Transporte/Linha 4 do metrô

Embora o carioca aguarde a construção da linha 4 há mais de uma década, o projeto em execução tem causado revolta em parte da população e o descrédito de alguns especialistas

No terceiro dia do ano tiveram início as escavações do túnel de via por onde passará o metrô da Linha 4, que deveria ligar a zona sul ( Botafogo) à Barra da Tijuca. As obras fazem parte do esforço do governo estadual pela adequação do transporte da cidade às necessidades de deslocamento impostas pelos jogos olímpicos de 2016. De acordo como projeto que está sendo colocado em prática, a linha 4 deveria ter agora 6 estações, saindo de Ipanema, passando pelo Leblon, Gávea, São Conrado e chegando ao Jardim Oceânico, na Barra, mas este traçado ainda está dependendo de estudo de impacto ambiental.

Depois de licitada , em 1998, a linha 4, ou linha cinza, passou por diversos projetos de trajeto até chegar ao que pode ser o denominado atual. O projeto inicial previa um trajeto que sairia do Morro São João, junto ao Shopping Rio Sul, em Botafogo, passando pelo Humaitá, até o Jardim Oceânico, custando, em valores atualizados, R$ 2,8 bilhões.

Em 2002, a então governadora Benedita da Silva apresentou um projeto que se aproximava daquele defendido pelas associações de moradores como o melhor para a cidade. A linha 4 se conectaria a linha 1 na estação Carioca. De lá, seguiria até Laranjeiras, Humaitá, Gávea, São Conrado, Jardim Oceânico, Shopping Downtown, Nova Ipanema (Barra Shopping), até a Alvorada. O custo previsto era de R$ 2 bilhões. O projeto atual prevê a ligação do final da linha 1(ainda não concluída; falta o segmento General Osório - Praça Nossa Senhora da Paz, ainda sem licitação) à Barra e custará, segundo estimativas do governo, cerca de R$ 5 bilhões. Da primeira para a última proposta, o custo aproximado por quilômetro passou de R$ 175 milhões para R$ 400 milhões.

Pressa X necessidade

No último dia 30 de dezembro, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman e o secretário estadual de transportes, Julio Lopes, receberam o presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Jacques Rogge, acompanhado pela coordenadora geral dos Jogos, Mawal El Moutawakel em uma visita ao canteiro de obras dos túneis da linha 4. Foram muitos os elogios à obra que avança sete metros por dia no sentido Barra – São Conrado e que deverá estar pronta já no final de 2015.

Os membros do COI ficaram satisfeitos. O mesmo não se pode dizer da população dos bairros por onde passará a linha 4. Enquanto o primeiro grupo visa a logística dos jogos, o segundo exige melhorias duradouras e a eficiência do transporte, independente de grandes eventos. Moradores de bairros da Zona Sul e Barra da Tijuca alegam que suas necessidades não serão atendidas pela nova linha. Alguns nem mesmo consideram a linha 4 como algo novo, mas apenas uma extensão da linha 1. Os moradores da Barra, porque irão ter um “trem parador”. Os de Ipanema/Leblon, porque terão os trens lotados.

Paulo Bittencourt, fundador do grupo Ouvidoria da Barra, Diretor da Associação Comercial e Industrial da Barra da Tijuca e membro do movimento “O Metrô que o Rio precisa”, que reúne lideranças comunitárias e associações comerciais e de moradores, é presença forte entre as vozes que lutam pela retomada do traçado do projeto de 2002. “Em qualquer lugar do mundo o metrô tem linhas independentes para atender de forma eficiente à população. O Rio vem caminhando na contramão do bom senso,sobrepondo as linhas 1 e 2 e emendando a linha 4 no final da linha 1”.

Os argumentos de Bittencourt são contundentes. Embora os estudos apontem que 85% dos moradores da Barra, Recreio, Jacarepaguá e cercanias têm como destino o centro da cidade, com o atual traçado da linha terão que percorrer 15 estações para chegar. “O povo do Rio quer atender bem aos turistas que virão aos jogos, mas os interesses da população deveriam ser priorizados”, insiste Bittencourt.

Superlotação inevitável

Em dezembro de 2009, nos primeiros dias de funcionamento da conexão Pavuna – Botafogo, que sobrepôs a linha 1 e a linha 2, ficou claro que a superlotação dos trens não diminuiria como esperado. Ao optar por ligar diretamente o trajeto da nova linha ao da linha 1, o governo correu o risco de alimentar ainda mais a superlotação. “Com uma alta demanda de passageiros, somada ao franco crescimento imobiliário da zona oeste, é provável que, em horário de rush, o metrô tenha que comportar, do centro à Barra e vice-versa, 120 mil usuários a mais por dia, estimando por baixo”, alerta Bittencourt.

O geólogo Newton Santos Carvalho acredita que a grave saturação da linha 1 pode piorar com a inauguração do trecho até a Barra. “Não entendo o traçado da obra como uma nova linha, mas como uma extensão da já sobrecarregada linha 1 e a adição de mais trens em 2011 não irá resolver o problema”, alerta.

Membro do Conselho Curador da Fundação Geo-Rio, Newton dedicou seu mestrado e doutorado ao estudo da ocupação subterrânea na cidade do Rio de Janeiro. Seu trabalho originou o projeto “Espinha dorsal do Rio de Janeiro”, que aponta o caminho mais viável econômica e tecnicamente para a linha 4 do metrô, saindo do Largo da Carioca, no centro da cidade, seguindo em direção à Barra da Tijuca, cortando a cidade por solo maciço rochoso, barateando a obra. “Além de inserir mais estações e ramificações ao longo desse trajeto, se interligando à linha 1 via ônibus elétrico, o projeto já conta com estudos ambientais aprovados”, conclui Newton.

Estimada em R$ 5 bilhões, a linha 4 do metrô ligará a zona sul à Barra da Tijuca, mas não suprirá as necessidades dos moradores da zona oeste

OS INTERESSES DA POPULAÇÃO

Cresce o número de famílias que dormem nas ruas do centro da cidade por total falta de condições de voltar do trabalho para a casa. Faltam os recursos e o tempo de ir e vir. São cenas do cotidiano que contam a história de uma população que luta há anos por transporte de qualidade e só vê seus interesses na TV quando a violência a que é submetida diariamente chega ao limite da barbárie. Aconteceu na estação de Madureira: seguranças que deveriam orientar os passageiros os agrediram com socos e chicotadas. As imagens não mentem, mas também não trazem a verdade. Fora a punição, nada mudou no dia seguinte, como conta a vendedora Maria Aparecida Guimarães: “É como se os nossos interesses não encontrassem os corredores certos, as portas abertas para nossa participação na definição das políticas públicas de transporte. Quem são os cidadãos que aprovam esses projetos e em nome de que interesses?”, pergunta.

Matéria publicada no jornal número 504 do Clube de Engenharia - fevereiro de 2011, páginas 6 e 7 

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