Em setembro deste ano o Brasil ratificou o Acordo de Paris, documento aprovado por 197 países para reduzir os efeitos das mudanças climáticas no mundo. Um dos compromissos da nação é expandir o uso de fontes renováveis de energia elétrica não hídricas, de modo que em 2030 elas representem 23% da matriz elétrica. Isto significa diminuir intensamente o papel das hidrelétricas no país. Este foi um dado apresentado por Rafael Kelman,engenheiro civil e diretor da PSR Consultoria, na mesa-redonda “O papel da geração hidrelétrica na matriz elétrica brasileira” em 06 de outubro, no Clube de Engenharia.

Com um plenário que reuniu mais de cem participantes, o evento contou com a palestra de José Eduardo Moreira, engenheiro civil e diretor da Academia Nacional de Engenharia (ANE), e um painel de especialistas integrando um grupo de oito debatedores, com dados e argumentos sobre a geração de energia hidrelétrica no Brasil, dificuldades na realização desse tipo de empreendimento e, ainda, sobre as perspectivas para o setor no país. Houve participações do Instituto Acende Brasil, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Academia Nacional de Engenharia e as empresas Engie e PSR Consultoria.

Metas e objetivos se contradizem
Rafael Kelman demonstrou preocupação com a meta brasileira de aumentar a participação das renováveis excluindo as hidrelétricas, uma vez que estas também são renováveis, são mais eficientes do que as demais e o Brasil também tem a meta de ver crescer em 10% sua eficiência. Para ilustrar o que dizia, apresentou uma lista de 15 projetos de hidrelétricas que não entrariam em construção. Segundo Kelman, as opções renováveis seriam as energias solar, eólica e de biomassa, com mais expressividade para a eólica. Esta, no entanto, apresenta problemas de operação e eficiência, como, por exemplo, a possibilidade de variar sua produtividade em até 20% no prazo de uma hora. A conclusão é que, para suprir a energia nacional demandada, o Brasil teria que construir novas fontes térmicas, ou seja, não renováveis. No cenário atual, as hidrelétricas são capazes de suprir a energia ausente nos casos de ineficiência das demais energias limpas. "A hidrelétrica tem que ser um recurso do Brasil que viabiliza, em parceria, as outras renováveis", afirmou.

Alexandre Uhlig, diretor de Sustentabilidade do Instituto Acende Brasil, acrescentou que até 2035 cerca de 70 GW de energia se tornarão uma demanda para termelétricas e a emissão de gases de efeito estufa no setor elétrico aumentará em 80%. Com tantas mudanças, para um setor cuja operação é de longo prazo, falta, na sua opinião, previsibilidade para possíveis investidores.

O papel das hidrelétricas no país
Francis Bogossian, diretor vice-presidente da ANE, apresentou os atuais números da participação das hidrelétricas na matriz energética brasileira, com dados do Ministério de Minas e Energia, de 2015. As fontes renováveis já alcançam uma participação de 75,5%  na oferta interna de energia elétrica, enquanto no mundo a média é de 24%. A hidráulica é a principal, representando 85% de todas as fontes renováveis do país. Ele defendeu a sustentabilidade do modelo: "O Brasil não pode abrir mão dessa dianteira mundial que tem em relação às energias renováveis e principalmente da energia produzida pelas usinas hidrelétricas, considerando o enorme potencial hidráulico ainda a ser explorado".

Tarcisio Castro, engenheiro civil e gerente de projetos na PSR Consultoria, esclareceu que o Brasil tem todas as fontes em sua matriz, distribuídas entre as regiões e com linha de transmissão que as liga e garante o abastecimento. Ainda tem o caráter de complementaridade: em tempos de pouca água nas hidrelétricas, funcionam as eólicas, tem-se biomassa a partir da cana-de-açúcar, etc.


As vantagens das usinas e seus reservatórios
Para além dos números que comprovam a eficiência, as usinas hidrelétricas apresentam diversas vantagens relacionadas por José Eduardo Moreira na palestra "O papel da geração hidrelétrica na matriz elétrica brasileira - presente e futuro". A geração de energia hidráulica é a de menor custo; é uma energia limpa; tem longa vida útil; possibilita energias alternativas; e funciona 24 horas por dia, não importando se tem sol ou vento. Além disso, os projetos atuais têm reservatórios menores, cuja construção tem menor impacto de inundação e pouco afetam as áreas indígenas. "A engenharia nacional sabe fazer um projeto de hidrelétrica considerando a sustentabilidade", afirmou, dando exemplos como a da usina de Dardanelos, cujos construtores se preocuparam em preservar a cachoeira e o balneário da cidade. Ainda há os investimentos em educação, saúde, infraestrutura e programas socioambientais nas localidades que abrigam as usinas.

Em continuidade à palestra anterior, e na mesma linha, Flavio Miguez, Diretor da ANE e presidente honorário do Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB), mostrou que nas novas usinas hidrelétricas estruturantes (UHE), cujas potências vão de 90 mil a 160 mil megawatts, os reservatórios ocupam menos de 1% da área e operam predominantemente a fio d'água. Ainda apresentam numerosos usos, com destaque para o controle de enchentes e a navegação dos rios. Um exemplo apresentado foi da Usina Hidrelétrica de Três Marias, em Minas Gerais, cuja construção gerou a regularização de trecho do Rio São Francisco, com o controle de cheias. "Empreendimentos hidrelétricos são empreendimentos de grande investimento e devem ser maximizados os seus usos múltiplos", concluiu.

Investimento de risco
Eduardo Chagas, Gerente do Departamento de Energia Elétrica 1 do BNDES, presente como debatedor, explicou os modelos de financiamento do banco para empreendimentos de hidrelétricas e deixou claro que o setor é prioritário para o Banco. No entanto, a opinião generalizada é de que hidrelétrica no Brasil se tornou um investimento de risco, e raro. Segundo José Eduardo Moreira, existe uma insegurança institucional do setor, principalmente em relação à tarifa que a empresa poderá cobrar e às mudanças que acontecem no projeto desde a vitória no leilão até o início da operação. Moreira lembra que uma usina hidrelétrica dura uma média de 25 anos. "Para começar a operar é preciso ter a licença de operação, e o que consta nela é totalmente diferente do que foi orçado na licença prévia", afirmou, deixando claro que a empresa não pode mudar o valor da tarifa ao final do processo. O palestrante ainda criticou o tempo que leva para que órgãos, como o Ibama, aprovem os projetos, atrasando o início das obras e a operação e colocando o empresário em risco de prejuízo.

Um caso crítico é o da UHE São Luiz do Tapajós, apresentado por Marisa Moreira Marques, engenheira civil e coordenadora de projetos, cujos estudos e relatórios elaborados por sete anos, com investimento já realizado de 75 milhões de reais, encontram-se arquivados no Ibama desde agosto. Para o engenheiro Gil Maranhão, diretor da empresa Engie, que faz parte de um grupo de empresas que buscam incentivos para hidrelétricas médias junto ao governo federal, o cenário de incerteza já mostra suas consequências: não há, hoje, projetos de usinas médias. Segundo ele, não é algo que a iniciativa privada ou o poder público possa fazer sozinho, é preciso haver parceria e repensar o setor: "O Brasil precisa sentar e se reorganizar. Nossa cadeia produtiva é muito complexa", afirmou.

A mesa-redonda foi promovida pela Diretoria de Atividades Técnicas (DAT), Divisão Técnica de Geotecnia (DTG) e Divisão Técnica de Energia (DEN), com apoio da Divisão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS), Divisão Técnica de Engenharia do Ambiente (DEA), Associação Brasileira de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica (ABMS - Núcleo Rio), Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE - Núcleo Rio) e Comitê Brasileiro de Barragens (CBDB).

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