23/12/2013| Correio Braziliense

Por Francis Bogossian

O acesso da população de renda mais baixa a linhas de crédito e à redução de impostos permitiu que, em 10 anos, o Brasil dobrasse a frota de veículos, com crescimento impressionante nas regiões mais pobres do país, o Norte e o Nordeste. O ganho foi para uma indústria bastante sofisticada e robotizada; os municípios, que viram seus centros urbanos completamente congestionados, receberam a conta.

Isso é uma revolução e mostra que, quando o governo quer, pode operar grandes transformações. Incentivos fiscais são destinados à cultura, ao esporte, à indústria, à exportação e até para a gasolina. Contudo, não há incentivos fiscais para promover a base do crescimento sustentado de qualquer economia: a educação.

A falta de mão de obra qualificada é o maior empecilho para o aumento da qualidade e da produtividade da construção no país. É o que diz pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) com 424 empresas do setor, segundo 74% das consultadas. Essa deficiência de qualificação, de acordo com 94% dos ouvidos, se dá na falta de trabalhadores básicos, como serventes e pedreiros.

A falta de qualificação profissional não atinge apenas a construção. A deficiência de trabalhadores de nível básico é sentida em todos os setores. Faxineiras, vendedores de loja, garçons, pedreiros, pintores, jardineiros, mecânicos, lanterneiros, recepcionistas, atendentes, até eletricistas, todos improvisam, aprendendo uns com os outros, sem acesso a uma formação técnica.

Os recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) para qualificação profissional e os cursos profissionalizantes do Senai e do Senac certamente têm contribuído para reduzir esse deficit, mas não deram conta, nem dão, de fazer uma “revolução”.

O Relatório de Competitividade Global para 2013-2014, do Word Economic Forum, que avalia 148 países, registra o Brasil oito posições abaixo em relação ao período anterior, estando, na América Latina, em 56º lugar, atrás do México (55º), da Costa Rica (54º), do Panamá (40º) e do Chile (34º). Um dado alentador da pesquisa é o que apresenta nosso país em 38º lugar em capacidade de reter profissionais qualificados e em 53º entre os que têm maior capacidade de atraí-los.

Porém, o que realmente assusta é a baixa qualidade de ensino. Entre as 148 economias avaliadas, o Brasil ocupa o 129º lugar em qualidade da educação básica e o 136º lugar em qualidade do ensino de matemática e ciências. A capacidade de inovação dos brasileiros nos coloca em 36º lugar no ranking, mas, quanto à disponibilidade de cientistas e engenheiros, o país está em 121º. Aliás, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou pesquisa, em novembro, apontando escassez de engenheiros no país.

Por que as empresas não podem receber incentivos fiscais para investir em educação e qualificação de mão de obra? Fabricantes de materiais e equipamentos para a construção poderiam ser incentivados a criar cursos de qualificação profissional para orientar os trabalhadores sobre a maneira adequada de utilizar seus produtos e máquinas, bem como a indústria alimentícia, a de material de limpeza, a de adubos e fertilizantes, a têxtil etc. Incentivar as empresas a ampliarem parcerias com redes de ensino para dobrar, triplicar a oferta de cursos é urgente.

Isso não tem como objetivo eximir o governo de obrigações. O ensino básico é garantido pela Constituição a todos os brasileiros, mas não basta construir escolas e receber as crianças. É preciso que elas realmente aprendam. Melhorar a qualidade do ensino é o grande desafio, porque depende da formação dos professores.

Ante a dificuldade de se resolver o problema, a solução mais fácil foi criar cotas para o ingresso de estudantes de escola pública nas universidades. Uma atitude imediatista, na tentativa emergencial de reduzir as desigualdades no país, e que só podemos aplaudir. Mas não é o suficiente.

E qual a transformação que vemos ser feita no ensino fundamental para que um dia não haja necessidade de cotas? Reduzir a grade de ensino, concentrando esforços nas disciplinas básicas — português, matemática e ciências — seria um grande passo. Estabelecer um currículo nacional, para ser utilizado em todas as escolas municipais, contribuiria para a redução das desigualdades e facilitaria a qualificação dos professores.

O Brasil tem que fazer por merecer a confiança desses nossos profissionais, que apostam no país e aqui se fixam, e naqueles de fora, que acreditam que aqui é, efetivamente, o eldorado acolhedor multicultural, o Brasil “híbrido cultural”, como cunhou Gilberto Freyre, acolhedor, propagador, multiplicador e, por isso, grande.

O país do futuro, como a antiga geração ouvia falar, e o país do presente, como, nos dias atuais, orgulhosamente, passamos a escutar com assiduidade. Mas não há país “do presente” sem um olhar mais atento e cuidadoso para a educação.

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