Se aprovadas, PEC 122 e PEC 41 podem inviabilizar a atuação da INB no enriquecimento de urânio

Enquanto a mídia concentrava seu foco na crise política e econômica e a comunidade científica mobilizava-se contra a extinção do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados sorrateiramente aprovou, em 12 de maio de 2016, a PEC 122/2007, de autoria do deputado Alfredo Kaefer (PSDB-PR), que acaba com o monopólio estatal para a construção e operação de reatores nucleares para fins de geração de energia elétrica.

O texto de Kaefer argumenta que o Ministério de Minas e Energia estima que até 2030 o Brasil precisará triplicar sua produção de energia elétrica e defende a diversificação das fontes, hoje concentradas, segundo o Banco de Informações de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), nas usinas hidrelétricas (61%) e térmicas (27%).

Kaefer afirma que os custos da produção de usinas nucleares já são competitivos e que a segurança dos reatores modernos é elevada, mas o monopólio estatal da produção limita o seu desenvolvimento, por falta de investimentos e ineficiência do setor público. Ele destaca que em países como Canadá, Estados Unidos, Alemanha, Japão, Espanha e Suíça mais da metade da energia de fonte nuclear é produzida por usinas particulares.

A PEC 122 prevê também a atuação de um órgão independente que se dedique exclusivamente à regulação do setor. Apensada a ela, a PEC 41/2011, do deputado Carlos Sampaio (PSDB/SP), veda a construção e instalação de novas usinas que operem com reator nuclear no país e permite as atividades das usinas já existentes e em construção. Com o parecer favorável do relator Sergio Souza (PMDB-PR), os textos seguem para votação em plenário.

Uso bélico e acidentes
Para refletir sobre o que estas PECs poderão representar para o país, o Jornal do Clube de Engenharia ouviu o físico nuclear Rex Nazaré, ex-presidente da Comissão Nacional de Energia Nuclear e atual diretor de projetos estratégicos nacionais do Finep, e o historiador Francisco Carlos Teixeira da Silva, então diretor do Instituto Pandiá Calógeras, que presta consultoria ao Ministério da Defesa.

Rex Nazaré explica que em quase todas as áreas tecnológicas em uso pela sociedade existe alguma aplicação nuclear, como a medicina e a agricultura. Porém, a tecnologia nuclear ficou conhecida por causa das armas nucleares, cujo desenvolvimento levou à criação de um conjunto de regras e tratados internacionais para evitar a sua proliferação. Esse controle, conta, começou com os materiais, estendeu-se aos equipamentos e depois foi se diversificando, chegando finalmente ao controle das informações tecnológicas.

Para ele, a presença de capital privado no setor nuclear pode ser muito boa em determinadas áreas de aplicação, mas se o produto que será utilizado vier de um reprocessamento, não pode estar na mão do setor privado, pois envolve tecnologias críticas que poderiam servir para o desenvolvimento de armas nucleares.

Na opinião de Nazaré, a criação de uma agência reguladora para o setor, conforme proposto na PEC, não seria garantia de segurança. “Não basta o responsável pela fiscalização ser membro de uma agência reguladora, a não ser que também faça pesquisa, porque é preciso estar ciente de todas as tecnologias que estão sendo desenvolvidas e saber controlar e identificar os equipamentos disponíveis. Ou seja, deve ser alguém que vivencie a tecnologia no dia a dia, que ponha a mão na massa, e não estar apenas baseado em manuais”, afirma.

A respeito da PEC 41, Nazaré afirma que não se pode proibir a construção de centrais nucleares no Brasil porque as fontes de energia têm limites, seja hidro, solar, eólica ou petróleo. “Não se pode negar à sociedade que ela tenha direito de dispor dos benefícios de todas as formas de geração de energia, inclusive nuclear”, defende. Ele ressalta os recentes resultados com energia eólica.

“Tem que haver um processo amplo e diversificado aplicado a todas as formas de geração de energia. Precisamos identificar em cada uma delas como o setor privado pode ter que tipo de participação, e o que tem que ser mantido na mão do Estado, particularmente porque em caso de acidente, o Estado tem que entrar bancando. Se houver efeito numa grande área, não pode estar na mão de uma empresa privada”, alerta.

Segurança, tecnologia e soberania
Para Francisco Carlos Teixeira da Silva, a PEC 122 abre mais problemas do que resolve. Ele destaca três pontos preocupantes: segurança, desenvolvimento tecnológico e soberania nacional. Segundo Teixeira, por ser uma área que requer extrema segurança, o controle estatal se justifica, uma vez que historicamente o número de acidentes em usinas privadas é maior. “Não que o Estado não possa ter problemas, mas nas mãos de uma empresa privada a dimensão pode ser catastrófica”, afirma.

Ele dá dois exemplos: o acidente de Three Mile Island, nos EUA, em 1979, e o de Fukushima, no Japão, em 2011, classificados respectivamente como nível 5 e 7 na Escala Internacional de Eventos Nucleares, cujo nível máximo de gravidade é 7. Teixeira ressalta que, no caso de Fukushima, a empresa Tokio Electric Power Company chegou a emitir relatórios falsos sobre o acidente.

O historiador lembra que no Brasil também houve um acidente grave – nível 5 – envolvendo empresas privadas: o acidente de Goiânia, em 1987, quando um aparelho utilizado em radioterapia foi abandonado numa clínica desativada e encontrado por funcionários de um ferro-velho, que o desmontaram. Um pó brilhante que estava dentro de uma cápsula fez sucesso na casa de um dos funcionários. Parecia sal, mas era Césio 137, substância radioativa que contaminou sua família, vizinhos e outras centenas de pessoas. Quatro
morreram, dezenas foram internadas e sofrem sequelas até hoje. Além disso, o local contaminado teve que ser evacuado e diversas famílias foram desalojadas. “Foi um total descuido”, atesta.

O uso da energia nuclear está regulado por uma agência mundial sediada em Viena, cujas regras o Brasil segue. Desde a década de 1980, o Brasil domina todo o ciclo do combustível nuclear. Dono de uma das maiores reservas naturais de urânio do mundo, o país tem as ferramentas necessárias para a autonomia na produção.

Para Teixeira, não está claro como seria o processo de transferência da tecnologia produzida ao longo de décadas com imensos investimentos do Estado brasileiro. “Elas receberiam a tecnologia sem dar qualquer retorno?”, questiona.

Há ainda, segundo Teixeira, uma questão da soberania nacional ligada ao risco d
e espionagem industrial, muito comum no setor. Segundo ele, os segredos envolvendo o ciclo do combustível nuclear desenvolvido no Brasil – mais barato, limpo e eficiente – poderiam ser expostos nas vistorias feitas pelas agências internacionais que fiscalizam o setor. Além disso, se o Brasil abrir mão da sua longa pesquisa em usos da energia nuclear para fins pacíficos, como a medicina nuclear e a preservação de alimentos, as empresas farão contratos com outros países e passarão a importar tecnologia, criando vínculos de dependência tecnológica externa. “A aprovação dessa PEC neste momento político foi sintomática, podendo afetar a soberania do país em ciência e tecnologia e a política externa”, critica.

Estímulo ao debate e à reflexão
A Fundação Getúlio Vargas lançou em 27 de abril o Caderno Energia Nuclear, com a participação no debate dos mais representativos nomes do setor. O cuidadoso estudo, entre outras questões, estimula a reflexão sobre uma estrutura de planejamento energético para o país. Pesquisadora da FGV Energia e uma das autoras, Renata Hamilton de Ruiz entende que “a energia nuclear é uma fonte limpa, que não emite poluentes atmosféricos nem gases do efeito estufa e é a quarta maior fonte geradora de eletricidade do mundo, sendo usada em mais de 30 países. Por isso, tem sido colocada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e a Agência Internacional de Energia (IEA) como uma das tecnologias a serem consideradas nas iniciativas para redução de emissões”.

Leia a matéria nas páginas 6 e 7 do Jornal do Clube de Engenharia http://mvnt.us/m283488 

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