e da corrupção na formação da dívida da Petrobras, 2017).

Falácia da privatização para redução da dívida da Petrobrás

As reduções da dívida e da alavancagem da Petrobrás têm sido utilizadas como pretexto para a privatização dos ativos da companhia.

Desde 2016 afirmamos que não é necessário vender ativos para administrar e reduzir a dívida da Petrobrás. (Coutinho & Assis, Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobrás sem vender seus ativos, 2016).

A Petrobrás reduziu sua dívida líquida de US$ 115,4 para US$ 69,4 bilhões e sua alavancagem (dívida liquida / EBITDA ajustado) de 4,25 para 2,20, entre o final de 2014 e de 2018.

Nesse mesmo período de quatro anos, a Petrobrás vendeu ativos no valor de US$ 18,72 bilhões. Deste total, os valores efetivamente recebidos em caixa totalizaram US$ 11,81 bilhões.

Esta dívida poderia ser reduzida, mesmo sem a entrada no caixa dos US$ 11,81 bilhões. Na realidade, as privatizações tiveram influência pouco relevante na redução do endividamento líquido da companhia.

Limitou-se a 25,65% da redução da dívida líquida, entre 2015 (final de 2014) e 2019 (final de 2018), que pode ser atribuída a venda de ativos. Cerca de três quartos (74,35%) da redução da dívida teve origem na geração operacional de caixa da Petrobrás. (AEPET, 2019).

Das 10 maiores petrolíferas, 7 são estatais. Das 25, são 19 estatais.

É preciso esclarecer quais são “as 10 maiores empresas de petróleo” citadas na apresentação do Castello Branco, se são apenas as companhias privadas com ações em bolsa ou se estão incluídas as estatais. As estatais são tratadas como ativos estratégicos dos seus países que muitas vezes não apresentam publicamente suas informações.

Como a maior petrolífera, a Saudi Aramco da Arábia Saudita. Só em 2019 planeja captar US$ 31,5 bilhões em recursos de terceiros.

A dívida externa bruta da Arábia Saudita é de cerca de US$ 213 bilhões (2017). (Wald, 2019) (Wikipedia)

A estatal iraniana, terceira maior petrolífera, sofre sanções dos Estados Unidos e suas informações são tratadas confidencialmente pelo Iran.

Dívida bruta ou dívida liquida?

Outro aspecto que precisa ser observado é a dívida líquida da Petrobrás que é muito inferior à dívida bruta.

A dívida bruta não é uma métrica comparável uma vez que as empresas utilizam estratégias distintas de administração do caixa. O indicador de alavancagem utilizado pela própria Petrobrás se refere à dívida líquida: Dívida Líquida / EBITDA ajustado.

A dívida líquida da Petrobrás é de US$ 75 bilhões, excluindo a recente regra contábil (IFRS 16) é de U$$ 51 bilhões.

Dessas 10 maiores petrolíferas que se pretende comparar a dívida com a Petrobrás, quantas dispõem de reservas a desenvolver do tamanho da província do pré-sal?

Estimamos em 28 bilhões de barris em desenvolvimento (Cessão Onerosa e cinco primeiros leilões de partilha) dos quais a Petrobrás tem direito a cerca de 40%.

O campo de Lula, explorado sob o regime de concessão, pioneiro do pré-sal e operado pela Petrobrás é qualificado como supergigante (com mais de 5 bilhões de barris recuperáveis) e já produz mais de 1 milhão barris de petróleo equivalentes (boe) por dia.

A Petrobrás descobriu a maior reserva de petróleo dos últimos 30 anos. Sua dívida é proporcional a este projeto de desenvolvimento. Entre 2009 e 2014 investiu US$ 300 bilhões, média de US$ 50 bi por ano (em valores atualizados).

Os investimentos são de longa maturação, levam de oito a dez anos para gerar resultados esuficientemente altos para recuperar os investimentos. A administração da dívida e sua rolagem deve considerar esta realidade da indústria petrolífera.

Em 2015 sua dívida líquida era de US$ 115 bilhões, em 2019 foi reduzida para US$ 69 bilhões. Dos US$ 46 bilhões abatidos 74% veio da geração de caixa da companhia, apenas 26% (US$ 11,8 bilhões) foi obtido pelas privatizações. (AEPET, 2019).

Foi dito que a verdade é filha do tempo e não da autoridade. Resta saber quanto tempo será necessário para que a verdade relativa ao mito da Petrobrás quebrada e à falácia da necessidade das privatizações dos seus ativos para administração da dívida seja aceita com naturalidade.

P.S. Para assistir a palestra do presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, realizada na Comissão de Infraestrutura do Senado, com os comentários da AEPET: acesse aqui (AEPET, 2019)

https://aepet.org.br/w3/ https://felipecoutinho21.wordpress.com/

Referências

AEPET. (2019). A falácia da privatização para redução da dívida da Petrobrás. Fonte: http://www.aepet.org.br/w3/index.php/conteudo-geral/item/2953-falacia-daprivatizacao-para-reducao-da-divida

AEPET. (2019). Vídeo: AEPET rebate falácias do presidente da Petrobrás no Senado. Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=TSrZPthaXXs&feature=youtu.be

Branco, R. C. (Agosto de 2019). Palestra na Comissão de Infraestrutura do Senado de Roberto Castello Branco. Fonte: https://legis.senado.leg.br/comissoes/reuniao?0&reuniao=8832&codcol=59

Coutinho, F., & Assis, J. C. (2016). Existe alternativa para reduzir a dívida da Petrobrás sem vender seus ativos. Fonte: https://felipecoutinho21.wordpress.com/2016/10/06/existe-alternativa-para-reduzira-divida-da-petrobras-sem-vender-seus-ativos/

Oliveira, C., & Coutinho, F. (2017). Avaliação dos “maus investimentos” e da corrupção na formação da dívida da Petrobras. Fonte: Blog Ocupar a Petrobras: https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2017/06/formacao-da-divida-dapetrobras_final.pdf

Oliveira, C., & Coutinho, F. (2017). O Mito da "Petrobras quebrada". Fonte: Blog Ocupar a Petrobras: https://felipecoutinho21.files.wordpress.com/2017/05/o-mito-dapetrobras-quebrada_revfinal.pdf

Wald, E. (2019). Saudi Aramco Is The Most Profitable Company In The World, But Where Is All The Money Going? Fonte: https://www.forbes.com/sites/ellenrwald/2019/04/01/saudi-aramco-is-the-mostprofitable-company-in-the-world-but-where-is-all-the-money-going/#6f31fc4b57d8

Wikipedia. (s.d.). Economy of Saudi Arabia. Acesso em 2019, disponível em https://en.wikipedia.org/wiki/Economy_of_Saudi_Arabia

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