Um Projeto de Nação para um Estado Democrático de Direito

Em tempos de crise generalizada -- institucional, política, social, econômica --, o Brasil, um país historicamente desigual, precisa mais do que nunca de um projeto de Nação, e é apenas na defesa da democracia e dos direitos humanos que este projeto se fará possível. Esta talvez seja a principal mensagem que, de forma complementar, deram os convidados do painel "Construção de um Estado Democrático de Direito", realizado no Clube de Engenharia, nesta quinta-feira, 12 de abril. Primeiro de um ciclo de quatro debates que tratam de democracia, soberania, desenvolvimento econômico e direitos civis e inclusão social, o evento foi organizado pelo Clube de Engenharia em parceria com o Comitê Fluminense do Projeto Brasil Nação.

Na abertura do debate, o presidente do Clube, Pedro Celestino, lembrou que, diante do agravamento da crise brasileira, a resposta da sociedade deve vir, uníssona, na defesa da democracia e da Constituição de 1988. O moderador Antônio Carlos Biscaia, na qualidade de membro do Comitê Fluminense do Projeto Brasil Nação, endossou a manifestação. "O momento extremamente grave que enfrentamos em nosso país exige a unificação das forças democráticas e progressistas, porque o quadro institucional que se avizinha é extremamente preocupante", disse.

Desigualdade social

Para Carlos Moura, advogado e Secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça de Paz na Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), para se olhar o Brasil de hoje é imprescindível enfrentar uma história de profundas desigualdades - econômicas, sociais, raciais -, que colocam em dúvida a existência de um Estado Democrático de Direito. "Somos o país campeão em desigualdade. Democracia, justiça, soberania, desenvolvimento, não se completam em meio a desigualdades. E ainda mais: não se completam em meio a discriminações, contra negros e negras, mulheres, deficientes, LGBTs", refletiu, citando dados do IBGE de que o Brasil é um dos 15 países mais desiguais do mundo, onde a concentração de renda permaneceu inalterada em 2017 e os mais pobres foram os mais afetados.

"Temos um Estado Democrático de Direito quando temos um governo alinhado com o neoliberalismo, que congela verbas pela famigerada Ementa 95, que surrupia verbas destinadas à saúde, educação? Um governo que destrói a CLT, e que atinge a grande massa de trabalhadores brasileiros?", questionou Moura.

Projeto nacional

"Eu me pergunto se é possível falar sobre Estado Democrático, democracia e direitos, nesta sociedade que o Moura acabou de reduzir em números", refletiu Roberto Amaral, jornalista e professor, ex-ministro Ciência e Tecnologia (2003-2004) e atual integrante do Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP). Para ele, urge a criação de um Projeto de Nação que possa enfrentar a realidade atual de "profunda desagregação, a maior crise institucional da República".  E esse enfrentamento, além de lidar com as desigualdades enunciadas por Carlos Moura, também passa por enfrentar um passado – que a cada dia se torna mais presente -- de autoritarismo na política e no governo e ameaças à democracia.

"Raramente, na história brasileira, a estrutura de dominação sofre rupturas. É uma das tragédias da história do Brasil: a inexistência de rupturas e a permanente conciliação. Sei que pessoas podem não gostar que eu fale isso, porque esse é o momento de tentarmos conciliação, mas a tragédia brasileira é a conciliação. Toda vez que chegamos a um impasse, se faz conciliação a custa dos direitos dos de baixo, dos trabalhadores”, disse Amaral. “Mas, uma coisa interessante, nesse quadro, é que quando a ruptura se dá, ela não se dá por iniciativa do andar de baixo. É o andar de cima que rompe quando desconfia que o andar de baixo quer subir pela escada. A história do Brasil é simplesmente isso: a ruptura de 1954, de 1955, a tentativa de ruptura em 1961, a ruptura em 1964, a ruptura de 2016. Sempre pelo comando, execução e administração do que eu, desculpem a expressão, chamo de classe dominante", explica.

Para o ex-ministro, a conjuntura se torna mais grave pela ausência de um Projeto Nacional. "Sempre que falo disso, alguém fala de Vargas e Geisel, mas isso pra mim não é projeto nacional. O Estado Brasileiro nasce a partir de Vargas, mas era um projeto da ditadura do Estado Novo, não foi discutido com a sociedade brasileira e não era pleito daquela sociedade. Com os militares também, mas era projeto deles, que compreendia a infraestrutura, mas também a tortura e a censura", avaliou. "Temos de tentar construir um Projeto Nacional, chegar para sociedade e perguntar como vamos nos identificar como brasileiros? Qual nosso papel na América Latina, diante da conjuntura internacional, como construtores da paz ou da guerra? Qual nosso papel diante da concentração do latifúndio, da destruição da indústria nacional? Como permitimos que esse país seja hoje como era em 1930, um exportador de grãos e de matéria-prima?", critica.

"É um apelo para que as instituições aqui reunidas comecem uma cruzada para discutir o Brasil. Tentar identificar, e eu tenho impressão que existe, o que nos unifica. Existe um valor nacional que nos unifica, independente de nossas diferenças de religião, raça, renda", conclamou.

Aperfeiçoar a democracia

Saturnino Braga, presidente do Centro Celso Furtado e ex-prefeito da cidade do Rio de Janeiro (1986-1988), reforçou que é somente na defesa da democracia que o Projeto Nacional exposto por Roberto Amaral se torna possível. "Há três fatores que dificultam enormemente a prática democrática no Brasil: a falta de prática e de cultura política democrática; a desigualdade que o Carlos Moura ressaltou; e o interesse do grande capital estrangeiro", avaliou, trazendo um retrospecto histórico dos movimentos que levaram o Brasil de "quintal" da Inglaterra e dos EUA até o momento em que, como parte do BRICS, o país galgou autonomia e soberania.

"Não há nada que substitua a democracia, esse regime de igualdade na escolha do governo, na questão eleitoral, partidária, do debate, na formação da esfera pública. Claro que temos sempre a ameaça do poder do grande capital, que não quer deixar o Brasil ser uma presença independente no mundo. E também da elite, associada ao grande capital e à mídia", lamentou. "Mas não podemos cruzar os braços e aceitar isso. Temos de pensar como aperfeiçoar a democracia. E a primeira coisa é o que o Clube e outras instituições estão fazendo, que é discutir o Brasil, discutir o Projeto de Nação, como falou Roberto Amaral, e isso para formar a cultura democrática. E, segundo, reduzir a influência do poder econômico na política, com medidas importantes, como a proibição do financiamento empresarial", avaliou Saturnino, reforçando a urgência, ainda, de se pensar o que significa democracia representativa de fato.

Ciclo de debates

O principal objetivo do evento e dos três que se seguirão no ciclo de debates é discutir e articular, com partidos, sindicatos, associações e movimentos, a possibilidade de um Projeto para o Brasil. Organizados a partir de grandes temáticas -- as próximas serão soberania, desenvolvimento econômico e direitos civis e inclusão social --, o ponto de partida é o Manifesto do Projeto Brasil Nação, lançado em 2017 com milhares de assinaturas. Para ler o documento, clique aqui.

Para assistir ao primeiro debate completo, clique aqui e acesse o canal no Youtube do Clube de Engenharia.

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