Programa Nacional de Banda Larga fracassou em suas metas iniciais

A Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que marca a realização de eventos em todo o país em torno da pauta, também se fez presente no Clube de Engenharia. Em 17 de outubro o painel “Os desafios da universalização da banda larga” discutiu o papel das políticas públicas e da sociedade civil na busca pelo acesso igualitário à Internet em todo o país.

Apresentando um panorama do mercado de telecomunicações, o conselheiro Marcio Patusco, Diretor Técnico do Clube de Engenharia, trouxe dados preocupantes sobre a expansão da banda larga no Brasil, hoje presente na vida de 54% da população, segundo dados da Pesquisa TIC Domicílios 2016, do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br). “Vinte anos após a privatização das telecomunicações, a competição só se efetivou em 3% dos municípios brasileiros”, afirmou ele. Patusco lembrou que o Programa Nacional de Banda Larga (PNBL), instituído em 2010 com o objetivo de massificar as conexões no país, foi encerrado em 2014 tendo fracassado em suas metas iniciais. Desigualdades regionais se mantêm, já que na região Sudeste 64% dos domicílios têm conexão à rede, contra 40% no Nordeste, também segundo dados do CGI.br. No cenário atual, cerca de 60 mil escolas rurais não têm Internet, e 2.300 municípios continuam sem infraestrutura adequada. Além disso, a participação da indústria nacional no setor também diminuiu drasticamente, de 41,5% em 1998 (ano da privatização das telecomunicações) para menos de 3% atualmente.

“Comparativamente ao mercado internacional, o Brasil estava, em 2016, em 63º lugar em provimento de serviços de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), uma posição bastante desconfortável para quem é a 8ª ou 9ª economia do mundo”, disse Patusco, citando o índice feito anualmente pela União Internacional de Telecomunicações (ITU, na sigla em inglês), agência ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). Os dados do setor, segundo ele, apontam a necessidade de mudanças regulatórias para que se viabilizem políticas públicas eficientes de universalização da banda larga, uma vez que o setor privado sozinho não foi capaz de alcançar essa meta.

Banda larga e universalização de acesso
O engenheiro citou a campanha “Banda Larga é Um Direito Seu!”, criada em 2012 por entidades da sociedade civil, inclusive o Clube de Engenharia, com propostas de mudanças na Lei Geral de Telecomunicações (LGT, lei nº 9472/1997), criada para viabilizar a privatização do setor. As entidades propunham que a banda larga fosse regulada em camadas, de forma que a infraestrutura física da rede (que permite o tráfego de dados), fosse ofertada em regime misto público e privado, enquanto a camada de serviço (fornecimento da conexão ao usuário) e aplicações fosse ofertada em regime privado. Segundo Marcio Patusco, esse tipo de regulação, presente em países como Suécia, Japão, Austrália, Chile e Inglaterra, estabeleceria melhores condições para a competição, evitando a concentração do mercado ao facilitar a entrada de novas empresas, além de permitir políticas públicas para levar infraestrutura de banda larga a todo o país.

Os regimes público e privado criados pela LGT separam os serviços que estão sujeitos a metas de universalização e tarifação módica, entre outras obrigações legais, daqueles regulados apenas pelo mercado, explicou Marcello Miranda, do Instituto Telecom. Até hoje somente a telefonia fixa é ofertada em regime público, embora a essencialidade da banda larga na sociedade dê subsídios para se pleitear mudanças, como as que a campanha “Banda Larga é um Direito Seu!” propôs. Para Marcello, o Marco Civil da Internet (MCI, lei nº 12.965), aprovado em 2014, também contribui fortemente para isso. “No Art. 65, a LGT diz que ‘não serão deixados à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização’. Já o Marco Civil da Internet (MCI), de 2014, em seu Artigo 7º diz que ‘o acesso à Internet é essencial ao exercício da cidadania’”, o que evidencia a relação clara estabelecida entre banda larga e universalização de acesso.

Apesar das evidências que pedem o contrário, Marcello Miranda apontou que os movimentos atuais têm sido feitos no sentido de afastar ainda mais a possibilidade de políticas públicas efetivas. Segundo ele, a resposta do mercado aos desafios da universalização foi, principalmente, o PLC 79, de 2016, com tramitação avançada no Congresso Nacional. O projeto acaba com as concessões nas telecomunicações, colocando todos os serviços, inclusive a telefonia fixa, em regime privado, além de entregar bens reversíveis, avaliados em cerca de 100 milhões de reais, às atuais concessionárias da telefonia fixa. Em um mercado historicamente concentrado, as empresas Vivo, Claro e Oi, que hoje são concessionárias de telefonia fixa, são as mesmas que fornecem mais de 80% das conexões de banda larga no país. “Nos contratos de concessão atuais, essas operadoras são obrigadas a levar, até 2025, banda larga de forma gratuita às escolas, com ampliação periódica da velocidade. Com o PLC, a obrigação também acaba”, alertou Marcello.

Políticas anteriores atropeladas
Outro movimento preocupante é a gestão do Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações Estratégicas (SGDC), lançado em maio deste ano com investimentos públicos. Idealizado para levar conexão em banda larga a regiões com infraestrutura terrestre precária ou inexistente, além de atender escolas rurais, postos de saúde e outros estabelecimentos públicos, e servir como instrumento estratégico das Forças Armadas, o SGDC hoje é alvo de uma tentativa de privatizar a maior parte do seu uso, conforme o portal do Clube de Engenharia alertou em outras ocasiões. “A capacidade do satélite destinada à Telebras é insuficiente para cumprir os objetivos de política pública originalmente colocados”, criticou Marcello. “Esses movimentos inviabilizam qualquer política de universalização dos serviços de telecomunicações, em particular da banda larga. Está ocorrendo um atropelamento das políticas anteriores”, observou ele.

Vale registrar, conforme lembrou Bruno Marinoni, do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social, que a defesa da sociedade civil pela universalização da banda larga faz parte de um processo histórico de luta pela democratização dos meios de comunicação. O Marco Civil da Internet, que mobilizou entidades e setores de todo o país por sua aprovação, foi uma importante iniciativa não apenas por expor em lei a essencialidade da banda larga no exercício da cidadania. Sua relevância foi acentuada, à época, pelas revelações feitas por Edward Snowden de que o governo dos Estados Unidos tinha uma política sistemática de vigilância massiva e espionagem internacional através da Internet. A defesa dos princípios de neutralidade da rede, proteção de dados pessoais e privacidade na Internet tomou conta do mundo e refletiu, no Brasil, também na elaboração do MCI. “Foi uma luta de vanguarda, e o MCI expressa o que, no quadro do possível, havia de mais progressista no momento”, disse Bruno.

O jornalista lembrou, no entanto, que a regulamentação do Marco Civil da Internet ainda é um desafio. Questões como proteção de dados pessoais estão hoje presentes no PLC 5276, de 2016, que estabelece importantes defesas na pauta e está em tramitação no Congresso Nacional. A campanha “Seus Dados São Você”, criada por entidades da sociedade civil que compõem a Coalizão Direitos na Rede, busca conscientizar a população da necessidade de se defender a privacidade e a liberdade de expressão na Internet.

Controle do capital financeiro
Encerrando as apresentações, o professor Marcos Dantas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), buscou aprofundar o debate sobre como a Internet tem se organizado hoje. Segundo ele, existe uma tendência cada vez maior em concentrar os serviços fornecidos através da rede em torno de poucas empresas. Dantas lembrou que, hoje, a maior parte dos serviços concentra-se em um grupo conhecido como GAFA, formado pelos gigantes Google, Amazon, Facebook e Apple. “Em média, cerca de 70% do capital social dessas grandes plataformas pertence a instituições financeiras”, apontou o professor, criticando o controle do capital financeiro sobre o fluxo de informações na Internet. Para ele, é preciso questionar o modelo de negócios atual, baseado principalmente na comercialização de dados pessoais dos usuários para anunciantes.

O painel foi promovido pela Diretoria de Atividades Técnicas (DAT) e pela Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI) do Clube de Engenharia, com moderação do conselheiro Jorge Eduardo Tavares. Para conferir a agenda completa da Semana Nacional pela Democratização da Comunicação, que vai até o dia 21 de outubro, clique aqui.

Para acessar os slides da apresentação de Marcio Patusco, clique aqui

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