A extinção dos Conselhos Regionais é um equívoco. Não existe vácuo na política.

Foto: Mark Moore/TransientEye

Por Julio Villas Boas
Membro do Conselho Diretor do Clube de Engenharia e diretor do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (CREA-RJ)

Miguel Fernández y Fernández, no Portal do Clube de Engenharia, termina seu artigo "Sem Alvará, Sem Crea, Sinpapeles" da forma abaixo:

"É preciso entender que registros ou papéis de CREAs, CRMs e similares são meramente arrecadadores e inúteis. Ninguém tem o ‘dom’ da engenharia ou da medicina porque está obrigatoriamente registrado em um conselho. Fizeram os jornalistas muito bem ao não aceitarem a burocracia de um conselho de classe. Precisam ajudar as demais áreas de atividades a se libertar desses burocratas anacrônicos, não a valorizá-los".

Jornalistas, engenheiros e médicos têm funções sociais distintas. O erro por imperícia, incapacidade ou incompetência de uns pode significar a perda de vida de muitos. Além disso, foram as grandes empresas midiáticas que fizeram lobby para que o Conselho de Classe dos Jornalistas não fosse adiante com receio da autorregulamentação e da ética profissional. Mas deixemos de lado o exemplo infeliz e vamos ao que mais nos incomoda: a proposta de desregulamentação e extinção dos Conselhos Profissionais, no nosso caso o CREA.

É verdade que, em tese, o que assegura o exercício profissional é o diploma, emitido por escola reconhecida pelo MEC mesmo que a grade e a ênfase de uma não seja a mesma de outra. É verdade, também, que a sociedade dispõe dos Códigos Civil, Penal e de Defesa do Consumidor para se defender, mesmo com a costumaz lentidão e ineficiência que caracterizam o judiciário.

A pergunta é: Basta? Bastam para a segurança e garantia de prestação de bons serviços à sociedade o diploma de engenheiro e o sistema jurídico existente?

Seguramente não!

A grande virtude dos Conselhos Profissionais é a autorregulamentação e com ela o Código de Ética tendo por base a qualidade dos serviços ofertados à sociedade. São engenheiros, através do CREA, conscientes da importância de sua função social que buscam a maior seriedade, qualificação e ética no exercício da profissão.

A engenharia, hoje, tem uma enorme variedade de especialidades fruto do desenvolvimento das forças produtivas em um mundo em constante mutação e inovação tecnológica. Várias especialidades na engenharia surgiram nos últimos trinta anos e surgirão no curto prazo.

A grade curricular das escolas de engenharia e suas especialidades é abrangente e, ao mesmo tempo, restritiva. Agora sob ameaça de redução substancial da carga horária, e distanciamento presencial dos laboratórios, o papel dos Conselhos aumentará e não diminuirá. Não é à toa que Instituições de Ensino de engenharia têm representação no CREA para contribuir nesta direção.

É necessário que, constantemente, as atribuições e especialidades sejam reavaliadas e revalidadas tendo por base as exigências da vida.

Muitas vezes, projetos, serviços e obras são exercidos por profissionais, portadores ou não de diplomas de engenheiro, que não possuem qualificação adequada. Premidos por pressões e interesses nem sempre éticos, não são poucos os casos de exercício irresponsável da profissão. O CREA busca garantir, através das ARTs e fiscalização constante, que a sociedade não seja prejudicada pelo exercício ilegal da profissão com risco de prejuízos materiais e de vidas.

Anotação de Responsabilidade Técnica, a ART, é um instrumento para que a sociedade se proteja contra a impunidade e diluição de responsabilidades. A declaração do exercício deste ou daquele profissional, aceita pelo CREA, define "a priori" a responsabilidade civil e criminal pela execução de projetos, obras e serviços.

A comunidade de engenharia tem pleiteado, de forma ininterrupta, que na contratação de serviços, obras e projetos de engenharia deva ser considerado não só preço mas, principalmente, qualificação. É no CREA que está arquivado e salvaguardado, com o devido reconhecimento, o acervo técnico, que é a garantia da qualificação técnica.

Estas são as razões principais que sustentam a necessidade de um conselho de profissionais que se reúnem de forma democrática para se autorregulamentarem e fiscalizarem, em benefício da sociedade, o exercício qualificado e ético da profissão.

O CREA, reconhecemos, tem desafios que precisam ser enfrentados e sanados. O principal deles é concentrar na atividade-fim e esvaziar a atividade-meio, além de buscarmos ter anuidades e taxas mais acessíveis. Mas ao advogar a fim dos Conselhos, em última análise, está se propondo não a desregulamentação, mas sim que esta fique a cargo de burocratas em instâncias distantes dos engenheiros, e com certeza, com soluções autoritárias e equivocadas.

O CREA, por ser de todos os engenheiros, com representação de todas as entidades representativas da engenharia, deve na garantia do exercício da profissão participar ativamente do debate dos rumos do desenvolvimento do pais. Afinal os engenheiros são os agentes mais ativos nos projetos e soluções para os grandes gargalos na infraestrutura, saneamento, déficits habitacionais e grandes plantas industriais.

Precisamos tornar o CREA mais eficiente, mais democrático e mais próximo dos anseios da sociedade. A desregulamentação é uma ideia equivocada, pois não existe vácuo na política. Na falta do CREA outro órgão surgirá, e muito provavelmente sem a presença dos engenheiros, por iniciativa tecnocrática e burocrática e nada democrática.

Como diria João Saldanha, referência de Fernández y Fernández, “Importante é não jogar a criança fora junto com a água suja e a bacia”.

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