Por Delfim Netto, Carta Capital

Em 19 de abril, comemoraram-se 200 anos desde a publicação, em 1817, do revolucionário On the Principles of Political Economy and Taxation, de David Ricardo, no qual, com uma lógica que arrebatou o mundo, foi exposta a famosa teoria das vantagens comparativas.

Ricardo construiu um exemplo numérico das vantagens comparativas com algumas hipóteses: 1. Na Inglaterra, a produção de uma unidade arbitrária de tecido usa 100 homens/hora e a produção de uma unidade arbitrária de vinho utiliza 120 homens/hora. 2. Em Portugal, a mesma quantidade de tecido exige 90 homens/hora, e a mesma unidade de vinho consome 80 homens/hora.

Na ausência de comércio (os dois autárquicos), os preços relativos seriam proporcionais ao tempo de trabalho (pela teoria do valor-trabalho): em Portugal, uma unidade de tecido compraria 1,125 unidade de vinho; na Inglaterra, uma unidade de tecido compraria 0,833 unidade de vinho.

Os números foram escolhidos para mostrar a vantagem comparativa, uma vez que Portugal é, em termos absolutos, mais eficiente (no uso do trabalho) do que a Inglaterra. Ele tem, entretanto, uma vantagem maior na produção de vinho, de forma que, quando o comércio se abrir, ele será exportador de vinho e importador de tecido.

É essa realocação no uso dos recursos disponíveis para cada país que produzirá um aumento da produtividade total e das margens de lucro. A poderosa lógica interna das vantagens comparativas e a sofisticação crescente dos trabalhos teóricos conquistaram os corações dos economistas “tanto quanto a Santa Inquisição conquistou a Espanha!”, disse Keynes.

Honestamente, sempre tive minhas dúvidas. O interessantíssimo curso de história ministrado pela grande Alice Canabrava, nos idos de 1950, na FEA-USP, ia do mercantilismo às razões pelas quais a Inglaterra, de protecionista, evoluiu para o free trade; à influência de Hamilton no desenvolvimento americano e à construção do Zollverein (a unificação tarifária da Alemanha em 1834), iniciada com o free trade e lentamente transformada em protecionista a partir de 1879, quando elevou as tarifas e criou subsídios às exportações.

Aquela História ensinava que sempre houve tensão entre a “lógica” das vantagens comparativas e a “realidade” dos países que, no último quartel do século XIX, revelavam-se mais bem-sucedidos em matéria de desenvolvimento econômico.

Sua primeira lição era que as “vantagens comparativas” não são destino: podiam ser construídas. A segunda era que o modelo ricardiano supunha, implicitamente, um mundo de ilhas ocupadas por tribos altruístas que se viam com simpatia.

Quanto à primeira, era claro que quem se conforma com as vantagens comparativas como destino está condenado a aceitar que seus parceiros determinem sua estrutura produtiva.

Quanto à segunda, era evidente que no mundo real – o homem – é um animal reconhecidamente territorial (pelo qual mata e morre), capaz das maiores violências com a sua própria espécie sem qualquer razão objetiva. Nele, os países são ilhas pensadas como “independentes” que se olham de forma conflituosa, com enorme desconfiança, inveja e cobiça.

O grande avanço teórico veio com um artigo de Paul Krugman (“Increasing Returns, Monopolistic Competition, and International Trade”, 1979), que, recuperando observações anteriores, juntou a economia de escala interna a empresas com uma organização produtiva de competição monopolística.

Numa joia de dez páginas mostrou que o comércio internacional não precisa, necessariamente, ser o resultado de diferenças de tecnologia ou da quantidade de recursos naturais.

Pode, simplesmente, expandir o mercado e permitir a exploração de economia de escala, com os mesmos resultados do crescimento da força de trabalho e da aglomeração regional.

O final do artigo é glorioso: “Aqui se demonstrou que um modelo claro, rigoroso e, esperamos, persuasivo pode ser construído para explicar o comércio em condições de rendimentos crescentes”. E acrescenta: “O papel da economia de escala na criação do comércio é conhecido há algum tempo, mas foi relativizado na formalização da teoria... e nos livros-texto”.

Testemunhando o retorno, nos últimos 30 anos, da economia brasileira à condição de colônia fornecedora de alimentos e matérias-primas para o mundo, é possível negá-lo?

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