Os racionamentos de água e energia precisam começar logo. Deveriam, inclusive, ter sido adotados há alguns anos. O alerta é do Instituto Luiz Alberto Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (Coppe-UFRJ), que realizou no dia 2 de fevereiro o seminário “A crise Hídrica e a Geração de Energia Elétrica”, no Campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Ilha do Fundão. Com grande presença de público e mídia, os especialistas apresentaram estudos e informações técnicas sobre a atual situação hídrica e elétrica nacional, a partir do histórico dos setores, traçando prognósticos e diagnósticos importantes para o país.

Participaram da mesa: Luiz Pinguelli Rosa, diretor da Coppe; Roberto D’Araújo, diretor do Instituto de Desenvolvimento do Setor Energético (Ilumina); Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe; Mario Veiga, presidente da PSR, empresa de consultoria em eletricidade e gás natural e Pedro Dias, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica. Maurício Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), único representante do Poder Público convidado para o evento, não pôde comparecer.

Embora a escassez tenha surpreendido a maioria dos brasileiros, segundo o diretor da Coppe, Luiz Pinguelli Rosa, não é novidade para autoridades e especialistas. “Não se trata de fenômeno repentino. A crise estava delineada desde 2008, quando a curva diretriz desse tempo se inclina para baixo, significando que o número de meses que podem ser atendidos exclusivamente com a água acumulada nas hidrelétricas foi caindo até chegar a um mês de consumo ao fim de 2014”, explicou o diretor da Coppe, destacando que a hora da implementação de uma política de economia para armazenamento de água e energia já passou. “A situação hidrológica é severa e com hidrelétricas vazias, o racionamento é urgente, uma vez que as termelétricas só podem atender a 30% da carga”, finalizou.

Roberto D’Araújo, diretor do Ilumina, destacou que eventos piores já ocorreram de acordo com registros históricos. D’Araújo falou também sobre o modelo de mercado e apontou a necessidade de mudanças: “O modelo de formação de preços não é sensível às mudanças estruturais do sistema de reserva. O critério de operação tem que mudar. Precisamos rever os certificados de garantia dados a cada usina. No passado tínhamos reservatórios que eram capazes de guardar água equivalente ao consumo de dois anos. Não temos mais, e a carga só subiu. A maneira de operar os reservatórios tem que ser alterada, e os certificados definidos no passado têm que ser mudados, porque o critério mudou. O problema é que os valores são fixos para cada usina, dependentes de um critério de operação, e ele mudou", explicou, destacando que existem soluções possíveis, embora não saiba se, de acordo com a trajetória do setor nas últimas duas décadas, elas serão de fato analisadas.

Com foco na situação hídrica, Paulo Canedo, coordenador do Laboratório de Hidrologia da Coppe apresentou as ações realizadas pela instituição no sentido de alertar o Poder Público da crise que se aproximava e os desafios e particularidades que formam a conjuntura da crise enfrentada hoje pela região sudeste. “Embora todos os alertas tenham sido dados, nenhuma decisão foi tomada. No início de 2014 já sabíamos que o período úmido daquele ano não seria bom. Não foi por falta de aviso. Primeiro, esperaram a chuva que não veio. Depois, aguardaram as eleições e nada foi feito”, explicou. Segundo ele, o Rio de Janeiro passa hoje por momento parecido. O ano de 2015 deverá fechar em cima do limite e, caso não chova em 2016, teremos sérios problemas. Canedo, infelizmente, é pessimista quanto à conscientização governamental. “Sou pessimista porque vejo que passamos por esses momentos sem aprender nada com eles. As perdas na distribuição continuam altíssimas, cerca de 33% no Rio de Janeiro, podendo chegar a 50%, sem nenhum movimento que vise evitar o desperdício”, lamentou. Canedo ressaltou que é hora dos governos federal, estadual e municipal tomarem as rédeas e estabelecerem as diretrizes que devem ser seguidas pela população em um esforço coordenado para que a escassez não se torne um problema ainda maior nos próximos anos. 

Alcides Lyra, chefe da Divisão Técnica de Energia (DEN) do Clube de Engenharia, presente ao seminário, afirmou que “a crise é muito séria e o governo não pode postergar mais: tem que assumir. Em caso de não ocorrência de chuvas significativas até o inicio de abril na bacia do Rio Paraíba do Sul, poderemos ter um racionamento muito mais severo do que se tomarmos medidas já”, destacou. O chefe da DEN propôs, ainda, uma revisão nos reservatórios. Tenho dúvidas sobre a capacidade dos reservatórios. Uma vez que atingiram níveis tão baixos, acho que seria interessante uma revisão. Talvez esses reservatórios não tenham a capacidade que acreditamos que têm, ou por erro de projeto, ou por assoreamento", explicou.

Luiz Alfredo Salomão, membro do Conselho Editorial do Clube de Engenharia, destacou a imobilidade do Poder Público frente a alertas antigos. “O Código de Águas de 1934 já falava da importância da preservação da vegetação nas margens dos rios, mas nada se fez nesse sentido. Uma segunda questão a ser destacada é que a gestão dos recursos hídricos sempre foi liderada pelo setor elétrico e, ao que parece, houve barbeiragem na operação do sistema elétrico de geração, com sobrecarga nas hidrelétricas e certa reserva na utilização das termelétricas, que felizmente temos. Incrível como nem a Empresa de Pesquisa Elétrica (EPE),nem o Operador Nacional do Sistema (ONS) assumem essa questão e isso se deve ao tipo de modelo tarifário e de operação do sistema elétrico brasileiro, que leva a "superoperar" as hidrelétricas e não utilizar as térmicas”, finalizou.

Do Clube de Engenharia estiveram ainda no evento da Coppe, Sebastião Soares, do Conselho Editorial e Fernando Peregrino, do Conselho Diretor..

 

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