Carta aberta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC)
ao Exmo. Sr. Marcos Pontes
Ministro de Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações

Brasília, maio de 2019

Exmo. Sr. Ministro,

Temos acompanhado as batalhas que V. Exa. tem travado nos últimos tempos para reverter os cortes orçamentários determinados pelo Ministério da Economia.

Parece-nos, no entanto, oportuno alertá-lo que as atuais diretrizes de Governo para C&T comprometem gravemente o desenvolvimento nacional, o bem público, o progresso da ciência e a defesa da soberania nacional. Estas diretrizes de Governo transcendem as questões orçamentárias.

O Sistema de Ciência e Tecnologia, seus institutos, universidades e agências de fomento têm contribuído nos últimos setenta anos para oferecer aos governos, ao sistema produtivo e à sociedade, conhecimentos que permitiram promover o desenvolvimento, elevar a produtividade da indústria e da agricultura, a compreensão de nossa sociedade e dos conflitos sociais que nela encontramos. Permitiram também que o Brasil ocupasse um lugar digno no quadro internacional do progresso científico.

Lembro que a concepção e redação da Constituição de ‘88 foi influenciada pelos conhecimentos e progressos científicos, alcançados até aquele momento através das pesquisas em nossos Institutos, Universidades e Centros de Pesquisa.

A SBPC teve a oportunidade e a honra de oferecer subsídios para a redação dos Artigos de Ciência e Tecnologia (Art 218), Meio Ambiente (Art. 225), Direitos humanos (Art 1 Art 4 e Art 5), dos Índios (Art 231) e da Educação (Art 205 a 214) e da Cultura (Art 215 e 216). Ciência Hoje  No30 p. 66-70, 1987, registra estas contribuições.

Durante os debates que precederam a redação da Carta, o conceito de Soberania Nacional foi enriquecido com a incorporação do princípio que para defende-lo é necessário o domínio do conhecimento de nossos recursos naturais, da biodiversidade, da nossa cultura, história e sociedade, e sobretudo é necessário desenvolver a capacidade de acompanhar, e mesmo produzir, conhecimentos científicos novos que contribuam não apenas para reconhecer e explorar o patrimônio social, cultural e natural, mas também para o progresso da ciência básica e aplicada. De interesse nacional ou da própria humanidade.

Foi com esse propósito que se incluíram na Constituição os Artigos acima mencionados, em que se determina ser de interesse nacional o estudo e a proteção do patrimônio genético, da Amazônia, do Pantanal, da Mata Atlântica, da Zona Costeira bem como do patrimônio cultural, arqueológico e paleontológico.

Foi por essa razão que no Art. 218 a Constituição “Facultou aos Estados e Municípios e DF vincular parcela de sua receita orçamentária a entidades públicas de fomento do ensino e à pesquisa científica e tecnológica”.

Artigo que possibilitaria em 1990 incluir nas Constituições Estaduais os recursos vinculados que financiariam as Fundações de Apoio à Pesquisa.

As mencionadas diretrizes de Governo, que hoje nos preocupam, indicam que as determinações constitucionais de fomentar o conhecimento e a ciência para promover o desenvolvimento e defender a Soberania Nacional, estão sendo traídas. Trata-se de diretrizes políticas que fragilizam a própria capacidade de discernimento dos grandes desafios do mundo contemporâneo e destemperam os instrumentos de defesa da Soberania Nacional.

Vejamos alguns exemplos entre tantos outros que as diferentes áreas das ciências naturais, humanas e sociais poderão trazer para o debate da política de C&T.

1. A Amazônia dificilmente pode ser defendida com armas de ferro e fogo. As informações relevantes do patrimônio genético presente no laboratório de biodiversidade que nela encontramos estão contidas em cápsulas de dimensões microscópicas: 10-6m. Fora do alcance dos detectores de metais e instrumentos de persuasão dos guardas de fronteira.

Este patrimônio deve ser estudado e conhecido para ser protegido. Toda proteção é necessariamente seletiva e depende do conhecimento que acumulamos com nossas pesquisas.

A esse respeito devemos lembrar que na Amazônia existem apenas duas pós-graduações em botânica. Deveríamos ter pelo menos 20 para cumprir as determinações constitucionais e subsidiar programas, civis ou militares, de defesa da Soberania Nacional sobre o patrimônio botânico.

2. Grandes investimentos vêm sendo realizados pelos países que lideram a economia mundial, em produção de alimentos através das novas descobertas da bioengenharia nas pesquisas com células tronco animais ou vegetais.Isto significa que em breve o boi perderá valor de mercado. É nosso dever alertar o ministério da Agricultura e Pecuária que é efêmera a glória dos seus atuais negócios. Uma nova agricultura deve ser pensada (o documento elaborado pela Embrapa “Visão 2030: O Futuro da Agricultura Brasileira” oferece importantes informações a respeito).

A política de Ciência e Tecnologia deveria preparar e subsidiar as diretrizes de Governo voltadas a garantir nossa soberania econômica e alimentar, além da territorial.  A Amazônia nos oferece uma rica biblioteca de códigos genéticos da biodiversidade, ela é um imenso arquivo de uma grande variedade de células tronco. Esta biblioteca deveria ser melhor estudada, suas linguagens decifradas, antes de destruí-la para engordar gado.

3. Grandes investimentos vêm sendo realizados na área da Inteligência artificial, pelos países que lideram a economia mundial e prezam por sua Soberania Nacional, um campo de conhecimento que revoluciona o próprio sistema de defesa de terra, mar e ar, exigindo que aos três tradicionais vetores da defesa, se acrescente um quarto, o da inteligência.

Acréscimo que exige um certo entendimento e cooperação, entre o Sistema de Ciência e Tecnologia civil e os tutores militares da defesa da Nação.

Um Sistema que desde suas origens (na criação do CNPq em 1950 e da Finep-FNDCT em 1970) preocupou-se com a formação da competência científica e tecnológica, capaz de promover o desenvolvimento e defender a Soberania Nacional, em suas dimensões econômicas, sociais, militares e geopolíticas.

Há outros exemplos, que poderiam ser acrescentados, desde a computação quântica à química de produtos naturais, dos paleo estudos de nossas origens às culturas que ocuparam a Terra Brasilis desde tempos imemoriais.

Acreditamos enfim que atravessamos um momento de grandes decisões políticas, que podem vir a redefinir nosso lugar na Terra. Ocuparemos nos próximos tempos um lugar digno entre os países soberanos ou uma cela entre os subalternos? A inteligência o dirá.

É imperativo hoje denunciar que o atual Governo rompeu o pacto, registrado na Constituição de ‘88, que após vinte anos de ditadura, unia a sociedade: comunidade cientifica, política, trabalhadores, indústria, agricultura e mesmo as forças armadas, em torno de um Projeto de Desenvolvimento Nacional.

A história não perdoaria a nossa omissão neste momento e tanto menos perdoará o silêncio dos tutores da defesa da soberania de terra, mar e ar.

Assinam os Presidentes de Honra da SBPC:

Ennio Candotti,
Otavio Guilherme Velho,
Sergio Machado Rezende,
Sergio Mascarenhas

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