Tecnologia e Sociedade - Por que a Revolução Industrial começou na Inglaterra?

 

Por Sergio Augusto de Moraes*

Se algum letrado do século XV dissesse que aquelas ilhas separadas da Europa pelo Canal da Mancha iriam transformar-se na “oficina do mundo” alguns séculos depois seria tachado de louco.

Por que em 29/05/1453 o sultão Maomé II, à frente do exército otomano, toma Constantinopla, coloca um ponto final no Império Romano do Oriente e assegura seu domínio sobre o Mediterrâneo Oriental e os Balcans? Há muitos séculos o Império Otomano mantinha a dianteira sobre a Europa. Suas cidades eram mais limpas, algumas tinham esgotos, universidades, bibliotecas. Nas matemáticas, na fabricação de canhões, na criação de cavalos, na medicina e em outros setores ele estava na frente. Nessas alturas o Império tinha mais de 15 milhões de súditos enquanto na Inglaterra eles não passavam de 2,5 milhões. Londres era uma cidade suja, suas ruas eram enlameadas e mal iluminadas. 

Há males que vêm para o bem, diz um provérbio popular. A tomada de Constantinopla pelos otomanos empurrou os europeus a buscar outro caminho para continuar o indispensável comércio com as Índias e a China. Portugueses, espanhóis, holandeses, franceses e ingleses construíram as caravelas e as carracas e jogaram-se no Oceano Atlântico à busca de uma nova rota.

Esse movimento levou às descobertas das primeiras décadas do século XVI que  mudaram a face da Europa e do mundo. Entre 1510 e 1550 o volume do comércio transatlântico aumentou oito vezes e foi multiplicado por três entre 1550 e 1610. Era o início da primeira globalização.

A Inglaterra vinha fazendo um percurso sui generis. A Carta Magna de 1215 já previa a subordinação do rei ao parlamento, coisa rara naqueles tempos. Em 1534 proclama a Ata da Supremacia, que rompe relações com Roma e, depois, torna-se conhecida como a Declaração de Independência de Henrique VIII. Os assuntos amorosos do rei jogaram um papel nesse evento, como muitos cineastas procuram mostrar. Mas se olharmos o seu lado pragmático veremos que Henrique VIII podia ser mulherengo, mas não era bobo: as rendas que antes iam para Roma triplicaram a receita real.

Daqui até o fim do século seguinte vários acontecimentos singulares marcaram a trajetória das Ilhas Britânicas. Quando no início do século XVII os fornos de fundição de ferro de Lancashire entraram em decadência por falta de madeira a saída encontrada foi a ampliação das minas de carvão de Newcastle cujo produto substituiu com vantagens o anterior e impulsionou a metalurgia inglesa. A Inglaterra era rica em carvão o que lhe deu uma vantagem significativa sobre a França, pobre deste minério.

Ao mesmo tempo deu-se continuidade à política dos cercamentos, para aumentar o rebanho de ovelhas e a lã para a manufatura têxtil, que expulsava os pequenos proprietários rurais de suas terras criando um exército de trabalhadores que, para sobreviver,tinham que se submeter a jornadas de trabalho que chegavam a 18 hrs/dia.

Também por esses antecedentes é que a crise que abalou a Europa Ocidental no século XVII reforçou o absolutismo em todos os países do continente com exceção da Holanda e da Inglaterra. Mas só neste último país aperfeiçoou e consolidou  um sistema político, implantado pela revolução de 1640/1660, liderada por Cromwell, que criou excepcionais condições para a expansão do capital comercial e industrial.

A Revolução Industrial, iniciada no último quartel do século XVIII, teve inúmeros outros atores, acontecimentos e encruzilhadas. Mas sem os antecedentes apontados acima e, em particular, a revolução liderada por Cromwell seria duvidoso que ela ocorresse na Inglaterra.

*Sergio Augusto de Moraes é engenheiro, conselheiro do Clube de Engenharia e autor do livro “Viver e Morrer no Chile”.

 

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo