Telecomunicações: mudanças na legislação podem não beneficiar a maioria da população

Sucessivas tentativas de mudar a legislação que regula as telecomunicações vêm sendo empreendidas no legislativo. O objetivo é flexibilizar as obrigações das prestadoras de serviços, o que pode se traduzir em redução da qualidade dos serviços, em especial para o acesso à internet. Neste contexto, na última reunião do Conselho Diretor, em 11 de abril, foi aprovado posicionamento oficial do Clube de Engenharia contra os caminhos que os debates sobre a nova legislação do setor vêm tomando. O documento destaca a falta de diálogo entre o Ministério das Comunicações, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e o Legislativo, ainda que nos três espaços a flexibilização seja o resultado final. Para o Clube de Engenharia “é um erro adotar tais medidas na atual situação das telecomunicações nacionais, que só servirão para acentuar ainda mais as desigualdades de atendimento existentes e o favorecimento aos grandes prestadores de serviços”.

Veja abaixo, na íntegra, o posicionamento oficial do Clube.

 

Posicionamento do Clube de Engenharia sobre as iniciativas em relação ao novo modelo de prestação de serviços de telecomunicações no país e modificações na LGT

Flexibilizar uma legislação de prestação de serviços é cabível
 quando as principais condições dessa prestação encontram-se em um curso
 satisfatório ou num caminho de adequação a um cenário de compromisso de melhorias acentuadas pelos seus diversos atores.

 Este NÃO é o caso das telecomunicações no Brasil.

As telecomunicações brasileiras apresentam diversos problemas – tais como acesso apenas para uma parte dos brasileiros, desigualdades regionais, serviços caros, qualidade ruim e desrespeito a direitos dos usuários.  As diversas tentativas atuais de mudança da legislação da área visam retirar obrigações aos prestadores de serviço, em um movimento que na prática pode piorar muito as condições destes serviços, em especial das redes necessárias para o acesso à Internet de qualidade por toda a população. Atualmente, 50% dos domicílios brasileiros não estão conectados à Internet, barreira que pode se tornar ainda mais difícil de superar com as alterações propostas.

Tendo em vista as recentes declarações de representantes ligados ao Grupo de Trabalho que irá propor as mudanças para um novo modelo de prestação de serviços e modificações na Lei Geral de Telecomunicações – LGT, o Clube de Engenharia gostaria de externar suas preocupações quanto ao caminho que a nova regulamentação tende a adotar.

Inicialmente identificamos iniciativas distintas por parte do Ministério, da Anatel e do Legislativo, que aparentemente não dialogam e que em alguns pontos chegam a ser conflitantes. Pela Anatel, uma proposta de manter a atual legislação para pontos específicos do território nacional em regime público, convivendo com autorizações para o restante do país, foi recentemente emendada para a criação de um denominado “Serviço Convergente”, ainda sem grandes esclarecimentos e discussões. No Ministério, a ideia corre por conta do fim da divisão entre regime público e privado, passando a prestação dos serviços a ser exercida por uma “autorização com mais obrigações”. E finalmente no Legislativo, a proposta se baseia em pontos específicos da regulamentação, mas que cria requisitos mais restritivos para que um serviço passe a ser prestado em regime público.

Todas as iniciativas acima seguem na direção de flexibilizar a regulamentação vigente e retiram obrigações dos prestadores de serviço. Ora, uma maior liberdade na legislação de serviços poderia até ser considerada se o cenário das telecomunicações nacionais estivesse com resultados adequados em seus principais indicadores, o que não é o caso. Senão, vejamos:

. Brasil em 61º lugar em índice de recursos de TICs - Tecnologia da Informação e Comunicações (Relatório da União Internacional de Telecomunicações - UIT);

. Brasil em 68º lugar em uma cesta de tarifas (Relatório da União Internacional de Telecomunicações - UIT);

. Brasil em 84º lugar em disponibilidade de conexões de rede (Relatório do World Economic Forum-WEF);

. Brasil em 93º lugar em media de velocidade de internet (Relatório da Consultoria Akamai);

. Balança comercial de eletroeletrônicos seguidamente em déficits anuais de cerca de 30 bilhões de dólares  (Relatório da Abinee);

. Índices de qualidade não atingidos nos diversos serviços (Relatório Anatel para o ano de 2015 recém divulgado);

. Um abismo digital de 32 milhões de domicílios sem acesso à internet, com atendimento de 60% dos domicílios na região Sudeste contra apenas 37% na região Nordeste (Relatório TIC domicílios 2014 do CGI.br).

Questionamos, portanto, nas propostas apresentadas:

. A destruição ou “desidratação” das garantias do regime público, criando as condições regulatórias para que praticamente toda a prestação de serviços de telecomunicações se dê conforme as características do regime privado, com menores exigências às empresas, desprezando-se a regulação que existe atualmente com relação às obrigações de universalização, continuidade e modicidade tarifária, que deveria ser aplicada ao menos à telefonia fixa e ao serviço de telecomunicações que suporta o acesso à Internet.

. O fim da reversibilidade dos bens, uma vez que tais redes são de interesse público e importância estratégica - em especial as redes de transporte que cruzam todo o país e se estabelecem como pontos de presença de alta capacidade nos diferentes municípios, podendo significar uma transferência de bilhões de reais para o patrimônio privado das operadoras em troca de investimentos em suas próprias redes.

. O uso do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) em serviços prestados sem as garantias hoje associadas ao regime público;

. A retirada de prerrogativas do Poder Executivo para definir se um serviço deve ou não ser prestado com as garantias hoje associadas ao regime público. Na legislação atual essa definição ocorre por Decreto, o que é compatível com as atribuições da Presidência da República para decidir sobre as políticas públicas do setor. Nas propostas essa definição passa a ser do Congresso Nacional, com aprovação por lei, selando ainda mais o destino da prestação de todos os serviços de telecomunicações nos moldes do atual “regime privado”.

O Clube de Engenharia acredita ser um erro adotar tais medidas na atual situação das telecomunicações nacionais, que só servirão para acentuar ainda mais as desigualdades de atendimento existentes e o favorecimento aos grandes prestadores de serviços.

Portanto, nós do Clube de Engenharia, nos preocupamos com as tentativas de realização de reformas “a toque de caixa” de uma legislação complexa, cujos reflexos se darão por diversos anos, provavelmente décadas, na vida dos cidadãos usuários, sem as necessárias discussões que envolvam efetivamente o segmento da sociedade civil. Em diversas oportunidades nossas entidades se manifestaram, inclusive com apresentação de propostas e esclarecimentos na forma como melhor entendiam que poderiam ser prestados os serviços de telecomunicações no país, sem, contudo, terem sido consideradas. Esperamos que o governo, a Anatel e o Congresso Nacional promovam um debate coordenado, participativo e profundo acerca dos rumos do setor com foco nos direitos da população, e não nos interesses econômicos das operadoras.

 

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