Empresário ocupa vaga da sociedade civil em conselho consultivo da Anatel

A presidenta Dilma Rousseff nomeou, conforme publicado no Diário Oficial da União (DOU), no dia 29, os novos membros do Conselho Consultivo da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A decisão vinha sendo esperada pelo menos desde fevereiro e foi objeto de discussão na última reunião do órgão. A decisão tomada pelo governo desagradou entidades da sociedade civil que se mobilizaram para disputar uma das vagas.

Os escolhidos pelo governo federal foram: Luis Roberto Antonik, da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), como representante das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações; Artur Coimbra de Oliveira e Octávio Penna Pieranti, como representantes do Poder Executivo; Fabiano André Vergani, do Sindicato de Empresas de Internet no Rio Grande do Sul (Seinergs), como representante das entidades representativas da sociedade. A decisão em favor deste último é objeto de controvérsia por se tratar de mais um representante das empresas do setor.

De acordo com a advogada Flávia Levefre, membro da Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor), o “Conselho Consultivo já é muito desequilibrado no que diz respeito à representação da sociedade e, ainda assim, insiste-se em colocar representantes dos empresários na vaga da sociedade civil”. Segundo ela, já há um espaço reservado para a representação empresarial e que seria monopolizado pelo setor mais forte. “Se as teles tem relação conflituosa com os provedores, a sociedade não tem nada a ver com isso”, afirma. Esse desequilíbrio, aponta a advogada, se agrava ainda mais pela capacidade dessas empresas influenciarem a política do setor através dos “lobbies”.

Para Marcello Miranda, conselheiro representante da sociedade civil que permanece na outra vaga reservada ao setor, “o governo erra mais uma ao nomear novamente uma pessoa que não representa a sociedade civil”. Diretor do Instituto Telecom, Miranda diz não se tratar de um questionamento dirigido à entidade nem à pessoa, mas à legitimidade na ocupação da vaga por representantes do empresariado. Segundo ele, há perda da diversidade necessária para a efetivação de uma dinâmica democrática, pois o Conselho Consultivo, deveria ser “um espaço realmente de diálogo da sociedade como um todo”.

Preterido na escolha da presidenta Dilma, apesar do apoio expresso por mais de 40 entidades das sociedade civil, o Diretor de Atividades Técnicas do Clube de Engenharia do Brasil, Márcio Patusco, afirma que deve entrar com uma ação contra a decisão. Em 2002 e 2008, a ação do Ministério Público garantiu a saída de representantes de empresas como a Embratel, Telemar e Brasil Telecom das vagas reservadas à sociedade “não-empresarial”.

Nas palavras da promotora do caso em 2002, “a lei buscou um Conselho Consultivo onde não deve predominar um só conceito ou visão do serviço de telecomunicações, mas sim uma junção de noções e avaliações vistas por segmentos que prestam e usam o referido serviço, com o objetivo lógico de aprimorar a sua prestação... Assim, a designação de membro que não representa a sociedade, e sim defende interesses de empresas de telecomunicações, desfigura a mens legis de ver no Conselho Consultivo da Anatel as visões e posições de todos os segmentos ligados à prestação do serviço de telecomunicações... o que afronta os princípios da moralidade e legalidade e faz grave ofensa aos consumidores”.

Como já foi dito pelo presidente do Clube de Engenharia do Brasil, Francis Bogossian, em artigo publicado no Correio Braziliense , “a sociedade está de um lado do balcão, os provedores de serviço estão no outro”. Não seria, assim, o caso de impedir a participação de determinado segmento, mas de não permitir a sobrerrepresentação em detrimento de uma participação mais diversificada.

Para o professor Murilo Ramos, professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB), o caso expressa “a fragilidade dos processos de composição desses organismos”. Segundo ele, é comum quem em conselhos de comunicação o empresariado pressione para ocupar a vaga da sociedade civil, na medida em que a própria determinação do que constitui esse setor parte de uma noção vaga. Dessa forma, ficaria evidente a “arena de disputa de interesses”, resultando em composições como a do Conselho Consultivo da Anatel, que, para ele, “pode não ser legítimo, mas é legal”.

Ramos afirma, ainda, que é preciso entender a postura do governo federal para compreender o problema. “O governo acaba legitimando isso. Tem que entender o papel que o governo cumpre nisso”, aponta. O pesquisador questiona, por seu funcionamento, a própria relevância do Conselho Consultivo, que nunca haveria incidido de fato em alguma política do setor. “O Conselho é irrelevante para a Anatel. Foi uma boa intenção ou a consciência culpada tucana na época da privatização. Não dá para dizer que o governo tenha tomado alguma decisão relevante em relação à política e regulação do setor com participação do Conselho”, defende.

Por Bruno MarinoniObservatório do Direito à Comunicação

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