Da esquerda para a direita: Pedro Moreira, Miguel Lasalvia, Thatiana Murillo e o subchefe da DUR, Affonso Canedo. Foto: Fernando Alvim

Cidades não nascem do nada. Cada problema e cada solução refletem a lógica, a ideologia implícita nas decisões e se traduzem em fatos cotidianos no que diz respeito ao transporte, ao meio ambiente, e à governança, entre outros fatores. A Mobilidade Urbana, um desses setores construídos em torno de determinada lógica, impacta diretamente a qualidade de vida das pessoas que moram nos grandes centros urbanos. No dia 27 de julho, a Diretoria de Atividades Técnicas (DAT), Divisão Técnica de Transporte e Logística (DTRL) e Divisão Técnica de Urbanismo (DUR) promoveram um painel para tratar do tema e dos modos de deslocamento geralmente negligenciados no Brasil.

A mobilidade ativa, também chamada de mobilidade suave ou mobilidade não-motorizada, faz uso apenas dos meios físicos do ser humano, desde o deslocamento a pé até a bicicleta, passando por meios menos usados como patins e skate, entre outros. Sustentável, barata e eficiente, já foi implantada como política pública em diversos países e costuma estar diretamente relacionada a um maior uso do espaço público e ruas descongestionadas. No Brasil, o costume é tratar o ciclismo, por exemplo, apenas como esporte e lazer, e as poucas iniciativas voltadas para ele não costumam receber muita atenção das autoridades, resultando em ciclovias que viram estacionamentos e, em casos mais graves, ciclovias atingidas força da maré, colocando vidas em risco.

Participaram do debate, Thatiana Murillo, coordenadora do movimento Caminha Rio; Miguel Lasalvia presidente da Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio de Janeiro e Pedro Moreira, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Rio de Janeiro destacou o fato de que tudo na cidade atende a uma ideologia dominante, inclusive a atenção dada a cada modal de transporte: “A ideologia, presente na sociedade é um reflexo de um conjunto de crenças que estruturam, inclusive, o nosso lazer. É uma ideia que assume uma hegemonia diante da sociedade e a governa sem coerção. As pessoas apenas aceitam aquilo como natural. A cidade, enquanto valor, precisa ser reafirmada”.

Ciclismo com segurança

Cresce o número de ciclistas internados, vítimas de acidentes de trânsito. A lei já protege os ciclistas; o código de trânsito deixa claro que a rua é direito do ciclista, que a divide com carros, motos e caminhões, independente de haver ou não ciclovias disponíveis; mas não há uma cultura de trânsito que garanta esse direito em cidades que não foram preparadas para parte da população que opta por andar em duas rodas.

O primeiro passo para a mudança, segundo Miguel Lasalvia, não passa apenas por políticas públicas, mas pelo cooperativismo. “Se esperarmos ações dos governos, vamos continuar sendo atropelados. Pessoas motivadas precisam buscar juntas a realização de um sonho e a execução desse ideal. Tem quem venha de Santa Cruz pedalando até a cidade para trabalhar. Há quem pedale 400, 500 quilômetros por semana. A Comissão de Segurança no Ciclismo do Rio de Janeiro foi criada após a morte de amigos nossos”, conta.

Pelo direito de andar a pé
Parece simples, mas andar a pé no Rio não é fácil. Calçadas esburacadas, tampas de galerias subterrâneas que se transformam em armadilhas escorregadias quando chove e, principalmente, total descaso com a acessibilidade para pessoas com dificuldades de locomoção. Para tentar mudar essa realidade, como no caso dos movimentos cicloativistas, a sociedade vem se organizando para tentar chegar ao poder público e, através do debate e do diálogo, dar visibilidade à luta.
“É importante que a sociedade se organize no sentido de dialogar com a prefeitura, secretarias e órgãos responsáveis pelo planejamento das obras”, declarou Thatiana Murillo. Segundo afirma, é preciso criar movimentos representativos e amplos para que se possa discutir com o poder público sobre as necessidades das pessoas dentro da realidade de cada bairro. “Essa cidade é muito diversa. Uma estrutura de mobiliário urbano que funciona no Leblon pode não funcionar em Santa Tereza. A geografia, as necessidades, o planejamento urbano são diferentes”, destaca.

A tentativa de se aproximar do poder público tem como exemplo de caso de sucesso a cidade de São Paulo. Por lá, dentro da secretaria de Transportes há representantes dos movimentos de mobilidade ativa. Através de câmaras temáticas como deslocamento a pé, bicicletas e pessoas com deficiência, eles auxiliam a prefeitura. À medida que o trânsito dos grandes centros urbanos dá um nó, os movimentos crescem e buscam um diálogo maior com os órgãos públicos para trazer visibilidade ao tema do deslocamento a pé. Os movimentos cicloativistas já são bastante organizados e hoje temos o crescimento de movimentos de mobilidade a pé, ganhando força principalmente de alguns anos para cá. “A rede está crescendo e existem iniciativas isoladas em várias cidades do Brasil onde as pessoas articulam ações para dar mais visibilidade ao pedestre”, comemora Thatiana.

Consenso entre os presentes é a importância da organização social para, através da representatividade, chegar ao poder público e criar espaços de debate de políticas específicas que tirem o foco do modal rodoviário e deem alguma atenção a modais de mobilidade ativa. Isso é considerado urgente, e os desafios são muitos. Entre eles, vencer a lógica em cima da qual a cidade cresceu, e enfrentar as ideologias que existem por trás dela, de forma a implantar uma nova cultura, pelo direito de andar a pé, pedalar, e circular livremente.

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