As Divisões Técnicas do Clube de Engenharia se mobilizam para garantir a posição de referência internacional da engenharia brasileira. Interdições, demolições e erros basilares arranham sua imagem em um momento em que o mundo tem seus olhos voltados para o país. Em meio ao processo, a falta de ?scalização das ?nan-ciadoras e o descaso do poder público, que licita obras sem projeto executivo.

Inaugurado em 2007 para os Jogos Panamericanos, o Estádio Olímpico João Havelange, o Engenhão, foi interditado no  final de março por problemas estruturais na cobertura. A prefeitura fechou a arena por tempo indeterminado para prevenir acidentes que poderiam manchar ainda mais a imagem do país às vésperas da Copa do Mundo e dos Jogos Olímpicos. Ainda é incerto se os problemas do estádio estão relacionados ao projeto ou à execução. Depois que a construtora Delta abandonou a obra – assumida, então, por um consórcio entre a OAS e a Odebrecht – o projeto do estádio passou a ser responsabilidade da prefeitura.

Com o custo do estádio – cerca de R$ 400 milhões – dentro do previsto, nada explica a existência de sérios problemas estruturais. Em entrevista coletiva, o prefeito Eduardo Paes declarou: “não é admissível que um estádio com tão pouco tempo de vida já apre-sente um problema dessa monta, que tenha que enfrentar situações como essa. Não há dúvida que o futebol carioca sai prejudicado”. Para além dos danos ao futebol, o caso do Engenhão, somado a outros, evidencia que algo de muito sério acontece em nosso país, com graves reflexos na engenharia nacional.

Sem projeto

Prometido para julho de 2012, o mergulhão da Avenida Marquês do Paraná, no centro de Niterói, pode ser concluído até o ­ final de 2013. Após o início das obras, guiadas apenas pelo projeto básico, foram encontradas pedras, uma rocha, um rio e o lençol freático que inviabilizaram a construção. A prefeitura fez uma parceria com a Empresa de Obras Públicas (Emop) do governo do Estado para, ­ finalmente, realizar os estudos de sondagem do solo e elaborar o projeto executivo. O lençol freático será rebaixado e a obra do mergulhão, com mais de um ano de atraso, será entregue à população. O projeto executivo, que só ­ ficou pronto em abril de 2013, deveria nortear a obra desde o início.

Em recente palestra no Clube, José Carlos Medaglia Filho, superintendente nacional de Assistência Técnica e Desenvolvimento Sustentável da Caixa econômica Federal afir-mou que erros banais continuam ocorrendo. “Eu poderia passar o dia dando exemplos de empreendimentos que eu acompanhei e que apresentaram algum problema de projeto e falta de planejamento. É impressionante como erros ridículos continuam sendo come-tidos. Uma determinada empresa de saneamento recebeu recursos para uma obra importantíssima, nos apresentou o que ela entendia como sendo um projeto básico su­ ciente para realizar a licitação, nós avisamos que não era, mas a licitação foi feita”.

Medaglia conta que, embora a licitação contasse com uma barragem, uma adutora, três estações elevatórias e uma estação de tratamento, como não havia sondagem, conhecimento do local, além de haver interferência de uma rede de gás e outras questões desconhecidas na hora da licitação, o projeto não pôde ser implantado como o esperado. “Na prática, o que foi executado foi um poço de captação, a adutora em outro local, uma estação elevatória e nenhuma estação de tratamento, e sim a ampliação de uma outra que existia. Nenhuma barragem foi construída. Não tem como prosperar algo assim. Aquilo é um arremedo de projeto. Uma colcha de retalhos pendurada na mesma licitação”.

O descaso e o menor preço

Problemas como os evidenciados por Medaglia se multiplicam pelo país e colocam em xeque a imagem da engenharia nacional. Em março último, dois prédios de um conjunto habitacional em Niterói, Grande Rio, construídos por meio do Programa Minha Casa, Minha Vida, tiveram de ser demolidos pois ameaçavam desabar. Orçadas em 22 milhões, as unidades habitacionais seriam destinadas aos sobreviventes da tragédia do Morro do Bumba. Em abril, um terceiro prédio apresentou problemas nas fundações. O Crea-RJ instaurou sindicância para apurar se houve negligência na obra, mas as falhas de projeto já são evidentes.

Em entrevista para a Agência Brasil, o conselheiro do Clube de Engenharia, Antonio Eulalio, destacou os erros no projeto: “Os estudos hidrológicos, geotécnicos, geológicos e topográ­ficos não foram levados em conta. Os custos dos projetos técnicos prévios equivalem, em média, a 3% da obra e podem signi­ficar uma economia de até 40% do total se forem bem conduzidos. Mas o empresário, às vezes, não tem noção, acha que aquilo é desnecessário e corta onde acha que pode cortar.

Acaba acontecendo isso”, declarou. “A Caixa, por sua vez, acompanha o cronograma físico e ­financeiro sem conhecer os detalhes do projeto”, criticou. Ricardo Khichfy, chefe da divisão técnica de Construção (DCO), concorda que parte da culpa é das ­ financeiras e cita também o esvaziamento econômico sofrido pela cidade do Rio de Janeiro. “Se antes as consultorias não davam conta dos inúmeros projetos de obras públicas em andamento, hoje, como resultado do esvaziamento econômico da cidade, elas não existem mais. Nossas obras tinham projetos, estudos aprofundados de engenheiros gabaritados. Hoje isso não acontece”, destaca. Em relação às obras priva-das, Ricardo aponta a falta de ­fiscalização por parte dos ­ financiadores. “Antigamente, eles (os ­financiadores) tinham um corpo próprio de engenheiros que ­ fiscalizava a apli-cação dos recursos e eram bastante rigorosos. Por isso as obras mais antigas estão em boas condições até hoje. A falta de ­ fiscalização dos financiadores é real. Têm como maior preocupação apenas a liberação das parcelas, sem se preocupar com o material e a qualidade do serviço. Isso é lamentável”, ­ finaliza. 

A contratação de serviços de engenharia pelo menor preço concorre para a queda na qualidade das obras. Para Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia, a Lei das Licitações é importante, mas tem esse aspecto negativo. “Hoje as obras são licitadas com projeto básico, às vezes com pré-projeto, quando só deveriam começar com um projeto executivo pronto. Na área de projeto, inclusive, não deveria nem haver licitação de preços. Você tem que ter gente de qualidade. Não dá para brincar com projeto”, destaca.

Francis também propõe a contratação de empresas especializadas no acompanhamento das obras para fazer a ­ fiscalização. “Com essas empresas envolvidas, teremos as empresas projetistas, as executoras e as que ­ fiscalizam tanto os projetos quanto as obras, resolvendo problemas de execução com equipes de inspeção. Isso é muito mais barato que qualquer outro sistema e deveria ser colocado no custo do empreendimento. Evita tragédias e gastos muito maiores mais tarde”, defende.

Seminários, palestras e um amplo movimento de mobilização da Diretoria Técnica e das Divisões Técnicas (DTEs) do Clube reúnem, com prioridade máxima, propostas e encaminhamentos de forma a contribuir para o resgate da imagem internacionalmente reconhecida da engenharia brasileira.

Matéria publicada na página 3 do jornal número 529 do Clube de Engenharia.

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