Por José Roberto Castilho Piqueira

No táxi, no ônibus, nos cafés, nas rodinhas de amigos a conversa é recorrente e a corrupção dos políticos é o tema candente. Apesar do exagero na distinção de cores, fomentado por quem aprecia o sensacionalismo ou deseja retomar cargos, não parece que a classe política brasileira seja mesmo algum paradigma de honestidade. 
A profissão que escolhi, de engenheiro, sempre foi meu orgulho. A engenharia faz pontes, portos, aeroportos, computadores, usinas hidrelétricas, automóveis, instrumentos cirúrgicos, respiradores artificiais e tantas outras maravilhas destinadas ao bem estar dos seres que habitam nosso planeta.

Tentando olhar a corrupção e a engenharia além do óbvio, para não sair por aí protestando contra roubalheiras trajando a camisa da CBF, gostaria de fazer uma pequ ena refl exão com base em dois escândalos que envergonham a sociedade em geral e os engenheiros, em particular: o "petrolão" e o "tremsalão".

A Petrobrás, ao longo de sua existência, recrutou em duríssimos concursos o que as nossas escolas de engenharia forneceram de melhor para o mercado. Esses jovens recrutados receberam forte treinamento na empresa e em programas de mestrado e doutorado, do país e do exterior. Seu trabalho levou a Petrobrás à condição de líder mundial na tecnologia de exploração de petróleo em águas profundas.

Entretanto, não ouvimos sobre eles. Ouvimos sim que alguns colegas engenheiros desonraram a classe corrompendo e sendo corrompidos em projetos e execução de obras tão importantes e valiosas para a população. Corromper e ser corrompido são ações antiéticas equivalentes, uma vez que ambas prejudicam a sociedade como um todo.

Sobre o "tremsalão" vale o mesmo raciocínio. O Metrô de São Paulo nasceu do trabalho de engenheiros e líderes que trabalharam até o limite do domínio da técnica de construção, manutenção e operação. Pensando nos colegas que trabalharam ou trabalham no Metrô de São Paulo me lembro de muitos, todos profissionais honestos e conhecedores de seu campo de atuação.

Mas a notícia, hoje um pouco esquecida, veio da Suíça e da Alemanha. Os órgãos de fiscalização desses países localizaram propinas, gorjetas e favores trocados por grandes empresas multinacionais com engenheiros brasileiros. Parece que um deles mantinha, até, conta na Suíça em nome de outros parentes, infelizmente também engenheiros.

Mais uma vez a ética, aquela que zela pelo benefício de todos, ficou esquecida.

São apenas dois episódios, muito divulgados, mas poderíamos citar muitos outros. O que há de comum entre eles é a participação de engenheiros em episódios de desvio de dinheiro público, para enriquecimento ilícito, envergonhando uma profissão que deveria ser voltada para o conforto e bem estar da humanidade.

Talvez isso tenha alguma relação com a velha cultura de que um engenheiro que se preocupa com ética e valores humanos está se perdendo em detalhes. O que vale é a obra concluída e, mais do que isso, o dinheiro no bolso. Ler algo sobre ética ou frequentar alguma aula que provoque reflexões filosóficas, nem pensar.

Nas gerações mais antigas de estudantes de engenharia, os valores humanos e éticos eram os aprendidos em casa, complementados pelos ensinamentos de professores notáveis que, mais do que expl icar conteúdos técnicos, davam exemplos de retidão de caráter. Por isso, a maioria trabalha honestamente e constrói o país como pode.

Quando vejo nos jornais notícias de mortes por álcool e drogas, homofobia e todo tipo de assédio em festas de jovens estudantes de engenharia penso que, talvez, já tenha passado da hora das direções e dos professores se preocuparem com isso. O conteúdo humanístico assimilado parece que piorou e o respeito ao outro e ao espaço público também.

O currículo de engenharia é muito vasto para ser cumprido de maneira completa em apenas cinco anos. Por isso, as soluções adotadas, em geral, são de compactar conteúdos imensos em intervalos de tempo curtos, com aulas corridas e intensos períodos de provas e trabalhos.

O resultado já sabemos. Os estudantes honestos sofrem e com grande desgaste físico e emocional conseguem chegar ao fim.

Há, também, aqueles que desenvolvem a arte de burlar normas, provas e trabalhos, fazendo da violação da ética seu dia-a-dia. É lamentável, mas alguns desses também são diplomados

Não tenho solução para o problema, mas uma sugestão que pode ajudar: diminuir os conteúdos, ensinando bem o que é básico. Aqueles que podem e querem ir além terão oportunidades nas disciplinas optativas.

Para completar, o mais importante: trabalho obrigatório em problemas reais e em comunidades carentes. Aprender fazendo e conhecer a realidade diversificada dos diversos estratos sociais de nossa população, talvez desenvolva a capacidade de entender o outro.

Para os que trabalham do lado público, perceber quantas vidas podem melhorar se os recursos não forem desperdiçados. Para os que estão do lado privado, perceber como a diminuição da ganância e o não oferecimento de propinas podem ajudar a todos.
 
José Roberto Castilho Piqueira - Pesquisador 1A do CNPq  e Membro titular da Academia Nacional de Engenharia

 

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