A indústria naval, que, na década de 1980, atravessou um longo período de estagnação, passou a viver um novo momento de expansão de suas atividades desde a instituição, pelo governo Lula, em 2004, do Programa de Modernização e Expansão da Frota (Promef). De lá até agora, a Transpetro, subsidiária da Petrobras no setor de logística, encomendou 49 navios a diversos estaleiros. Só no mês de maio, a estatal retomou a encomenda de 12 petroleiros ao Estaleiro Atlântico Sul (EAS), sediado no estado de Pernambuco. Ao anunciar a assinatura do aditivo de construção dos petroleiros, o presidente da Transpetro, Sérgio Machado, destacou que a retomada dos pedidos pela estatal era um passo importante para a recuperação da indústria naval do país.

O BNDES também teve um papel de destaque no apoio ao renascimento deste segmento industrial. Como agente repassador dos recursos do Fundo de Marinha Mercante (FMM), contratou cerca  de R$ 30 bilhões e liberou crédito em torno de R$ 10 bilhões no período de 2000 a 2012, de acordo com estudo de Priscila Branquinho das Dores, Elisa Salomão Laje e Lucas Duarte Processi (respectivamente, chefe, gerente e enge-nheiro do departamento de Gás, Petróleo e bens de capital sob encomenda do banco).

Porém, apesar das grandes encomendas das empresas de óleo e gás, do crédito farto e generoso, da expansão, da modernização e do aumento da produção de embarcações – o que se tornou necessário por conta do crescimento das atividades petrolíferas offshore–, alguns especialistas da área naval alertam para os riscos da atual política de incentivos e estímulos à indústria naval brasileira, que resultam da falta de planejamento e do pouco apetite demonstrado até agora para o desenvolvimento de um setor forte.

Ninguém contesta que o setor naval passa por um momento de vigorosa expansão, nem discorda da visão do governo Lula de criar políticas industriais para tirar o segmento estratégico do fundo do poço. Mas, começam a surgir críticas aos vícios na condução do processo e os alertas para a necessidade de medidas que evitem uma nova “quebradeira” mais adiante. O próprio estudo dos técnicos do BNDES aponta a lacuna no desenvolvimento de produtos de alto conteúdo tecnológico e de bens de capital. “Inovações em navipeças de alto conteúdo tecnológico e em bens de capital específicos para a indústria naval têm sido introduzidas no mercado brasileiro por meio de impor-tações. Não há, ainda, grande participação de empresas nacionais no desenvolvimento desses produtos. O cenário de novas encomendas nacionais configura uma oportunidade para que a indústria de navipeças se junte aos estaleiros para desenvolver a engenharia básica de produtos internamente, reduzindo a dependência dos fornecedores interna-cionais.”

O futuro para a indústria naval brasileira

O que preocupa os especialistas do setor naval é o fato de os benefícios concedidos para impulsionar esta indústria, a exemplo da desoneração fiscal e do fundo garantidor da indústria naval, não terem sido acompanhados de exigências, contrapartidas e obriga-ções que garantam o seu desenvolvimento sustentável a longo prazo. Na avaliação dos críticos dos rumos da política adotada até aqui, o Brasil não está criando um parque industrial avançado, mas apenas copiando projetos com preços muito elevados. A simples exigência de contrapartida de conteúdo nacional não é o bastante para pavi-mentar o caminho de uma indústria bem-sucedida. Falta uma definição de critérios de eficiência e produtividade, que deveriam acompanhar os incentivos e estímulos criados pelo decreto 6.704 e a Lei 11.774, ambos de 2008.

Engenheiro naval e consultor na área de transportes e logística, Nelson L. Carlini, expõe em artigo publicado no jornal Valor Econômico em abril, as fragilidades da atual poli-tica de expansão e desenvolvimento da indústria naval brasileira. Exatamente por falta de critérios claros de eficiência e produtividade, o segmento vivencia essa fase de pros-peridade porque está imune a uma eventual concorrência de similares estrangeiras. A política de restrições às importações impõe uma sobretaxa de 54% aos importados, o que Carlini qualifica de “artifício nocivo à economia”. “O mais grave é que esses valo-res estratosféricos não estão sendo usados para criar pesquisa e desenvolvimento, ou para gerar conhecimento ou inovação”, destacou o engenheiro naval.

Ainda segundo o especialista, em função das restrições às importações, os preços das embarcações nacionais estão em média 80% acima das produzidas na Coreia do Sul e no Japão, e mais acima ainda daqueles praticados por estaleiros chineses e vietnamitas: "É um ágio demasiadamente alto – e absolutamente injustificável – a ser pago pela retomada do setor".

O mais grave é que, segundo reportagem publicada na revista Veja no fim de maio, os navios sequer estão sendo produzidos no país. Pelo menos, o três primeiros dos 29 navios-sonda encomendados pela Petrobras estariam sendo produzidos em Singapura.

Das 104 sondas e plataformas lançadas ao mar, desde 2003, 85% são estrangeiras. E os números continuam assustadores: o país gastará com as sondas que vêm da Ásia o mes-mo preço que foi cobrado caso fosse produzido em solo brasileiro. Os 400 milhões de reais acima do mercado internacional dizem respeito ao tempo de aprendizado e recur-sos para garantir competitividade. Um quadro que se justificaria no Brasil, jamais em Singapura.

Seguindo a mesma lógica de Carlini, a revista aponta que apenas os países que estabe-leceram metas e prazos para que seus fabricantes absorvessem tecnologia foram bem-sucedidos na política de reserva de mercado de produção nacional de embarcações. Caso da Noruega, hoje a maior potência mundial em tecnologia de ponta em alto-mar.

Embraer, exemplo a ser seguido?

O BNDES atribui à falta de estrutura financeira robusta – uma vez que a crise do setor naval interrompeu os tímidos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) até 1980 – o investimento em atividades de P&D para atender às necessidades dos clientes, o que tornou necessário a aquisição de projetos e os equipamentos de alto conteúdo tecnológico de fornecedores internacionais. Hoje, até mesmo os projetos básicos são importados de matrizes dos acionistas estrangeiros ou de empresas projetistas internacionais.

Para Carlini, o setor aeronáutico é um exemplo a ser seguido, apesar de ser sempre citado como exemplo negativo de política industrial: “Muito pelo contrário, nossa fabricante de aviões sustenta sua produção com a exportação, cria modelos aceitos internacionalmente e tem engenharia de criação, projeto e detalhamento de construção próprios. Produz, como resultado, aviões em série, de reconhecida qualidade, tornando-se das fabricantes mais eficientes do mundo em seu nicho de mercado”.

De fato, só com a venda esperada de 728 unidades do novo avião militar, o KC-390, para 77 países, a Embraer estimava arrecadar um valor superior a US$ 50 bilhões. Na aviação comercial, seus jatos E 190 e E195 são parte da frota da Azul Linhas Aéreas e foram escolhidos por serem mais econômicos no uso de combustível.

O presidente da Transpetro, Sergio Machado, comemora o fato de três novos estaleiros terem sido viabilizados pelo Promef, que exige índice mínimo de nacionalização de 65%, e a geração interna de novas oportunidades de trabalho. Segundo ele, estudo da Fundação Getúlio Vargas aponta que, a cada R$ 1 milhão investido na construção de navios, 82 empregos diretos e indiretos são gerados, além de R$ 1,9 milhão de valor adicionado, R$ 695 mil de salários e R$ 549 mil de tributos.

Mas, Sérgio Machado, em artigo publicado no jornal O Globo, também se mostra preocupado com a sobrevivência do segmento industrial ao afirmar que o processo de aprendizado é inerente a indústrias incipientes e que os próprios coreanos, líderes mundiais na construção naval, precisaram de muitos anos para se afirmar no mercado. Seus dois primeiros navios foram rejeitados por problemas de qualidade. “A vantagem de sermos retardatários é que podemos evitar os erros cometidos pelos outros”, afirma. E adverte: “o estaleiro que ficar na zona de conforto, não se atualizar, não melhorar sua gestão, não vai sobreviver”.

Segundo o presidente da Transpetro, “no mundo dos negócios globais, a língua usada não é o inglês, o francês, ou chinês. É a competência. E esta é a língua da nova indústria naval brasileira”. Sergio Machado conclui acrescentando que o ritmo de entrega de navios comprova que a nova indústria naval brasileira está no rumo certo. No entanto, é preciso que os que se empenharam pelo seu renascimento, assegurem vida longa à indústria naval brasileira.

Matéria publicada nas páginas 6 e 7 do Jornal número 530 do Clube de Engenharia.

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