José Luís Fiori, Professor titular de Economia Política Internacional, do PEPI/UFRJ. [1]

“As “grandes potências” se protegem coletivamente, impedindo o surgimento de novos estados e economias líderes, através da monopolização das armas, da moeda e das finanças, da informação e da inovação tecnológica. Por isto, uma “potencia emergente” é sempre um fator de desestabilização e mudança do sistema mundial, porque sua ascensão ameaça o monopólio das potências estabelecidas”.
J.L.F. “História, Estratégia e Desenvolvimento. Para uma Geopolítica do Capitalismo”, Editora Boitempo, 2015, SP, p: 30
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No Século XX, o Brasil deu um passo enorme e sofreu uma transformação profunda e irreversível, do ponto de vista econômico, sociológico e político[2]. No início do século, era um país agrário, com um estado fraco e fragmentado, e com um poder econômico e militar muito inferior ao da Argentina.  Hoje, na segunda década do século XXI, o Brasil é o país mais industrializado da  América Latina, e a sétima maior economia do mundo; possui um estado centralizado e democrático, uma sociedade altamente urbanizada – ainda que desigual - e é o principal player internacional do continente sul-americano. Além disso, é um dos países do mundo com maior potencial de crescimento pela frente, se tomarmos em conta seu território, sua população e sua dotação de recursos estratégicos, sobretudo se for capaz de combinar seu potencial exportador de commodities com a expansão sustentada do seu próprio parque industrial e tecnológico.  Tudo isto são fatos e conquistas inquestionáveis, mas estes fatos e conquistas colocaram o Brasil frente a um novo elenco de desafios internacionais, e hoje, em particular, o país está enfrentando uma  disjuntiva extremamente complexa. As próprias dimensões que o Brasil adquiriu, e as decisões que tomou no passado recente, colocaram o país dentro do grupo dos estados e das economias nacionais que fazem parte do núcleo de poder do “caleidoscópio mundial”: um pequeno número de estados e economias nacionais que exercem - em maior ou menor grau - um efeito gravitacional sobre todo o sistema, e que são capazes, simultaneamente,  de produzir um “rastro de crescimento” dentro de suas próprias regiões. Queiram ou não queiram, estes países criam em torno de si “zonas de influencia”, onde tem uma responsabilidade política maior que a dos seus vizinhos, enquanto são chamados a se posicionar sobre acontecimentos e situações longe de suas regiões, o que não acontecia antes de sua ascensão. Mas ao mesmo tempo, os países que ingressam neste pequeno “clube” dos países mais ricos e poderosos tem que estar preparados, porque entram automaticamente num novo patamar de competição, cada vez mais feroz, entre os próprios membros desse “núcleo” que lutam entre si para impor a todo o sistema, os seus objetivos e as suas estratégias nacionais de expansão e crescimento.

Neste momento o Brasil  já não tem como recuar sem pagar um preço muito alto[3].  Mas por outro lado, para avançar, o Brasil terá que ter uma dose extra de coragem, persistência e inventividade[4].  Além disto, terá que ter objetivos claros e uma coordenação estreita, entre as agencias responsáveis pela política externa do país, envolvendo a sua diplomacia, a sua política de defesa, articuladas com sua política econômica e com sua política de difusão global de sua cultura e dos seus valores. E o que é mais importante, o Brasil terá que sustentar uma “vontade estratégica” consistente e permanente, ou seja, uma capacidade social e estatal de construir consensos em torno de  objetivos  internacionais de longo prazo,  junto com a capacidade de planejar e implementar  ações de curto e médio prazo,  mobilizando os atores sociais, políticos e econômicos  relevantes, frente a cada situação e desafio em particular.    Mais difícil do que tudo isto, entretanto, será o Brasil descobrir um novo caminho de afirmação da sua liderança e do seu poder internacional, dentro e fora de sua zona de influencia imediata. Um caminho que não siga o mesmo roteiro das grandes potências do passado, e que não utilize a mesma arrogância e a mesma  violência que utilizaram os europeus e os norte-americanos para conquistar, submeter e “civilizar” suas colônias e protetorados. Em segundo lugar, como todo país que ascende dentro do sistema internacional, o Brasil terá que questionar de forma cada vez mais incisiva, a ordem institucional estabelecida e os grandes acordos geopolíticos em que se sustenta. Mas o Brasil terá que fazê-lo sem o uso das armas, e através de sua capacidade de construir alianças com quem quer que seja desde que o Brasil mantenha seus objetivos e valores, e consiga expandir-se e conquistar novas posições dentro da hierarquia política e econômica internacional. Este objetivo já não obedece mais a nenhum tipo de ideologia nacionalista, nem muito menos a qualquer tipo de cartilha militar, obedece a um imperativo “funcional”’ do próprio “sistema interestatal capitalista”: neste sistema, “quem não sobe cai”[5]. Mas ao mesmo tempo, “quem sobe”, tem que estar preparado, porque será atacado e desqualificado inevitavelmente e de forma cada vez mais intensa e coordenada, dentro e fora de suas próprias fronteiras, caso não se submeta  à vontade estratégica dos antigos donos do poder global. Em qualquer momento da história é possível acovardar-se e submeter-se, mas atenção, porque o preço desta humilhação será cada vez maior e insuportável  para a sociedade brasileira.

Setembro de 2018

[1] Professor titular de Economia Política Internacional, do PEPI/UFRJ, e de Ética e Poder Global. do PBGBIOS/UFRJ. E , pesquisador do Instituto de Estudos Estratégicos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis – INEEP, www.ineep.org.br

[2] Este artigo foi publicado pela primeira vez, na imprensa, em 2014, com o título “para calcular o futuro”, e depois, como posfácio do livro “História, Estratégia e Desenvolvimento”, como parte de um debate nacional que foi interrompido pelo Golpe de Estado de 2015/16. Por isto decidimos republicá-lo com um novo título, no momento em que se encerra  o “governo de exceção” que foi instalado pelo Golpe, e se reabre a possibilidade de que os brasileiros discutam e decidam o seu futuro, por si mesmos, nas eleições presidenciais de outubro 2018..

[3]  Como de fato pagou, depois do golpe de estado de 2016, e durante os três anos do “governo de exceção” do PSDB e do PMDB, com seu programa ultraliberal que arruinou a economia do país, destruiu seu sistema de direitos e de proteção social do povo brasileiro, e colocou o Brasil na sarjeta do sistema internacional

[4]  E este seguirá sendo o grande desafio de um novo governo progressista que que venha a assumir o poder em 2019, com a decisão de reconstruir a autoestima dos brasileiros, devolvendo ao povo os seus direitos usurpados, e  devolvendo ao estado as rédeas da soberania e da altivez nacional.

[5] Elias, N. O Processo Civilizador, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, vol 2, p: 134

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