Indústria naval: uma janela de oportunidades se abre no país

Política Industrial / Indústria Nacional

Embora a Vale tenha anunciado a compra de navios chineses, o Brasil remonta, paulatinamente, sua indústria naval

Recentemente, foi anunciada pela Vale a compra de 12 navios chineses com capacidade de 400 mil toneladas. A notícia causou polêmica e pode ampliar o debate no setor da indústria naval brasileira. Isso porque a Vale investirá 1,2 bilhão de dólares nessa transação, além do emprego de mão de obra estrangeira. As instituições financeiras The Export- Import Bank of China e o Bank of China Limited fornecerão crédito de até 80% do montante necessário para a construção dos navios, com prazo para pagamento de 13 anos. Comunicado da companhia informa que “o investimento constitui-se em importante instrumento de apoio às iniciativas de crescimento em condições adequadas, de baixo custo e longo prazo, para o financiamento dos projetos, reforçando a capacidade de geração de valor ao acionista”.

A notícia chega no momento em que o país retoma o processo de implantação de políticas de incentivo à indústria naval, pós-sucateamento do setor, quando a descoberta da camada de pré-sal aquece novamente o mercado. Segundo relato do Chefe de Departamento da Engenharia Naval da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e Diretor Técnico da Sociedade Brasileira de Engenharia Naval, Luiz Felipe Assis, a indústria naval brasileira viveu tempos áureos na década de 1950: com as metas de Juscelino Kubitschek foram instalados grandes estaleiros. Luiz Felipe complementa: “No entanto, apesar dos subsídios e incentivos, não foi implementada uma política de marinha mercante e naval e o Brasil foi atingido por uma crise financeira”.

Atualmente, os líderes da indústria naval são Coréia do Sul, China e Japão, enquanto o Brasil vem caminhando, a passos largos, para recuperar sua antiga posição no mercado. O maior estímulo da indústria brasileira é a logística do petróleo (transporte, exploração, produção e serviços offshore). “É preciso haver competência de gestão na retomada da construção de navios de grande porte, de modo a aproveitar as condições extremamente favoráveis de uma grande demanda inicial, praticamente garantida pelas atividades de exploração e transporte de petróleo e gás no Brasil”, afirmou o diretor do Centro de Engenharia Naval e Oceânica (CNaval) do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Carlos Daher Padovezi.

Cenário otimista

Mesmo com as críticas de muitos profissionais à compra dos navios chineses pela Vale, o professor Luis Felipe Assis esclarece que é natural, neste processo de retomada, que sejam emprega das tecnologia e mão de obra estrangeira. “O Brasil teve um passado de construção de navios de grande porte. Se é possível retomá-lo? Sim, é possível, mas em quanto tempo e quanto custará? Estamos no início da recuperação da indústria e é preciso, em primeiro lugar, traçar uma política de planejamento, a longo prazo, para garantir sustentabilidade da indústria”, garantiu. Ainda segundo Carlos Daher: “Em pouco tempo, com o desenvolvimento adequado da capacitação tecnológica, a modernização do aparato industrial e a formação intensiva de recursos humanos na área, a construção naval no país poderá ser competitiva e sustentável”.

O Brasil vem caminhando, a passos largos, para recuperar seu lugar no mercado da indústria naval.

De acordo com o presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparo Naval (Sinaval), Ariovaldo Rocha, a recuperação e consolidação da indústria, nos últimos 10 anos, fizeram o setor surgir nas estatísticas internacionais. “Há uma participação modesta nas carteiras de encomendas, cerca de 300 navios em construção no Brasil e 8 mil em estaleiros mundiais, mas a indústria de construção naval está pronta para ampliar sua participação no desenvolvimento brasileiro”, comemorou.

Este contexto não impede que a sociedade brasileira, atenta aos grandes problemas nacionais, se posicione, com firmeza, em relação aos perigos de práticas que não valorizam a tecnologia nacional e a mão de obra qualificada.

União e mobilização

Chefe da Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI), Marcio Patusco lembra que “em todos os países, principalmente os em desenvolvimento, algum grau de favorecimento à indústria nacional e incentivo à pesquisa e desenvolvimento local devem ser previstos” e propõe a atuação de entidades como o Clube de Engenharia em defesa dos interesses nacionais. “Nosso papel deve ser de mobilização organizada, para apontar as distorções e estudar mecanismos para criação das condições de competição de nossas empresas. Mais especificamente, não deixar que eventuais discursos e ações baseadas apenas em resultados se sobreponham aos interesses maiores da nação”.

Na mesma linha, Manoel Lapa, Vice-Presidente do Clube de Engenharia, trabalha no sentido de ver a instituição somar forças com toda a sociedade civil em uma grande campanha em defesa do desenvolvimento sustentável. “Temos que nos unir e lutar para que o atual momento de desenvolvimento não seja apenas um ciclo como o do café ou do açúcar, que ao final, como nos ensinou Celso Furtado, reste apenas o legado da pobreza, da poeira e do passivo ambiental. Temos que aproveitar o momento histórico e consolidar uma indústria com empregos qualificados e tecnologia própria”, concluiu Manoel Lapa.

Falta de profissionais

Vem sendo anunciada pelos meios de comunicação a escassez de engenheiros e a engenharia naval tem destaque neste anúncio, uma vez que houve aumento de importação de profissionais desta área. “Entre os anos de 1990 e 2000, entravam 70 alunos no curso de Engenharia Naval da URFJ e formávamos 15. A partir de 2003 e 2004, houve um considerável aumento e, hoje, formamos 56 alunos, concomitante à redução de evasão. O Brasil é um grande competidor, mas precisa investir em tecnologia, pesquisa, mão de obra adequada e na qualidade dos profissionais”, afirmou Luiz Felipe.

Carlos Daher acredita que a retomada da indústria naval brasileira servirá de estímulo para que bons profissionais voltem para a área. “Temos boas escolas de formação que estão fazendo seu papel. Obviamente, se houver grande importação de mão de obra estrangeira, haverá um atraso e um prejuízo ao processo de formação de engenheiros navais no país. E uma possível importação massiva iria contra um dos objetivos do Governo para estimular (e subsidiar) a indústria naval, que é a criação de empregos de alta qualificação para os brasileiros”, pontuou.

 

Matéria publicada no jornal número 500 do Clube de Engenharia - outubro de 2010, página 8

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