Por J. Carlos de Assis

 

1.Aspectos econômicos

A economia brasileira, que vem de uma situação de estagnação em 2014, caminha celeremente para uma depressão neste ano. Contribuem para isso um severo ajuste macroeconômico decidido pelo Ministro da Fazenda, o qual se superpõe às consequências internas da prolongada recessão nos países industrializados avançados, principalmente na Europa, e às determinações judiciais e administrativas no rastro da crise da Petrobras.

A extensão do ajuste foi uma opção interna. Tecnicamente o Governo tem pouca margem de manobra na política macroeconômica em função do elevado déficit anual em conta corrente, da ordem de 91 bilhões de dólares.  Caso tentasse, como em todos os países ricos, reduzir drasticamente a taxa de juros para estimular a economia, cessaria a entrada de capitais, com risco de afetar negativamente, e num curso rápido de tempo, as reservas internacionais, sem perspectivas visíveis de uma reversão à frente.É fato que temos reservas elevadas, da ordem de 380 bilhões de dólares. Uma grande parte delas, contudo, corresponde a inversões financeiras especulativas que se retirariam do Brasil na hipótese de uma queda acentuada da taxa básica de juros. É uma situação injusta, mas inescapável: investidores externos sacam dinheiro a 0,25% no FED para aplicar no Brasil a 12,25%, sem qualquer contribuição ao setor produtivo. É uma extorsão. E o pior é que nos tornamos dependentes financeiros deles.

Também no campo da política fiscal temos pouco espaço para estimular a economia. Uma iniciativa nessa direção seria no sentido de zerar ou manter o déficit primário num movimento clássico keynesiano de financiar os gastos governamentais superiores à receita fiscal através de nova dívida pública, o que foi feito em 2013, porém sem evitar a recessão. Contudo, caso se faça isso novamente, as agências de risco provavelmente desclassificarão o Brasil dificultando e encarecendo a captação e renovação de empréstimos externos, mais uma vez afetando a cobertura do déficit em conta corrente.Esse espaço de manobra torna-se ainda mais estreito quando se considera a inflação. 
Uma série de correções de preços já realizada terá impacto nela, com efeito prolongado porque a economia ainda está em grande parte indexada. Por outro lado, uma desvalorização do câmbio que tivesse impacto positivo a curto prazo na balança comercial e redução do déficit em conta corrente poderia ter também severos impactos inflacionários. A despeito dessas restrições, é possível que o ajuste adotado esteja sendo exagerado. 

Com a estagnação nos países ricos, temos pouca chance de ampliar nossas exportações para eles, seja de commodities minerais e agrícolas, seja, principalmente, de manufaturados. As importações mundiais de nossas commodities estão estagnadas ou em queda em termos de quantidades e de preços. A China é ainda uma grande importadora, mas também ela está em desaceleração. Ademais, no campo de manufaturas, não conseguimos concorrer com ela.

Nos últimos anos encontramos um significativo mercado de exportações na América Latina, e notadamente na América do Sul. Contudo, os países sul-americanos são especializados em commodities minerais e agrícolas, sendo extremamente afetados, como nós, pela crise dos ricos. Por certo que encontraremos algum espaço para vendas externas em nichos como a Embraer, mas não serão suficientes para alavancar a economia ou evitar a depressão.

Os países ricos não só não aumentarão suas importações do Brasil como pretendem continuar uma estratégia de aumento de exportações para nós. A Europa, em ajuste fiscal desde 2010, só tem como saída de crescimento aumentar suas exportações. EUA e Japão estão fazendo o mesmo, sendo que o presidente americano, anualmente, confirma seu propósito de que o país dobre suas exportações em cinco anos. Com efeito, temos elevado déficit comercial com ele.

A esse quadro se superpõe a crise na Petrobras. O setor petróleo, por ela liderado, responde por mais de 10% da economia brasileira. Em torno da empresa central gravita uma rede de empresas grandes, médias e pequenas, construtoras e fornecedoras, entre estas a indústria naval, em geral privadas, que respondem, em seu conjunto, por mais de 500 mil empregos diretos e três vezes mais de indiretos. São nervos da economia brasileira.

As investigações em andamento da Lava Jato, em função de ampla cobertura da imprensa, criaram na sociedade a expectativa de punição exemplar para os crimes praticados contra a Petrobras e o povo brasileiro. Entretanto, o esperado rigor punitivo não está distinguindo entre pessoas físicas, os reais culpados quando isso for comprovado, e pessoas jurídicas, o instrumento da culpa. O fato é que é um equívoco econômico e social destruir empresas.

Uma empresa não é apenas uma organização social que visa à produção específica de um bem ou serviço; é um centro de relações econômicas, financeiras e trabalhistas. Quando o Governo deixa de pagar serviços ou fornecimentos prestados por uma empresa, e vencidos, a consequência é uma reação em cadeia onde a cada obrigação vencida e não paga corresponde outra obrigação vencida e não paga a outra empresa, ou a um banco, e assim sucessivamente.

Quando isso ocorre com uma única empresa, sobretudo se for pequena ou média,  o regime falimentar funciona no sentido de atender pelo menos parcialmente os credores da empresa a fim de limitar os estragos na cadeia de pagamentos. Contudo, se for uma grande empresa – e, principalmente, se for um conjunto de grandes e médias empresas, os riscos para a economia são incomensuráveis, e as consequências para o emprego são dramáticas.

Tome-se o exemplo do banco Lehman Brothers nos Estados Unidos. Era apenas o quinto maior banco de investimento do país. O Governo Bush decidiu deixá-lo quebrar de forma exemplar em 2008, e o fato é que esse exemplo custou a centenas de milhões de pessoas uma crise mundial que ainda persiste, desemprego de 25% em vários países, e 7 trilhões de dólares em socorro governamental ao sistema capitalista mundial.  O juiz  Sérgio Moro, da Lava Jato, pretende cancelar ou suspender todos os contratos em andamento da Petrobras. Em outras palavras, pretende quebrar a cadeia de pagamentos de uma empresa que é o centro de articulação de todo o setor petróleo, ou mais de 10% da economia, e cujas relações indiretas se estendem a fronteiras econômicas ainda muito mais amplas. As consequências, para o emprego, são obviamente devastadoras, e já acontecem.

2. Aspectos políticos

Saímos de uma eleição onde o eleitorado se viu vir
tualmente rachado ao meio e cujo resultado parece não ter sido absorvido pela oposição. Para atenuar a resistência a seu novo mandato a Presidenta entregou a gestão da economia a um quadro alinhado à oposição. Não está funcionando, pois, a despeito do ajuste fiscal rigoroso, o Governo está sob fogo cerrado, e já se fala abertamente em impeachment, combinando-se crise econômica com crise política.

É importante compreender o contexto mundial da crise. Para tentar atenuar sua estagnação econômica os países capitalistas centrais buscam expandir sobre os países emergentes e em desenvolvimento as fronteiras do capitalismo  privado. Isso significa desestruturar os Estados social-desenvolvimentistas, em especial os emergentes reunidos em torno dos BRICS, nos quais ainda se encontram empresas públicas eficientes e poderosas.

O ataque à Petrobras como instrumento de desenvolvimento estatal se aproveita do pretexto da corrupção. Entretanto, também está sob ataque o BNDES, outro importante instrumento do desenvolvimento brasileiro,  e também a CEF, onde não se fala em corrupção, mas em crédito subsidiado – como se fosse pecado esse meio de política industrial e social. A Eletrobrás também está sob ataque mediante a amplificação de uma crise energética, no entanto totalmente sob controle. 

Prepara-se, assim, uma nova onda privatizante para atender ao apetite dos países capitalistas centrais que querem tirar seus nacos da Petrobras, privatizar as geradoras elétricas, transformar o BNDES num banco de investimento estruturalmente privado. Querem, ainda, abrir o mercado das empresas de serviços, ou seja, as construtoras, um dos poucos setores da economia brasileira em mãos de capitalistas internos. E já se sinaliza saúde e educação. 

A estratégia, no caso desses serviços públicos considerados essenciais, consiste em forçar o Governo a estrangular seus orçamentos a pretexto de fazer superávit primário, para que depois, diante da queda de qualidade dos serviços, tentem ganhar da opinião pública apoio para sua privatização. Note-se que muitos privatistas já se posicionam para ganhar parte dos recursos do pré-sal que serão destinados a educação e saúde.

Entretanto, o perigo imediato é o sistema Petrobras e a Engenharia Nacional. Muitos temem defendê-las para não se exporem tendo em vista o noticiário tendencioso de grande parte da mídia que põe empresas e dirigentes no mesmo saco. Entretanto, temos um grupo de instituições – centrais sindicais, UNE, federações de trabalhadores, instituições civis – que preparam a defesa do Estado social-desenvolvimentista sob o nome de Aliança pelo Brasil.

A essência da nossa proposta é a preservação do emprego. A situação atual de quase pleno emprego é ilusória. Como dito acima, o ajuste fiscal era inevitável. Contudo, está em dose exagerada, e de forma alguma defensável quando feito na base de suspender ou bloquear pagamentos devidos do Estado . A desmobilização forçada de empresas sob o pretexto genérico de corrupção condena  ao desemprego centenas de milhares de trabalhadores. E em face do clima hostil criado contra elas, grandes empreiteiras que têm outras atividades já decidiram sair do setor de construção pesada, com grande perda de tecnologia para o país.

3. Uma saída possível

É fundamental, tendo em vista o atual quadro político e econômico conturbado, que entidades de alto prestígio nacional, como o CNBB e OAB, atuem como conselheiros do Governo no sentido de assegurarem a defesa da Engenharia Nacional. Mesmo sem a crise na Petrobrás a crise econômica se anunciava forte. Com ela, poderemos repetir o desastre do Plano Collor, que resultou numa contração de mais de 4% da economia num ano.

É que temos saída. Depois que passar esta tempestade, ou mesmo contribuindo para seu arrefecimento,  para atacar os problemas brasileiros no plano estrutural, em especial o déficit em conta corrente – que limita drasticamente a soberania da política econômica -, um grupo de especialistas está propondo o Projeto Transul, para o  qual também pediremos o apoio de entidades da sociedade civil e sindicais. A China tem graves problemas de poluição e escassez de água, enquanto nós temos vastos recursos minerais e agrícolas, água e fontes energéticas limpas no Norte e no Centro Oeste. A ideia é propor à China o outsourcing no Brasil de sua indústria de metais, o que coincide com recente decisão do Conselho de Estado chinês no sentido de incentivar investimentos externos do país em siderurgia e metalurgia . Isso seria o início de uma escalada numa nova fase de industrialização no Brasil de forma a dar uma luz de esperança para nosso futuro pela articulação industrial de nossa economia à da área que mais cresce no mundo.

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