Após estudos e experiências, a divisão técnica de Formação do Engenheiro apresenta proposta para a renovação do currículo básico dos cursos de engenharia para combater o alto índice de evasão universitária

O crescimento do país e o aumento da demanda por mão de obra qualificada na área das engenharias fez nascer o alerta sobre uma possível escassez de engenheiros em um futuro próximo. Formando cerca de 30 mil engenheiros por ano – a Coréia do Sul forma 80 mil, a Índia, 250 mil e a China, 400 mil por ano – o Brasil pode, segundo pesquisa recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), vinculada à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, atender a demanda por engenheiros apenas até 2015.

Buscando contribuir com o esforço coletivo de entidades da engenharia, indústria e universidades – como a iNova Engenharia, da Confederação Nacional da Indústria; as câmaras especializadas do Crea-RJ e a Associação Brasileira para o Ensino da Engenharia (ABENGE) – o Clube de Engenharia, através da Divisão Técnica Especializada de Formação do Engenheiro (DFE), preparou documento que trata da renovação do ensino da engenharia por meio de um novo ciclo básico para os cursos. O trabalho foi apresentado ao Conselho Diretor pelo chefe da DFE, Jorge Bitencourt da Rocha, no dia 11 de junho e deverá seguir para o Congresso Brasileiro de Educação em Engenharia (COBENG), em setembro.

O desafio da formação

Independente da teoria do “apagão da engenharia”, que não é consenso entre os especialistas, é ponto pacífico que a evasão universitária nos cursos de engenharia é preocupantemente alta. Além disso, ela guarda estreita relação com as deficiências do ensino médio e fundamental e com a formatação do ciclo básico dos cursos universitários, os primeiros semestres dos cursos. O motivo é claro: ao ingressar na faculdade, os alunos não terão contato com a engenharia de fato até que passem por um ciclo básico de cálculo, física e matérias correlatas. Nos primeiros dois anos de curso, cerca de 50% dos alunos desistem. Apenas 20% dos que ingressaram se formam engenheiros. Para Francis Bogossian, que fez do assunto uma de suas principais bandeiras à frente do Clube de Engenharia, “os alunos entram na universidade esperando um contato imediato com matérias voltadas para a engenharia e passam os dois primeiros anos repetindo conceitos de matemática e física já vistos no ensino médio. Nasce aí a decepção que leva ao abandono da faculdade”, afirma Francis. Bitencourt concorda: “Além das dificuldades de aprendizado, resultante da má formação nos ensinos médio e fundamental, há uma desmotivação notadamente no ciclo básico, pois o aluno não sabe por que e para que está aprendendo Cálculo e Física e onde irá empregar aqueles conhecimentos”.

Para tornar o ciclo básico mais atraente para o recém ingresso, a matriz curricular proposta pela DFE investe na interdisciplinaridade por meio do diálogo constante entre professores do eixo básico, profissional e específico. Também é necessária a alocação de engenheiros como professores dos núcleos básicos, garantindo que a contextualização dos assuntos abordados seja mais fácil e natural, graças à experiência profissional do professor. Segundo Bitencourt, “a definição dos eixos temáticos e a realização de reuniões periódicas do colegiado do curso favoreceram o conceito da interdisciplinaridade, tendo como ponto de partida os programas das disciplinas. A partir da análise cuidadosa de cada programa, identifi cam-se os elementos fundamentais e, através da circulação de ideias entre os membros do colegiado, são estabelecidas integrações recíprocas de conceitos, contextos e procedimentos”. A ideia é integrar conhecimentos das áreas da engenharia para conduzir à concepção de um curso que possibilite aos alunos uma capacitação científica que o torne apto a atuar em diversos campos de forma flexível e dinâmica na realidade produtiva e econômica regional onde é dado o curso.

Foco no eixo básico

Composto por 23 disciplinas, o eixo básico proposto traz sete disciplinas na área das matemáticas e três da física, mas busca a interdisciplinaridade e a aplicação prática. Outra matéria incluída na proposta é Empreendedorismo. Os objetivos são aliar atitudes, criatividade, inovação, interação e cooperação, além da compreensão das novas relações na sociedade atual no âmbito da economia e mercado de trabalho contemporâneo, propiciando o protagonismo nas áreas individual, institucional e social. Destaca-se, ainda, na proposta a disciplina Ciências do Ambiente, que tratará de conceitos relacionados ao meio ambiente, agregando valor à formação do engenheiro. Entre as últimas disciplinas do ciclo básico proposto estão as de Fundamentos de Administração e Fundamentos de Economia.

O desenho do ciclo básico proposto busca, antes de tudo, que as disciplinas não se encerrem em si mesmas, mas se somem à experiência prática e à formação humanística dos futuros engenheiros. Bitencourt destacou que o perfil do engenheiro que o mercado busca hoje mudou. “Na Engenharia Elétrica, por exemplo, até duas décadas atrás, exigia-se que o profissional fosse competente em projetar e gerenciar sistemas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica. A competência e a responsabilidade exigidas eram essencialmente técnicas. Hoje em dia, a construção de uma barragem deve começar a ser discutida a partir das conveniências econômicas, políticas e ambientais, para só então, e em função delas, passar à discussão técnica”, conclui Bitencourt.

 

Jornal 519 – junho 2012 – página 03 – Educação

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