O mundo não vai acabar em 2009. E o Brasil sobreviverá.

O Sistema Financeiro Internacional (SFI) tecnicamente quebrou em 2008. Se não houvesse o socorro financeiro dos respectivos Estados (tesouros e bancos centrais), através de várias modalidades de apoio, as instituições financeiras que participaram da ciranda especulativa teriam se tornado insolventes e arrastado para a bancarrota as outras mais conservadoras. Chega ao fim mais uma era do Sistema Financeiro Internacional. Graças aos conhecimentos acumulados acerca de gestão macroeconômica e à solidariedade forçada entre as grandes economias do mundo, em curto espaço de tempo vai ocorrer uma nova reestruturação do SFI, para viabilizar um novo ciclo do capitalismo.Nos 30 últimos anos, o SFI experimentou cinco grandes transformações. A primeira, decorreu da crise da dívida externa (anos 80), em função do que os grandes bancos sobreviventes deixaram de emprestar a governos e empresas em moeda estrangeira, e estes passaram a colocar seus bonds, notes e assemelhados diretamente junto aos investidores, ficando a banca apenas como intermediária. O Plano Brady financiou a mudança com recursos do Tesouro.

Outra foi o fim da segmentação do mercado financeiro norte-americano, após a grande crise do sistema de poupança e empréstimo imobiliário, também nos anos 80, o que permitiu aos bancos comerciais norte-americanos comprar ativos baseados em hipotecas e participar do boom de especulação baseado no crédito imobiliário, intoxicando-se com papéis subprime.
Uma revolução decorreu também da globalização das finanças. Desregulação financeira dos diversos países, para permitir a livre circulação dos capitais, associada às facilidades criadas pela Internet e a micro-informática, incorporaram milhões de pessoas aos mercados de capitais. Mas, como contrapartida deste fantástico, o SFI se tornou muito mais vulnerável às crises.

Metamorfose importante também foi provocada pelo esforço para contornar as regras prudenciais estabelecidas pelos Acordos de Basiléia, as quais determinam limites operacionais e de alavancagem (endividamento). De modo simplificado: se a regra for de patrimônio líquido exigido igual a 8% do valor de seus ativos (empréstimos, créditos e aplicações), significa que um banco só pode aplicar até 12,5 vezes seu capital e reservas. Ou seja, só pode se endividar (alavancar) 11,5 vezes seu capital e reservas. Tais regras, porém, valem apenas para os bancos comerciais. Para fugir daquele cabresto e expandir as operações, os bancos comerciais estadunidenses buscaram meios de limpar seus balanços de riscos, para poder captar mais. Lançaram mão de inovações financeiras (produtos estruturados e derivativos) que transferiam riscos de seus balanços para os de outras instituições não-bancárias (shadow banks), mediante uma remuneração. Estas também captavam recursos no mercado de capitais, para reemprestá-los aos bancos. Apesar de ser uma incógnita, a alavancagem em alguns bancos que já quebraram chegou a 60 vezes o capital. 

Outra transformação violenta: a explosão do mercado de derivativos (futuros, swaps, opções sobre divisas/câmbio, taxas de juros e derivativos de ações, índices de bolsas de valores e mercadorias). O valor total dos contratos negociados hoje representa 50 vezes o PIB estadunidense, ou 10 vezes o PIB mundial. Desse cassino participaram as instituições financeiras de quase todos os países industrializados. Felizmente, os bancos brasileiros se beneficiaram dessa enxurrada de liquidez mundial, mas não participaram das operações de alto risco.

A saída desse processo global vai depender de uma nova transformação do SFI, cujos contornos começaram a ser desenhados pelos membros europeus do G-20. Também já se anunciam severas restrições para as operações dos cerca de 50 paraísos fiscais existentes no mundo, a reestruturação do FMI e a criação de novos entes regulatórios e de supervisão bancária mundial. 

Os governos dos países centrais estão adotando medidas substantivas para salvar os respectivos sistemas financeiros nacionais e aumentar a confiança nos mesmos, além de socorrer os setores produtivos mais ameaçados, sem a delonga que se observou após a crise de 1929 por parte de governos ultra-liberais. Apesar disso, os analistas mais histéricos afirmam que a crise econômica será duradoura e profunda.

Como tudo isso deve se refletir no Brasil e nos países em desenvolvimento? Tudo vai depender da gestão macroeconômica e da capacidade do governo de manter os empresários e consumidores animados. Ainda assim, existirão efeitos sobre o nosso comércio exterior, o ingresso de investimento externo direto, o investimento agregado, o crédito interno, além do emprego. Mas os mesmos têm de ser avaliados sem reproduzir a histeria adotada por alguns analistas. O jornalista Marcio Aith, da revista VEJA, resumiu com moderação e competência 10 razões pelas quais o Brasil deverá sofrer menos: 
1) Reservas de 200 bilhões de dólares intocadas depois de seis meses de crise

2) Bancos competentes, regulados, com baixa exposição a riscos e calotes. 

3) Ausência de bolhas de crédito e imobiliária, com potencial de crescimento real nesses setores.

4) Mercado interno forte e crescente com a redistribuição da renda.

5) Matriz energética mais “verde” do mundo.

6) Estabilidade política, com instituições democráticas consolidadas.

7) Estabilidade econômica e arcabouço regulatório imperfeito, mas previsível. 

8) Maior exportador de alimentos do mundo, o que garante vendas externas volumosas em qualquer cenário

9) Mercado externo diversificado e mercadorias de crescente valor agregado. Os EUA absorvem apenas 13,8% das exportações brasileiras.

10) As projeções dos organismos internacionais apontam estagnação no mundo, mas preveêm crescimento do PIB do Brasil em 2009

Finalmente, há uma alavanca enorme para o Brasil promover seu desenvolvimento representada pela taxa de juros real, até aqui altíssima quando comparada às vigentes no resto do mundo. Sua redução significativa é o melhor incentivo para o investimento privado e, ainda, economizará recursos fiscais que poderão ser direcionados para gastos públicos de alto fator multiplicador. De qualquer forma, o mundo não vai acabar em 2009. E se isso ocorresse, os impactos do encolhimento do PIB dos países desenvolvidos seriam bem suportados pelo Brasil.

A Diretoria

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