Após chegar a uma situação insustentável e travar toda a cadeia de exportação nacional, portos brasileiros são alvo de novas políticas do governo, em projeto polêmico que aposta na iniciativa privada para a revitalização do setor.

Em março o apagão dos portos alardeado há anos ­finalmente chegou ao noticiário. Enquanto clientes chineses cancelaram um pedido de 600 mil toneladas de soja, a ­fila de caminhões para descarregar no Porto de Santos chegou a 30 quilômetros. Tudo isso em meio a uma safra recorde de soja de 83 milhões de toneladas. O problema não é novo. Nos últimos dez anos, o comércio do Brasil com outros países triplicou e os portos, principal porta de entrada e saída de produtos exportados e importados, sofreram com isso.

Sem investimentos em infraestrutura que acompanhassem o crescimento econômico, os gargalos inevitáveis estão em todo lugar. Na água, os navios esperam em média 16 dias aguardando um espaço para atracar, ­ficando quase 90% do tempo da estadia inoperantes. Nos portos, os contêineres levam 11 dias para serem despachados, enquanto em outros países, o prazo não passa de 3 dias. Antes disso, são vistoriados pela Polícia Federal, Anvisa, Ibama, Receita Federal, Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e Governo Federal. Nas vias de acesso aos portos, ­filas quilométricas de caminhões apinhados aguardam um espaço para descarregar.

A operação de­ ciente dos portos para a demanda crescente gera atrasos que encarecem o preço do transporte das mercadorias. As multas aplicadas sobre os fretes marítimos são pagas pelo exportador ou importador brasileiro e as empresas perdem competitividade. Enquanto na Malásia o custo médio de exportação de um contêiner é de US$ 435,00, na China, US$580 e US$ 1.450 na Índia, no Brasil, paga-se em média US$ 2.215 por container. O custo de exportação nos Estados Unidos e Alemanha não chega à metade do praticado no Brasil.

Especialista em transportes, um dos fundadores da Valec e responsável pela organização do corredor Centro-Leste, Paulo Augusto Vivacqua, presidente da Academia Nacional de Engenharia (ANE), avalia que o custo do transporte de cargas no Brasil caminha na contramão do resto do planeta. “No mundo todo a regra é reduzir sempre o custo dos transportes. No Brasil é diferente. A tarifa é ­fixa em um patamar alto”, explica.

Mudanças necessárias

Esperando um crescimento sustentado da economia e respondendo aos problemas cada vez mais evidentes, o Governo Federal anunciou, ainda em 2012, um novo Marco Regulatório para o setor portuário. A Medida Provisória 595/12, conhecida como a MP dos Portos está em discussão na Câmara. Para garantir agilidade e competição, o governo apostou na liberação da movimentação livre de qualquer tipo de carga de terceiros em terminais de uso privado. Antes da MP, tais terminais só podiam movimentar carga própria.

Sob o regime de concessão de uso de bem público, a MP viabiliza a formalização em contratos de concessão e de arrendamento, mediante licitação, dos portos públicos, tendo como critérios, entre outros, a maior movimentação de carga e menores tarifas. O prazo de exploração é de 25 anos, prorrogável por mais 25 anos, com a reversão ao poder concedente de bens e instalações ao ­final do prazo contratual. Já os portos privados funcionarão através de contrato celebrado entre os interessados e a Secretaria de Portos (SEP). O prazo das autorizações também será de 25 anos, mas com prorrogações sucessivas, desde que o titular da concessão se comprometa com investimentos e dê continuidade às atividades de operação portuária na instalação. Pelo menos 53 terminais em 20 portos com contratos vencidos, como Paranaguá (PR), Rio Grande (RS), Itaqui (MA) e Recife (PE) serão objeto de processo de nova licitação.

Os portos de Santos (SP) e de Belém (PA) deverão inaugurar o processo de relicitação dos terminais públicos arrendados à iniciativa privada. A tendência do governo é fazer os novos arrendamentos por "blocos" de portos. Vivacqua vê com bons olhos a maior abertura do governo para a entrada do setor privado. “Não temos muito do que se orgulhar do nosso desempenho na área. É hora de abrir esse mercado e explorá-lo. Quanto mais concorrência, melhor”, destacou.

Divergências e fiscalização

A discussão no congresso segue e tem pontos polêmicos ainda em aberto. Um deles é a possibilidade de contratação direta de trabalhadores. Os terminais privados não precisarão contratar empregados por meio de um órgão gestor de mão de obra. As mudanças podem reduzir a demanda dos portos públicos, dependentes das regras rígidas do governo, como a exigência de licitações. Isso não será necessário em portos privados.

Dos 34 portos públicos do país – entre marítimos e fluviais – 16 são delegados, concedidos ou têm sua operação autorizada à administração pelos governos estaduais e municipais. A MP também muda esse panorama, centralizando as licitações e a ­ fiscalização do setor na Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq). Já a Secretaria Especial de Portos (SEP) assumirá o planejamento, de­finindo diretrizes para os processos licitatórios e seletivos. A MP criou, ainda, o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit); as comissões de Assuntos de Praticagem e a das Autoridades nos Portos (Conaportos). A Empresa de Planejamento e Logística (EPL) vai auxiliar no planejamento do setor.

Esse modelo de gestão está esbarrando em discordâncias no que se refere ao controle dos portos por parte dos estados e municípios que será substituído pelo controle centra-lizado federal. Alguns parlamentares acreditam que esse ponto poderá prejudicar o planejamento regionalizado, hoje feito pelos estados. Segundo a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann em recente audiência pública, a centralização reproduz um modelo que vem sendo usado em outros setores, como energia e aeroportos. “A agência reguladora faz as licitações, e o ministério setorial fecha os contratos e faz o acompanhamento”, explicou. Vivacqua vê a questão com descon­fiança: “Os maiores interessados em ter um porto funcional e e­ ciente são estados e municípios, além de seus cidadãos. Centralizar decisões tirando poderes dos mesmos é complicado. Per-deremos uma salutar concorrência entre estados e municípios”, destacou.

A proximidade da administração e investimentos nos portos dos cidadãos pode influenciar em um ponto que, segundo Vivacqua, é decisivo: a cultura e a participação popular. “Note o respeito que se tem com o Banco Central, por exemplo. Ali estão os grandes talentos, as vontades políticas não mandam, os posicionamentos são técnicos. Isso porque a economia é o coração do país e nisso não se mexe. Só esquecem que os transportes são também essenciais. Nessa área sim, mudam os ministros, cargos técnicos são ocupados por políticos, não há respeito”, destaca.

Matéria publicada na página 6 do jornal número 529 do Clube de Engenharia.

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