No centenário de Abdias Nascimento, o Clube de Engenharia debate igualdade racial e a necessidade da luta pela valorização da cultura negra no Brasil


Escritor, jornalista, artista plástico, teatrólogo, ator, poeta e político, Abdias Nascimento foi um dos maiores ativistas da luta pelos direitos humanos no Brasil e, especialmente, pela cidadania da população afrodescendente. Abdias, se vivo, completaria 100 anos no dia 14 de março, data em que o Clube de Engenharia promoveu o evento “Democracia racial: atingimos os objetivos?”, marcado pela presença de autoridades e ativistas pela igualdade racial. O presidente do Clube, Francis Bogossian, combateu desigualdades que permanecem na atualidade e corroborou a trajetória da entidade na luta pelo fim do racismo. Francis noticiou que após solicitação do Clube de Engenharia, a prefeitura construirá uma estátua em homenagem aos irmãos Rebouças que será instalada entre as galerias do túnel Rebouças.

A viúva de Abdias e diretora do Instituto de Pesquisas e Estudos Afro Brasileiros, Elisa Larkin, destacou o importante papel do ativista na luta pelo reconhecimento da importância da cultura africana e afro-brasileira para o país. “O mundo do samba e das religiões de origem africana precisa ser reconhecido. São as bases da cultura brasileira”, defende Elisa. A pesquisadora lembrou o quanto o racismo no Brasil ainda está presente e desconstruiu o mito da democracia racial. “A ideia de que existe democracia racial fez com que a sociedade enxergasse que o alvo do racismo não tivesse direito de lutar contra a opressão. Dizer que não se pode falar em raça é também um discurso que serve para combater as ações afirmativas. É um fundamento falso, porque quando falamos em racismo, na existência de grupos raciais, não estamos falando em genética e nem em biologia, a questão é histórica, cultural e social”, esclareceu.

Para Elisa, essa construção ideológica fez com que a população negra no Brasil não formasse sua identidade referenciada na cultura negra, rejeitando essa identidade. “E aí não faz sentido votar em candidatos que representem essa causa, já que não há identificação. Por isso temos tão poucos parlamentares negros, por exemplo”, concluiu.

O presidente e fundador do Instituto de Cultura e Consciência Negra Nelson Mandela, José Carlos Brasileiro, trabalha há 19 anos com a inclusão de presos e o retorno de ex-presos ao convívio social. A Fundação Nelson Mandela, assim como a Fundação Malcom X, é uma das únicas no mundo que foi fundada dentro de uma unidade prisional, segundo José Carlos. Emocionado, Brasileiro falou sobre o legado de Mandela à luta contra o racismo e sobre sua experiência como egresso penitenciário que cumpriu 16 anos de prisão nos anos 70. “Presos vivem num total abandono, mas pior do que ficar preso é encontrar, na liberdade, uma sociedade que nega sua reintegração. Sinto-me na obrigação de debater e lutar para mostrar para a sociedade que os muros altos não servem para que os presos não fujam, mas sim para que a sociedade não saiba o que acontece lá dentro”, afirmou.

Sobre a abolição da escravatura e a história dos irmãos Rebouças, o professor da Coppe/UFRJ, Luiz Bevilacqua, deu ênfase à importância de manter viva a luta pela liberdade. “Quem possui a terra, possui o homem”, disse André Rebouças ao defender que a integração social concreta dos ex-escravos dependia fundamentalmente da modificação da estrutura fundiária, ou seja, da reforma agrária. Segundo Bevilacqua, a questão agrária ainda permanece como um dos problemas fundamentais da desigualdade no Brasil. “Devemos sempre honrar as grandes figuras como irmão Rebouças, mas sobretudo devemos continuar perseguindo os sonhos dessas pessoas, cumprindo seu legado. Não podemos deixar morrer os sonhos de André Rebouças”, defendeu.

A memória de Martin Luther King Jr. e de seu mais famoso discurso, Eu Tenho Um Sonho (I have a dream), que completou 50 anos em 2013, foram lembrados pelo vice-cônsul dos Estados Unidos de assuntos Políticos, John Callan. “As ações de Martin Luther King Jr. mudaram o caráter dos Estados Unidos. Os valores defendidos por ele nos deixaram mais fortes e tornaram a justiça mais atingível. Os direitos que ele ajudou a alcançar têm se expandido para o mundo, permitindo um maior intercâmbio cultural entre as nações. Acreditamos, como ele, que todo ser humano deve ter o direito de ser livre”, destacou Callan, que fez um apanhado dos pontos mais importantes da história do militante.

Francis Bogossian entregou aos convidados e autoridades uma medalha de homenagem aos que lutam pela igualdade racial. Entre eles, a deputada federal Benedita da Silva, que declarou-se orgulhosa em ver que o Clube de Engenharia se mostra como palco para abrigar as lutas travadas no cotidiano. “Espero que possamos comemorar juntos o dia em que nos respeitaremos neste país e não precisaremos mais falar em democracia racial, pois ela será realidade”, disse. Benedita afirmou, ainda, que existem alguns pontos que o Brasil precisa seguir para atingir este objetivo, entre eles, o cumprimento do Estatuto da Igualdade Racial em sua plenitude, o ensino da cultura afrodescendente nas escolas e a nacionalização das ações afirmativas.

Também receberam a medalha: os sambistas e compositores Nelson Sargento e Monarco, que frisaram a importância do ensino da cultura negra nas escolas; o ator Antonio Pitanga, que defendeu que a história e a cultura africanas devem estar no currículo escolar, afirmando que “precisamos de mais familiaridade com o assunto” e William Reis, do Grupo Cultural AfroReggae, que além de destacar o dever do grupo de se posicionar sobre os últimos casos de racismo acontecidos no Rio de Janeiro, falou sobre a necessidade permanente de compromisso com a diversidade cultural num país diverso como o Brasil.

Veja aqui mais fotos do evento.

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