Conferência das Cidades abre os debates nos municípios e estados sobre a reforma urbana que os brasileiros precisam e merecem

Palco de grandes momentos da história nacional, o Clube de Engenharia continua se alinhando cada vez mais aos movimentos da sociedade civil organizada por meio de bandeiras comuns. Uma dessas lutas – a participação social direta na concepção e gestão das cidades em seus mais diversos níveis – trouxe para a entidade a Conferência Muni-cipal das Cidades, em 18 e 19 de maio, no auditório do 25º andar. Estavam presentes Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia; Pierre Batista, secretário municipal de Habitação; Reimont Luiz Santa Bárbara, vereador da cidade do Rio; Giovana Victer, do Ministério das Cidades, entre outros. Em debate, a universalização do direito à cidade, o acesso à moradia digna, aos serviços de saneamento ambiental e à mobilidade urbana.

 

Ao longo dos meses de março e abril aconteceram as reuniões preparatórias com a constatação de que a urbanização brasileira tem como principais marcas a “perife-rização” das metrópoles, a expansão das favelas e loteamentos irregulares e o apare-cimento de núcleos de classe média e condomínios fechados na periferia, caracterizando um espaço urbano desigual, complexo e heterogêneo. Somado a esse cenário, o país vive momento único de crescimento. É nesse contexto que a Conferência das Cidades busca estabelecer a interlocução entre autoridades e gestores públicos com os diversos segmentos da sociedade, que se torna ainda mais importante às vésperas de grandes eventos internacionais. No caso do Rio de Janeiro, a questão é determinante, uma vez que a cidade vem passando por profundas modificações urbanas e sociais, com grandes investimentos dirigidos às Olimpíadas e demais megaeventos que terão o Rio como sede.

Membro do comitê organizador da Conferência, Alcebíades Fonseca, chefe da divisão técnica de Transporte e Logística (DTRL), destaca a pertinência dos debates esse ano. “A urbanidade e suas vertentes de caráter urgente, como a mobilidade, a repartição democrática do solo urbano – sem remoções e com controle social –, as obras emblemáticas demandadas pelos megaeventos e os critérios construtivos ameaçados pelas tentativas de se entregar obras em tempo recorde são problemas reais e precisam ser gerenciados.” Para Alcebíades, o papel do Clube de Engenharia nesse processo é da maior importância, por se tratar de uma entidade “que representa a classe profissional mais envolvida com o progresso urbano e que não tem vínculo oficial partidário, com uma legitimidade social única”.

Faces do Rio

Com o tema “Quem muda a cidade somos nós: reforma urbana já”, os debates que aconteceram no Clube de Engenharia em maio serão levados para a etapa estadual e, posteriormente, para a 5ª Conferência Nacional das Cidades, entre 20 e 24 de novem-bro. Ideias e propostas serão discutidas para que se somem ao Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano (SNDU), que desde a primeira conferência tem sido pensado para promover a reversão do crescimento não ordenado e não sustentável das cidades.

Entre os temas debatidos na etapa municipal estavam o funcionamento do Conselho da Cidade e sua eficácia no que tange à participação da sociedade civil em deliberações sobre as políticas urbanas locais. A adesão do município ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social, o andamento dos projetos de regularização fundiária e o aparelhamento das áreas habitadas com luz, esgoto, coleta de lixo, transporte, comércio e serviços também foi tema de debates.

Para o professor doutor Olavo Alves dos Santos Júnior, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a etapa municipal da conferência no Rio de Janeiro foi frágil. “Não houve participação efetiva dos gestores municipais, daqueles que têm poder de decisão. A prefeitura do Rio, infelizmente, tem apostado em uma política urbana com um padrão fundado na não discussão dos problemas da cidade e na ausência de debate democrático sobre os investimentos das Olimpíadas e demais megaeventos”, destacou o professor.

Os desafios

Pensar as cidades de forma ampla e, ao mesmo tempo, de forma integral e não fragmentada é um desafio que o governo federal vem buscando enfrentar desde 2003. Na fase municipal, grupos de trabalho compostos por representantes dos movimentos sociais, poder público, entidades de classe e sociedade civil debateram as melhores políticas de incentivo à implantação da função social da propriedade, a participação e controle social no SNDU, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano (FNDU) e possíveis instrumentos e políticas de integração intersetorial e territorial. Vencer os muitos desafios das cidades brasileiras, no entanto, tem se mostrado uma tarefa árdua.

Segundo Maria de Lurdes Lopes, coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), que representou os movimentos sociais em uma das mesas da conferência no Clube de Engenharia, é preciso fazer a análise crítica no que diz respeito à falta de comprometimento das instâncias de governo na construção e, principalmente, na implementação de uma concepção de gestão descentralizada e democrática das cidades. “Todo o sistema depende muito do entendimento e da vontade política dos gestores públicos e eles demonstram claramente que não querem se comprometer com esse modelo democrático”, denuncia.

Maria de Lurdes destaca, ainda, que tanto em nível municipal quanto estadual, a construção desse sistema descentralizado e integrado tem sofrido retrocessos. “Os esforços conjugados no sentido da construção desse sistema têm sido desconsiderados. Embora precisemos de ações integradas e compartilhadas com a sociedade civil, elas seguem desconectadas, sem planejamento prévio. São cada vez mais pulverizadas e, mesmo as ações do governo federal, não ultrapassam o perfil de projetos, no máximo de programas, sem alcançar caráter de política pública de fato”, lamenta. Olavo concorda: “Temos um sistema federativo, uma estrutura nacional que retalha, fragmenta as competências entre os diferentes níveis de governo e temos uma tradição de tratamento da questão urbana também de forma fragmentada institucional e setorialmente. Integrar as políticas setoriais e níveis governamentais para se ter de fato uma política urbana é o desafio”, explica.

Os interesses econômicos contrários à construção proposta pelas conferências também têm destaque. “Se por um lado há o Conselho Nacional e o Ministério das Cidades, do outro temos os empresários, a Fifa e demais segmentos da esfera pública e privada que não têm interesse em subordinar suas intervenções ao controle social. Além disso, o pacto federativo coloca nos municípios a responsabilidade pela política urbana, e isso traz enorme dificuldade e complexidade, sobretudo no ambiente que vivemos de globa-lização neoliberal onde se acirra a disputa intermunicipal. E construir um sistema funda-do na cooperação e não na disputa acaba sendo trabalho difícil quando ele exige a livre adesão dos envolvidos, sem uma imposição”, destaca Olavo.

Transporte e mobilidade

O transporte e a mobilidade, temas cada vez mais críticos no Rio, foram temas exclusivos de um dos grupos de trabalho. A integração entre os modais e a participação direta da população no planejamento e implementação de obras e serviços de transporte foram destaques. Com especial interesse no assunto, o Clube de Engenharia, fundador e sede do Fórum Permanente de Mobilidade Urbana do Rio de Janeiro, levou à conferên-cia a necessidade de uma monitoração das ações concretas das prefeituras para implementar a nova Lei de Mobilidade Urbana, promulgada pela presidenta Dilma em janeiro de 2012, incluindo os movimentos feitos no sentido de se criar, de fato, os Conselhos Municipais de Mobilidade. “Um dos principais focos do fórum é exatamente esse: influir decisivamente para que os poderes Legislativo e Executivo da região metropo-litana implementem os seus conselhos municipais”, explicou Alcebíades, que também é um dos coordenadores do fórum.

Segundo ele, a conferência criou um espaço importante de proposições claras para as etapas seguintes. “No geral, foi um sucesso. O espaço do Clube foi perfeito pra receber o evento que correu em total tranquilidade, custou menos de 10% da sua edição passada e apresentou resultados. O Clube, Crea-RJ e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RJ) foram confirmados para compor o Conselho das Cidades e seus representantes no evento – Uiara Martins pelo Clube de Engenharia, Alcebíades Fonse-ca pelo Crea-RJ e Kátia Fará pelo CAU-RJ – foram eleitos como delegados para as próximas etapas.”

Construção a longo prazo

O longo caminho que vem sendo percorrido pelas Conferências das Cidades na construção de um planejamento participativo é um processo contínuo que completa dez anos em 2013, ano em que o Conselho das Cidades foi eleito, durante a 1ª Conferência Nacional das Cidades. A 1ª conferência também estabeleceu parâmetros para a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano, com foco no combate à segregação, no direito à cidade, acesso universal à moradia digna, e na gestão descentralizada. A 2ª conferência aprovou o princípio da gestão democrática, da participação e do controle social como diretriz das políticas de planejamento urbano. A 3ª conferência teve foco no avanço na construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), na construção do Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano, na Política de Regularização Fundiária e na Política de Prevenção e Mediação de Conflitos Fundiários Urbanos.

O objetivo principal da 4ª Conferência Nacional das Cidades evidencia a relevância da 5ª edição que está por vir. Nela, foi feito um balanço de conquistas e desafios acumu-lados ao longo do processo de construção da PNDU e ficou evidente uma forte necessidade de avanço. Segundo os documentos base da 5ª conferência, as estratégias de indução do governo federal em direção aos níveis de governo tiveram baixa efeti-vidade. O documento aponta as poucas competências deliberativas do Conselho das Cidades e a ausência de uma lei que regulamente o SNDU. De acordo com o texto, “a capacidade deliberativa do conselho é muito mais resultante da sua força social do que de suas atribuições institucionais legais”.

Segundo o professor do IPPUR, Olavo Alves dos Santos Júnior, o texto nacional da 5ª Conferência Nacional das Cidades é muito bom, uma vez que sai do campo das diretrizes gerais, como nas edições anteriores, e determina datas e compromissos. “A discussão é difícil, mas está gerando um debate que pode garantir avanços no plano nacional. É preciso alimentar esse debate. A questão do planejamento não é um luxo, mas uma ferramenta para subordinar os agentes do mercado ao interesse público. Sem uma ação planejada, vigoram as leis do mercado e vale a lei do mais forte”, finaliza.

Matéria publicada nas páginas 4 e 5 do Jornal número 530 do Clube de Engenharia.

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