Entrevista: Roberto D’Araújo fala sobre setor elétrico

As causas do apagão e soluções para o sistema elétrico nacional

Do Blog dos Desenvolvimentistas 

Recentemente nosso país passou por um apagão de grandes proporções, atingindo 6 milhões de pessoas em 11 estados nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, além do estado do Tocantins. A falha no Sistema Elétrico nacional durou cerca de uma hora e trinta minutos segundo nota à imprensa do Operador Nacional do Sistema Elétrico.

Diante disto o debate sobre racionamento reacendeu em toda a imprensa brasileira. Entramos em contato com o engenheiro e diretor do Instituto Ilumina de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético Roberto D’Araújo que comentou as causas da crise, considerou que as explicações oficiais não condizem com a realidade e sugeriu uma “revisão profunda do modelo mercantil e institucional”.

Segue a entrevista.

Quais são as causas da ameaça de crise de abastecimento do Sistema Elétrico de nosso país? Elas condizem com as explicações oficiais?

Na minha opinião são 4 as causas:

1 – Um modelo mercantil que mimetiza um mercado competitivo genuíno de energia num sistema físico cuja característica é a cooperação entre usinas e linhas de transmissão. Essa adaptação criou um mercado livre virtual onde os preços não são negociados entre os agentes, criando distorção de preços, de irrisórios até impagáveis. Não há termos de comparação do que ocorre no Brasil com qualquer outro mercado de energia.

2 – O sistema está completamente fragmentado. ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica, ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), EPE (Empresa de Pesquisa Energética), CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) mostram o excesso de órgãos e a consequente fragmentação de responsabilidades. Além disso, o sistema físico também se encontra no mesmo estado. A separação de geração e transmissão gerou situações ridículas de usinas que não conseguem transmitir sua energia e incompatibilidade técnica entre linhas e usinas. O sistema de transmissão, que deveria ter um monitoramento único onde a compatibilidade de equipamentos é essencial está espalhado sob diversas propriedades. Exemplo: A subestação de Colinas recebe 6 linhas de donos diferentes. Há 6 equipes de operação atuando na mesma subestação.

3 – Problemas de diferenças metodológicas entre planejamento e operação geram incerteza sobre os certificados de energia assegurada, invenção brasileira para mimetizar sistemas de base térmica. Hoje esses certificados estão exagerados.

4 – A obsessão por reduzir tarifas sem um prévio diagnóstico gerou a MP 579 que fixou valores irrisórios para operação e manutenção das linhas e usinas antigas quando elas precisariam de recursos para se modernizar. O setor passou a ser dependente de muita burocracia e de aportes do tesouro.

Claro que não condizem com as explicações das autoridades.

A nota à imprensa no site do Operador Nacional do Sistema Elétrico sobre o grande apagão de ontem diz que “ocorreu um curto-circuito bifásico-terra envolvendo as fases A e B da linha de transmissão 500 kV Miracema – Colinas C2″ e que isto comandou o desligamento do circuito remanescente. Poderia explicar numa linguagem menos técnica?

Um curto circuito pode ocorrer por sobrecarga. Como explicado na pergunta anterior, a subestação Colinas é responsável pela alimentação do Nordeste e do Sudeste quando Tucuruí pode gerar muita energia. Geralmente o sudeste não precisa de ajuda, mas, em função de termos deixado os reservatórios do SE esvaziarem e da atual seca, a subestação pode estar sobrecarregada. Entretanto, o corte de carga programado é melhor do que tentar vencer a sobrecarga.

O Brasil corre riscos de ter de se submeter a um racionamento este ano?

Risco sempre há. Risco zero não existe. Se não ocorrer o racionamento isso não quer dizer que não houve risco. Se alguém atravessar a avenida Presidente Vargas de olhos vendados e conseguir chegar vivo do outro lado, isso não quer dizer que o risco foi nulo.

Que soluções de gestão são necessárias para otimizar e tornar o Sistema Elétrico brasileiro mais seguro?

Uma revisão profunda do modelo mercantil e institucional. A conjugação de órgãos em apenas um para evitar que se veja apenas de um pedaço do problema sem que haja capacidade do MME (Ministério de Minas e Energia) para coordenar efetivamente os conflitos. Usinas hidroelétricas não são meras fábricas de kWh, como são as térmicas ou eólicas. Apesar disso, com tantos ministérios, esses projetos continuam sob a visão limitada do MME. Por isso aumentam as resistências às usinas.

 

Originalmente publicado no Blog dos Desenvolvimentistas

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