Estado, o indutor, e a indústria o motor do desenvolvimento

O terceiro painel organizado pelo Clube de Engenharia e pelo Comitê Fluminense do Projeto Brasil Nação, da série "Por Democracia, Soberania, Desenvolvimento e Inclusão Social", realizado em 29 de maio, na sede do Clube, propiciou importantes reflexões sobre o papel do Estado e das políticas públicas para um desenvolvimento socialmente inclusivo do Brasil. O debate teve como convidados Guilherme Estrella, geólogo e conselheiro do Clube de Engenharia, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras (2003/2012) e coordenador da equipe que descobriu as reservas do Pré-Sal; Esther Dweck, doutora em Economia da Indústria e Tecnologia e professora do Instituto de Economia (UFRJ); e Thiago Mitidieri, economista pós-graduado em Finanças pela COPPEAD/UFRJ e presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES).

Sebastião Soares, 1º vice-presidente do Clube de Engenharia, e Heloísa Gesteira, representante do Comitê Fluminense do Projeto Brasil Nação, realizaram a abertura do evento lembrando a grande união de forças em torno do Manifesto do Projeto Brasil Nação, lançado em 2017 com milhares de assinaturas, que estimulou a realização da série de encontros. “Em 2018 fazemos 30 anos da Constituição Federal, mas não temos motivos para comemorar. O que temos visto é uma destruição e total desrespeito à Constituição Cidadã”, disse Heloísa Gesteira. Sebastião Soares vê no atual momento uma extrema incerteza, o que fragiliza cada vez mais a conjuntura política e econômica nacional.

Dando início às apresentações, o moderador Raymundo de Oliveira, ex-presidente do Clube de Engenharia, defendeu a necessidade urgente da criação de espaços para o país discutir o desenvolvimento nacional e propôs que se tentasse estabelecer a relação direta entre planejar o desenvolvimento com o trabalho dos profissionais da engenharia. "O engenheiro é o profissional do projeto. E o Brasil caminha sem projeto. Na China, tudo é planejado para 20 anos. Pode mudar, mas tem planejamento. Aqui não temos planejamento para 20 dias", criticou.

Desenvolver com indústria

"Sem soberania não se é livre para fazer escolhas segundo os interesses nacionais, nem enfrentar os interesses contrários ao desenvolvimento do país. Democracia pressupõe que as escolhas políticas passem pelo crivo da população e que as contradições e conflitos entre diferentes interesses sejam resolvidos por meio de debates, discussões, tendo em vista o bem comum. E o processo de desenvolvimento deve sim levar à inclusão social, porque um projeto que beneficie a poucos não faz sentido numa democracia", refletiu Thiago Mitidieri, presidente desde 2016 da Associação dos Funcionários do BNDES. Considerando que o banco público é a maior agência de fomento de desenvolvimento do mundo, Mitidieri lembra que é no momento em que o atual governo impulsiona o desmonte desse papel dos bancos públicos que a sociedade deve mais se posicionar e discutir a relação entre os bancos públicos e a democracia, a soberania, o desenvolvimento e a inclusão social. Para o economista, o momento é de retrocesso, com políticas e medidas estatais que vão no sentido contrário do desenvolvimento e que só tendem a agravar a crise econômica que, historicamente, leva à crise política e social que o Brasil também vive.

Thiago Mitidieri, economista pós-graduado em Finanças pela COPPEAD/UFRJ e presidente da Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES). Foto: Fernando Alvim.

Dentre as medidas de ajuste fiscal, em especial a Emenda Constitucional nº 95 — que congela o crescimento dos gastos públicos por 20 anos — segundo o presidente da AFBNDES, é comprovadamente fracassada. "Há evidência de que países que adotam essa medida se tornam mais pobres", afirmou. Parte da "receita" neoliberal, o ajuste fiscal radical levou ao recrudescimento das economias em desenvolvimento nas últimas décadas. "O que a gente observa é desindustrialização, reprimarização da economia, redução dos salários, subemprego, precarização do trabalho — que os economistas liberais vão chamar de empreendedorismo — aumento da desigualdade social e encarecimento dos serviços públicos que foram privatizados", resumiu Mitidieri.

Uma questão-chave para o economista é trazer ao debate os mecanismos reais que os países hoje desenvolvidos utilizaram para se desenvolver. Entre eles, a ideia de que o Estado é o principal agente indutor do desenvolvimento e que a indústria é o principal motor desse processo. "Vamos seguir o que as nações ricas nos dizem para fazer, seguindo o Consenso de Washington, ou vamos fazer o que as nações ricas fizeram e continuam a fazer para se manter nessa posição?", indagou.

Entre os caminhos possíveis para retomar o desenvolvimento com inclusão social está a diversificação da economia, deixando de focar no setor primário, mais ou menos como foi feito entre a década de 1930 e 1980, quando o Brasil experimentou grande industrialização capitaneada por governos nacionalistas. "É preciso apoio à indústria como um sistema de produção complexo e de serviços sofisticados, além de apoio a um sistema nacional de inovação que dê fôlego para essa indústria inovar e se desenvolver", sugeriu Mitidieri.

Desenvolver com inclusão

Um Projeto de Nação que foque no desenvolvimento nacional com inclusão social não pode deixar de considerar tanto as limitações externas do Brasil, dadas pelo contexto internacional, quanto as capacidades internas que podem e precisam ser desenvolvidas, defende a professora Esther Dweck. A conjuntura internacional, segundo a doutora em Economia da Indústria e Tecnologia pela UFRJ, tem apresentado três questões centrais para o país: um contexto de disputa da hegemonia dos EUA, principalmente pela China; um neoliberalismo exacerbado imposto aos países e que se reflete no atual governo antinacional brasileiro; e uma revolução tecnológica capitaneada pelo aumento da automação do trabalho — a chamada Indústria 4.0 —, com consequências importantes não só do ponto de vista das tecnologias, mas principalmente social.

Esther Dweck, doutora em Economia da Indústria e Tecnologia e professora do Instituto de Economia (UFRJ). Foto: Fernando Alvim.

Ao lidar com a nova divisão internacional do trabalho, mais fragmentada e vulnerável, o Brasil precisa decidir como quer competir. "Queremos voltar atrás e competir com países da periferia asiática que competem com salários baixos, ou vamos pensar em uma nova estrutura industrial que não vai passar por uma completa reindustrialização, nem tentar trazer todas as indústrias de volta, mas estrategicamente combinar as duas coisas? Não acho que se deve tentar competir com Vietnã e outros países que estão entrando com salários baixos. Temos de competir numa nova fronteira tecnológica, capaz de integrar um projeto de estrutura produtiva com desenvolvimento industrial", afirmou Dweck.

"É preciso pensar um projeto com estrutura produtiva com igualdade. Não se pode abrir mão no Brasil disso. Foi o país que mais se desenvolveu entre as décadas de 1930 e 1980, mas a parte da igualdade ficou muito à margem", criticou Dweck, que citou uma proposta da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da Organização das Nações Unidas (Cepal), que sugere uma mudança estrutural nas economias da região focando na redução das desigualdades sociais. "E a redução da desigualdade deve se dar em diferentes níveis, não só de renda, mas também de acesso aos serviços, ao patrimônio, e considerando aspectos regionais", explicou a economista.

Enfrentar mazelas históricas do desenvolvimento nacional, como a concentração de renda e a carência na oferta pública de bens e serviços sociais, passa pela combinação de diferentes estratégias, entre elas as políticas de conteúdo local — que também têm sido desmontadas pelo atual governo, em especial no setor de petróleo e gás — e a defesa do Estado empreendedor, capaz de articular demandas sociais, políticas públicas e estrutura pública. Além disso, Esther Dweck defendeu mudanças nas políticas fiscal, monetária/creditícia e cambial, alterando o grau de abertura da economia brasileira como forma de proteger o mercado interno.

Desenvolver com soberania

O geólogo Guilherme Estrella iniciou sua exposição refletindo sobre as potencialidades do Brasil. "Este não é um país comum. Devemos ser o único no mundo que, com todas essas riquezas, continua a enfrentar tantas dificuldades", disse ele. Líder da equipe da Petrobras que descobriu os campos do Pré-Sal, Estrella fez uma contundente defesa das empresas nacionais, estatais e privadas, que estão alinhadas com a industrialização e o desenvolvimento do mercado interno. "O problema de distribuição de renda no Brasil é absolutamente crítico. Devemos ter um mercado interno e darmos escala a um programa de industrialização. É importante uma integração com outros países, mas com um mercado interno a gente suporta condições de tomada de decisão mesmo que contrariando interesses internacionais", afirmou. "O governo precisa ter um instrumental legal para não deixar que empresas brasileiras sejam compradas por empresas estrangeiras. A França, os EUA e a Espanha fazem isso. Não pode uma empresa instalada no Brasil que trabalha e se beneficia do mercado brasileiro ser comprada por uma estrangeira", criticou o conselheiro do Clube de Engenharia.

Guilherme Estrella, geólogo e conselheiro do Clube de Engenharia, ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras (2003/2012) e coordenador da equipe que descobriu as reservas do Pré-Sal. Foto: Fernando Alvim.

A inserção internacional da economia brasileira não pode custar, afirmou Estrella, a abertura completa do mercado, inclusive porque hoje o comércio internacional pode ser encarado muito menos como troca comercial do que como troca de interesses e estratégias geopolíticas. No meio desse processo estão trabalhadores que sofrem as oscilações do mundo do trabalho resultantes de ações políticas que não priorizam o bem-estar da população. "Temos dezenas de milhões de trabalhadores brasileiros que não estão preparados para a nova realidade de automação do trabalho", lembrou Estrella. "É preciso preservar os direitos dessas pessoas."

Guilherme Estrella conclamou os presentes para uma frente democrática que busque a ruptura com as práticas antinacionalistas perpetradas pelo atual governo federal. Um novo governo eleito, disse ele, deve se comprometer com a revogação das políticas recentes a partir de consultas populares que referendem uma guinada no desenvolvimento em prol da inclusão social.

Clique aqui para assistir ao painel na íntegra no canal do Clube de Engenharia no Youtube.

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