A desigualdade extrema e a “Razão de Palma”

Por André Roncaglia de Carvalho

Terminou em 12/01/2018 o VII Laporde, um seminário organizado pelo Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo da FGV-SP, em que destacados acadêmicos dissidentes da corrente central da economia apresentam mini-cursos com suas pesquisas mais recentes. Dentre eles, o Prof. José Gabriel Palma, da Universidade de Cambridge e da Universidade Católica do Chile, fez sua apresentação sobre o drama latino-americano que combina baixo crescimento com obscena desigualdade de renda e de riqueza (versão do texto aqui).

A obra de Palma é extensa e lança mão da abordagem mais antiga da Economia Política Clássica de Smith e Marx para analisar os processos de desenvolvimento de longo prazo das economias. Em sua análise, política, instituições e economia se entrelaçam para selar o futuro das nações. Por isso, este post apresenta brevemente uma de suas ideias a respeito de um padrão de distribuição de renda que parece ter alguma generalidade entre as nações, a saber: como os mais ricos espremem a renda dos mais pobres!

Palma Ratio (Razão de Palma)

Para entender seu argumento, façamos a seguinte classificação. Divida a população de uma país em 10 categorias e ordene-as partindo-se das rendas menores (d1) até as rendas maiores (d10).

Se tirarmos os 10% mais ricos (d10) e os 40% mais pobres (d1-d4) da população, sobrarão apenas os 50% da “classe média” (d5-d9). Palma alega, com base em dados de diversos países, que a renda detida pela metade da população de qualquer país (D5-D9) é estável ao longo do tempo.

Palma chama este estrato da sociedade de “setores administrativos”, isto é, a parcela da população associada ao auxílio à produção efetiva, a qual é diretamente constituída pelos proprietários das empresas (d10) na fatia mais rica e pelos trabalhadores mais pobres (d1-d4) que preenchem as vagas de emprego.
Para o autor, a desigualdade que realmente importa é a relação entre as fatias da renda detidas por estas duas classes; daí a Razão de Palma: renda dos 10% mais ricos (d10) / renda dos 40% mais pobres (d1-d4).

Razão de Palma: renda d10 / renda d1-d4

A figura abaixo mostra o indicador de Palma para a mesma gama de países, com base nos dados de 2012.

Note que a região do Sul da África pula fora da escala do gráfico (bolas brancas no canto superior direito). O indicador revela que na África do Sul, por exemplo, os 10% mais ricos abocanham 8,5 vezes a renda percebida pelos 40% mais pobres da população. É possível perceber também como a América Latina (bolas escuras) tem indicadores elevados para a concentração da renda.

Setor D10+: os super ricos

Palma vai além e oferece uma ilustração de sua abordagem, criando uma categoria especial de ricos: os super ricos que concentram a renda dentro do grupo dos ricos (d10+).

Comparando-se Alemanha e Uruguai entre si na figura abaixo, repare que o “meio” (d5-d9) e o topo (d10) da distribuição detêm, respectivamente, 54% e 23% da renda nacional nos dois países. No entanto, a fatia mais pobre (d1-d4) detém na Alemanha 23% da renda e apenas 15% no Uruguai. Esta fatia de 8% da renda uruguaia foi apropriada pelos 10% mais ricos do país (d10), de forma que, no Uruguai: d10 = d10* + d10+. Palma chama este processo de “apertar os pobres” (squeezing the poor).

Segundo o autor, a desigualdade brutal nos países desenvolvidos torna-se obscena no países subdesenvolvidos, pois nestes últimos, a elite super rica consegue espremer uma fatia adicional da renda dos mais pobres.

A Desigualdade Extrema: Brasil e Chile

Ao analisar a situação de Brasil e Chile, Palma encontra dois dados ainda mais aterradores:

  1. o valor de detido pelos super ricos (d10+) é ainda maior (12% e 14%, respectivamente) do que no Uruguai; e

  2. a metade da população que se encontra no “meio” da distribuição (d5-d9) não consegue atingir 50% da renda nacional.

Haveria, portanto, uma classe de mega-ricos (d10++) nestes países que consegue espremer, além dos mais pobres, a parte do “meio” da distribuição. Note como a renda do “meio” no Brasil (47%) e no Chile (45,5%) cede, respectivamente, 3% e 4,5% da renda nacional a esta classe de mega-ricos.

Ricos, Super Ricos e Mega Ricos: comparação internacional

Ao comparar os valores de d10 entre as nações, pode-se constatar que como a pobreza oferece um ambiente amigável para a reprodução da desigualdade, bloqueando também o poder econômico das classes médias (d5-d9) em implementar um projeto de desenvolvimento que alivie não apenas a pobreza mas também a assombrosa desigualdade.

Já analisamos em outras ocasiões os efeitos políticos e econômicos desta situação de tenebrosa desigualdade. Esta apropriação da renda da classe média (d10++) que vimos acima é uma das principais forças da insatisfação política deste segmento social com o regime político atual (ver mais aqui).

Palma salienta as causas políticas desta estrutura de desigualdade na América Latina:

Na América Latina, as classes médias procuram defender sua parcela de renda com diferentes formas de alianças com a elite (algumas mais exitosas do que outras). Isto é diferente da Índia, por exemplo, onde as classes administrativas defendem sua posição principalmente através de alianças com os pobres (o que lhes confere o poder político de mediar nos diferentes conflitos entre a elite capitalista e o estado).

Esta aliança histórica entre classe média e elite dá suporte à obscena desigualdade tributária (ler mais sobre isso aqui) no Brasil. Pode ser ela também a direcionar o sentimento de revolta das classes médias ao conceito vago de “corrupção” como causa do nosso atraso. Pode explicar também por que a reação animosa com a corrupção do PT não se replica com os flagrantes casos de corrupção ligados à antiga oligarquia política que hoje está no poder (dentro do tal grande acordo nacional, com STF e tudo).

No plano econômico, a reforma trabalhista e o teto dos gastos públicos aparecem como esta forma de “espremer” ainda mais os pobres, ainda que com a desculpa, tecnicamente embasada, do equilíbrio macroeconômico e dos ganhos de eficiência.

Não é à toa que a busca de soluções simples, vagas e definitivas afloram como reais plataformas políticas para as forças de direita mais radicais.

* André Roncaglia de Carvalho é professor de Economia da Escola Paulista de Economia, Política e Negócios da UNIFESP e Doutor em Economia do Desenvolvimento pelo IPE-USP, bacharel e mestre em Economia pela PUC-SP.

Fonte: O Barômetro

 


 


 




 


 

 

 

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