Atrair investidores para grandes obras de infraestrutura energética é um trabalho que requer, entre outros fatores, um Estado forte e boas agências reguladoras. Foto: Pixabay

Por José Luiz Alquéres*
Publicado no Valor Econômico (28/11/2018).

As grandes obras de energia e de infraestrutura são essenciais para o desenvolvimento econômico e devem ser estudadas, projetadas e construídas com extrema competência combinando esforços públicos e privados. A história nos aponta algumas lições valiosas que vão além da abordagem puramente técnica, indicando o que deve ser feito e o que se evitar.

É um fato notório que as obras públicas trazem oportunidades de enriquecimento ilícito para todos os agentes envolvidos. Abaixo destacamos um episódio que despertará no leitor brasileiro a sensação de familiaridade:

Um famoso Construtor anunciou a intenção de iniciar uma nova e gigantesca obra de infraestrutura. A boa fama o precedia e não faltaram investidores dispostos a apoiá-lo. Excessivamente confiante, o Construtor negligenciou o estudo aprofundado das características geoclimáticas do local da obra e desenvolveu um projeto falho. Uma vez caracterizada a impossibilidade de realizar a obra como originalmente concebida, foi preciso recorrer aos préstimos de um famoso Engenheiro, que revisou o projeto e, por consequência, houve um aumento expressivo no orçamento original. O governo providenciou o suporte financeiro necessário para a continuidade dos trabalhos.

Os vícios na concepção original, porém, eram muitos. O impacto conjugado de todas as dificuldades acabou por levar empreendimento à falência. As investigações apontaram além das aludidas falhas técnicas, a complacência do governo obtida de forma corrupta. De início tornaram-se suspeitos cerca de 510 deputados e muitos ministros envolvidos no processo (inclusive um famoso Ministro), todos acusados de receber propinas e favorecimentos do famoso Construtor.

O escândalo político-financeiro levou ao suicídio do Diretor da construtora, responsável pela interface com governo e investidores. Antes de tirar a própria vida, deixou nas mãos de um jornalista da imprensa sensacionalista uma extensa lista de políticos, deputados e ministros implicados em vantagens indevidas.

Da noite para o dia o jornal se tornou um dos mais populares e influentes do país. A lista foi sendo publicada aos poucos criando um suspense em toda sociedade. Viu-se a reputação de seus representantes políticos cair continuamente. No final, 104 deputados foram considerados culpados. Um dos ministros passou 3 anos na solitária.

Por mais atual que pareça para nós, a situação narrada acima se refere a episódios ocorridos na França em torno de 1890, por ocasião da construção do Canal do Panamá. O Construtor é Ferdinand Lesseps, que antes conduziu com sucesso a construção do Canal de Suez. O Engenheiro é Gustave Eiffel, projetista da famosa Torre Eiffel. O famoso Ministro é George Clemenceau, herói da França, e o Diretor é o Barão Jacques de Reinach. Além do pernicioso retrato da corrupção, vemos os perigos da falta de estudos, de bons projetos de engenharia e a vulnerabilidade da gente de governo quando expostos a situações complexas em ambiente de falta de governança.

Posteriormente à falência, com perdas astronômicas para os investidores, a obra foi retomada em 1904 por uma empresa americana e finalmente inaugurada em 1914.

Em nossos dias, onde o mote é a atração de investidores para construção de obras de expansão da infraestrutura de energia, nunca é demais lembrar a um governo novo a importância de:

  • um Estado forte, honesto e competente, comprometido com a sustentabilidade ambiental, econômica e social, investindo em estudos e engenharia para apontar e projetar obras certas e que resultem na implantação e operação de empreendimentos econômicos e seguros;
  • agências reguladoras que fiscalizem o funcionamento dos projetos ao longo de sua vida, garantindo a boa gestão e impedindo abusos do poder econômico;
  • primorosa governança que blinde obras e projetos das deletérias influências políticas;
  • empresas privadas com elevados níveis de compliance, modernas e competentes fornecendo bens e serviços; e
  • equacionamento financeiro e contratação de seguros de execução que assegurem a boa velocidade de implantação e a segurança do funcionamento da obra ao longo do seu ciclo de vida.

O Brasil vai necessitar de significativos investimentos em energia e não pode almejar que eles sejam bem executados se forem repetidos os mesmos modelos de negócio que tivemos nos últimos anos. O setor de energia elétrica brasileiro sofreu com a degradação do seu planejamento, com concepções equivocadas em sua operação, com a apropriação patrimonialista de suas empresas estatais e com os problemas daí decorrentes. Podemos dizer que continua lamentavelmente sofrendo com a lentidão na adoção de medidas para corrigir esta sucessão de erros.

O mundo está em meio a uma transição no modelo energético e precisamos que os futuros responsáveis pelo setor tenham as respostas para os desafios aqui apontados.

*Conselheiro do Clube de Engenharia, Engenheiro Civil, Ex-Secretário Nacional de Energia e Ex-Presidente da Eletrobrás, da Light e da Associação Comercial do Rio de Janeiro.

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