Política Industrial: A hora da guinada pelo emprego na engenharia

Brasil vive momento determinante para o seu futuro e abre janela de oportunidade única para o desenvolvimento da tecnologia nacional. Algumas questões, no entanto, continuam sem respostas

O seminário “Engenharia, Inovação & Tecnologia e os Investimentos nos Próximos Anos – O Papel das Empresas Genuinamente Nacionais”, realizado dia 31 de julho no Clube de Engenharia, deixou claro que as tecnologias não são subprodutos do crescimento econômico. Ao contrário, são condição para a sua sustentabilidade, na medida em que a dependência tecnológica se mostra um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento. O evento faz parte de um amplo programa de ação que o Clube de Engenharia vem implementando na luta contra a desindustrialização do país e o esvaziamento da área de engenharia brasileira. “Queremos uma indústria forte para que o Brasil possa crescer com independência, criando riqueza e empregos de qualidade para os engenheiros”, afirmou Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia.

Além de Francis Bogossian, integraram a mesa de abertura oficial do encontro, Manoel Lapa e Silva, 1º Vice Presidente e Fernando Leite Siqueira, 2º Vice Presidente do Clube de Engenharia. Do primeiro painel, sobre Engenharia, Inovação e Tecnologia – Desafios e Perspectivas participaram Márcio Ellery Girão Barroso, Presidente da Federação Nacional da Informática (Fenainfo); José Roberto Bernasconi, Presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco Regional de São Paulo); Segen Estefen – Diretor de Tecnologia e Inovação da COPPE / UFRJ, João Alberto De Negri – Diretor de Inovação da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

O segundo painel abordou o tema A Importância do Conteúdo Nacional, Fornecido por Empresas Brasileiras de Capital Nacional e contou com as exposições de Alberto Machado Neto, Diretor Executivo de Petróleo, Gás, Bioenergia e Petroquímica da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq); Paulo Alonso, Assessor da Presidência da Petrobras e Ricardo Cunha da Costa, Chefe do Departamento da Cadeia Produtiva de Petróleo e Gás (DECAPEG), do BNDES. Os debates após a apresentação de cada mesa foram mediados, respectivamente, pelo  1º Vice Presidente do Clube de Engenharia,  Manoel Lapa e Silva, e pelo  2º Vice Presidente do Clube de Engenharia. Fernando Leite Siqueira.

Choque de inovação

O Brasil caiu 37 posições no ranking do Índice Global de Inovação (Organização Mundial de Propriedade Intelectual), em que pesem todos os avanços dos últimos anos em nossas empresas e nos programas governamentais. E, no entanto, é o 13º produtor de conhecimento científico do mundo, número que deve dobrar nos próximos anos. Para Márcio Ellery Girão, presidente da Federação Nacional da Informática (Fenainfo), a pesquisa voltada para as empresas seria mais proveitosa: “Ao invés de escrever artigos, não seria melhor desenvolver tecnologias nas empresas? Nossas práticas e métodos são ruins. É preciso colocar as empresas no centro das políticas públicas”, defendeu.

Girão defende a alteração do sistema de investimento e financiamento à tecnologia e inovação para competir globalmente. “O governo confunde qualificação de título com competência empresarial. O acadêmico acha que suas pesquisas interessam apenas a ele, sem grandes conexões com a sociedade. Os institutos de tecnologia seguem o modelo da academia, com teses e artigos, sem conexão direta com as empresas”. Para Girão, é preciso ficar claro que quando o governo coloca dinheiro nos centros de tecnologia, não está investindo em tecnologia. “Se o recurso não gera uma tese que chega na empresa, ele não está fazendo tecnologia, mas ciência aplicada. Isso precisa estar claro quando se discutir políticas de governo. Nós temos os instrumentos, mas ainda engatinhamos nos métodos. Precisamos de um choque de inovação nos métodos e processos. Há anos usamos os mecanismos de Finep, BNDES e a coisa não anda ”, defende.

A contribuição acadêmica para o pré-sal

A dicotomia empresa e academia foi refutada por Segen Estefen, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (COPPE/UFRJ). Após apresentar o cluster da UFRJ, com seus vários centros de pesquisa, institutos, parque tecnológico, incubadora de empresas e o projeto da Torre de Inovação, Segen destacou os projetos tecnológicos nas áreas de óleo e gás, navios e estruturas offshore, energia, química e biotecnologia, mineração e siderurgia, transportes, tecnologias sociais e políticas públicas, entre outras.

A descoberta do pré-sal levou à criação de grandes laboratórios focados nos desafios que surgiram. “A distância de cerca de 300 quilômetros da costa e a profundidade de cerca de 2400 metros forçam a engenharia a elaborar muito para vencer os desafios. Há cinco anos trabalhamos para fazer frente a esse desafio”, explicou. A cooperação com a Petrobras rende frutos desde 1977. A COPPE desenvolveu procedimentos, softwares e treinou engenheiros da empresa em áreas desconhecidas. Para Segen, falta ousadia no país: “os passos são ensaiados e isso não faz engenharia. É preciso avançar, ousar, fazer coisas novas. Estamos bloqueados por uma cultura colonialista baseada no sucesso dos outros. Só fazemos o que os outros já fizeram com sucesso e isso é um erro”.

Desafios à engenharia

Uma das maiores ameaças ao desenvolvimento de tecnologia nacional, a difusão da informação de que os investimentos públicos não fluem por falta de bons projetos e porque não existe capacidade disponível no país é um dos grandes responsáveis da compra de projetos de engenharia no exterior. Em artigo recente publicado no Brasil Econômico, Gleisi Hoffmann, ministra da Casa Civil, aponta a falta de projetos básicos e executivos para viabilizar obras como um obstáculo para a infraestrutura do país. Segundo ela, há dificuldade de contratar empresas de engenharia, que estariam sobrecarregadas com o crescimento da demanda por obras. José Roberto Bernasconi, presidente do Sindicato da Arquitetura e da Engenharia (Sinaenco), refuta as afirmações: “A demanda que se coloca não acontece. Licita-se por menor prazo, menor preço e com tarifas insuficientes. E, acreditando nisso, como a empresa brasileira não faz, buscam no exterior”, explica.

Bernasconi aponta a ameaça à engenharia brasileira graças ao empobrecimento e desmantelamento dos quadros técnicos da administração pública e de uma visão estratégica míope para o desenvolvimento sustentável do país. “A falta de quadros que consigam enxergar o papel essencial da engenharia no processo de desenvolvimento e em que condições ambientais a engenharia pode oferecer sua contribuição tem levado a diagnósticos errados e falsas soluções”, destaca. Para ele, o projeto de engenharia, hoje ausente da cultura nacional, é veículo de inovação e desenvolvimento tecnológico, desde que lhe seja oferecido as condições adequadas de prazos de execução e preço justo realista. “A engenharia nacional é um ativo estratégico do Brasil”, explica.

Financiamento

A política de conteúdo local atrai investimentos estrangeiros extremamente positivos do ponto  de vista do desenvolvimento brasileiro e, embora não possa ser substituído, é preciso grandes empresas brasileiras com capacidade e engenharia financeira suficiente para entrar nos segmentos de maior densidade tecnológica.

Segundo João Alberto de Negri, diretor de Inovação da FINEP, as empreiteiras vêm ocupando esse espaço no Brasil, mas o processo poderia ser acelerado. Negri citou, ainda, o processo de diversificação da Odebrecht no setor de defesa com capacidade de aproveitar sinergia em direção ao setor de petróleo e gás. “Essa é uma empresa que deveria ser incentivada para manter sua política de diversificação de uma forma mais acentuada. O grande contratista da Petrobras, a Queiroz Galvão, tem três plataformas, faz perfurações e vai operar na lâmina d’água do pré-sal. São empresas que não tem domínio tecnológico, mas tem engenharia financeira. Nosso trabalho é focar as políticas de estado e fazer com que essas empresas se lancem em desafios tecnológicos maiores. É possível, mas depende de uma estratégia consolidada que o Brasil não tem hoje”, alertou.

Petróleo e conteúdo local
Após os intensos debates que marcaram a manhã de terça-feira, o ponto comum dos debates da tarde foi a necessidade de investimento que transforme a vida das pessoas. Para Alberto Machado Neto, Diretor Executivo de Petróleo, Gás e Petroquímica da ABIMAQ, o foco hoje em
dia é o aumento da demanda do mercado e do investimento em conhecimento para que isso se transforme em emprego e renda.

E se antigamente o Brasil estava habituado com a produção de itens de baixo valor agregado, hoje a situação parece estar mudando. Com a produção local e social envolvendo diversos segmentos da economia, esse modelo arcaico parece estar com os dias contados. Na indústria do petróleo, por exemplo, os investimentos em operações que tendem a envolver o conteúdo local devem caminhar ao lado de cobranças de incentivo das empresas.

Paulo Alonso, assessor da Presidência da Petrobras, também falou sobre o assunto. Para ele, há um conteúdo local possível, que é o que podemos adquirir da nossa indústria de bens e serviços em bases competitivas e sustentáveis levando em conta as especificações técnicas dos nossos produtos e o que a indústria pode me fornecer. “Para isso, a Petrobras toma por base diversos estudos produzidos por institutos de economia das nossas universidades, pelo IPEA, pelas Câmaras Setoriais do BNDES, pela CNI e levamos em conta também a linha do tempo. Isso porque não adianta dizer que vou comprar no país se isso me demandar um tempo enorme”, explicou Alonso.

Ricardo Cunha da Costa, Chefe do Departamento da Cadeia Produtiva de Petróleo e Gás (DECAPEG), do BNDES, explicou que já temos, na área de petróleo o gás, uma politica de conteúdo local bastante consolidada. “Ela tem sido aprimorada ao longo dos anos. Há uma demanda crescente da Petrobras, mesmo antes do Pré-sal, e um grande volume de investimentos na área. Com o pré-sal mudou-se o paradigma do setor, inclusive quanto ao desenvolvimento tecnológico”, frisou.

O olhar para o futuro

Até alguns anos atrás, uma das poucas empresas brasileiras que aplicavam a ideia de conteúdo local era a Petrobrás. Hoje em dia, com a ideia mais sedimentada, o foco é, além da conquista de novos mercados para a indústria brasileira, o poder de decisão da indústria nacional, além dos critérios de sustentabilidade agregados aos investimentos na área.

Segundo Alberto Machado Neto, as bases do desenvolvimento estão relacionadas a alguns pontos-chave da área industrial. “Política industrial séria, inovação – em todos os sentidos, desde a produção que ainda não foi feita no Brasil, mas já é feita em outros países, até tecnologias exclusivas que podemos criar -, transformação de conhecimento em retornos mais profundos e inteligentes, desenvolvimento de fornecedores e qualificação da mão de obra especializada e bem formada são os principais itens rumo a uma boa atuação brasileira na área de tecnologia e desenvolvimento industrial”, explicou Alberto.

Além das questões citadas, o diretor da ABIMAQ também apontou para algumas perspectivas importantes no que diz respeito à tecnologia de resultados. Para ele, o caminho que se inicia na ciência e pode terminar em lucro quando alguns investimentos são realizados. A linha ciência – tecnologia – engenharia – indústria – lucro, para ele, faz sentido quando se dá utilidade à ciência. Alberto também citou os pontos fortes já conquistados pela indústria brasileira e os pontos fracos a serem trabalhados.  Segundo ele, os principais pontos negativos estão relacionados à falta de competitividade e à falta de integração, além dos custos altos de produção e matéria prima. Dentre os pontos fortes estão o Parque Tecnológico de padrão internacional instalado no Brasil, a capacitação gerencial e de outros segmentos da economia, além, entre outros pontos, dos financiamentos para pesquisa e desenvolvimento que, embora modestos, têm sido decisivos.

Texto de Saturnino Braga sobre o tema, veja aqui.

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