Jornalista André Trigueiro repercute, na íntegra, entrevista de Pedro Celestino ao Jornal Nacional

Por André Trigueiro, Facebook

Por que há tantos acidentes envolvendo grandes obras no Brasil? O que haveria em comum entre os problemas ocorridos em São Paulo no metrô, no viaduto da Via Anchieta, no viaduto do Rodoanel, na marquise do Itaquerão? No viaduto que desabou em Belo Horizonte? No outro viaduto que caiu em Fortaleza? Na marquise rachada do Engenhão no Rio?

Para o Presidente do Clube de Engenharia, desde a aprovação do Regime Diferenciado de Contratações Públicas pelo Congresso em 2011 (Lei n.12.462) - sob o pretexto de acelerar as obras previstas para a Copa do Mundo e as Olimpíadas - as rotinas no canteiro de obras mudaram para pior.

Segundo Pedro Celestino Pereira, pela nova lei "quem faz o projeto pode executar a obra. Elimina-se também a fiscalização da execução do projeto". "Desse jeito, coloca-se a raposa no galinheiro", diz ele.

Inserimos um trecho da fala de Pedro Celestino na reportagem que foi ao ar na edição de sexta-feira do Jornal Nacional. Mas vale conferir uma parte maior da entrevista com ligeiras edições de texto para facilitar a leitura. Pela contundência das críticas, vindas de uma autoridade na área da construção civil, merecem atenção.

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- O modelo usual de licitações de obras públicas fora do Brasil evita que quem projete uma obra também seja responsável pela execução. Quem fiscaliza também não executa. Esse é o modelo praticado em boa parte dos países, e também pelo Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Europeu, Banco da União Africana, etc.

- As licitações são precedidas de rigorosa qualificação técnica. O preço mais baixo não é o único fator determinante para a escolha da empresa vencedora. O objetivo é evitar a participação de aventureiros. A não observância desses princípios - que são de uso consagrado - abre caminho para problemas como extensão do prazo, aumento dos custos e queda na qualidade dos empreendimentos.

- Desgraçadamente é isso que vem ocorrendo no Brasil nos últimos anos a partir da aprovação da Lei que estabeleceu o Regime Diferenciado de Contratações. Pela Lei, aprovada em 2011, quem faz o projeto pode executar a obra. Elimina-se também a fiscalização da execução do projeto. Com isso, colocamos todos os ovos no mesmo cesto. Essa situação enseja a monótona repetição de acidentes, frequentemente com vítimas, em vários empreendimentos no Brasil.

- Esse Regime Diferenciado de Contratações Públicas foi aprovado para acelerar a conclusão das obras da Copa do Mundo e das Olimpíadas, e acabou se generalizando. Hoje no Brasil projetos de engenharia são contratados por pregão eletrônico como se estivéssemos comprando papel higiênico. Não se estabelece a menor qualificação técnica.

- Frequentemente essas licitações são ganhas por empresas que dão preços 30, 40% abaixo do orçado pelo órgão público. Isso significa que quem orçou no órgão público errou, ou quem votou na licitação errou. Não é possível uma diferença tão grande entre preço proposto e preço praticado.

- Esse modelo também permite a indústria de aditivos. Quem ganha o serviço com preço abaixo do orçado vai correr atrás do prejuízo. Como ele recupera? Através dos aditivos. Cria-se o círculo vicioso no qual a engenharia pública é desprestigiada. A engenharia pública hoje não dispõe de profissionais em quantidade suficiente para conceber e fiscalizar a execução do serviço tal a orgia de terceirizações.

- Digo com toda a sinceridade: eu dirijo uma empresa de consultoria e engenharia há 43 anos. Nunca trabalhei em órgão público, sempre trabalhei para órgãos públicos. Vejo que a engenharia perdeu espaço. E engenheiros se transformam em meros carimbadores de fatura. Esse é o primeiro passo para corrompê-los porque não têm mais vínculo direto com o trabalho.

- Nós engenheiros nos preocupamos em tirar dos acidentes lições que impeçam sua repetição. Infelizmente, impedir reprodução de acidentes como temos visto hoje depende de mudanças na lei. Temos que voltar ao método que aplicou-se neste país desde a década de 1960, de separar rigidamente a atividade de projeto, da atividade de construção, da atividade de fiscalização. Desse jeito, coloca-se a raposa no galinheiro. No bom português é isso. Isso é que enseja os problemas que nós temos visto.

- Essa questão de executor se confundir com projetista já nos levou a diferentes acidentes. Em São Paulo, por exemplo, além do metrô, viaduto na Via Anchieta, viaduto no Rodoanel, a marquise do estádio do Corinthians,em Itaquera. O viaduto em Belo Horizonte. O viaduto em Fortaleza. A marquise no Engenhão no Rio...

- Nós temos tido boas empresas executando, empresas idôneas, que são referência na engenharia nacional. E temos tido uma sucessão de acidentes que nos leva necessariamente a uma reflexão sobre o motivo dos acidentes. Não pode haver tanto acidente em obras de porte sem que se discuta a sua causa profunda.

 

(Entrevista do Presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino Pereira)

24 de abril às 13:22

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