Água: uma crise de gestão, transparência e confiança

A maior estação de tratamento de água em produção contínua do mundo, ETA Guandu, passa por grave crise de confiabilidade. Foto: Divulgação/Governo RJ

As últimas semanas no Rio de Janeiro têm sido dramáticas para a população. Impossibilitada de beber a água turva e com gosto de terra que saía das torneiras, a única alternativa, para os que tinham recursos, foi investir em água mineral. Responsabilidades e soluções não estiveram na pauta dos gestores públicos, de forma a informar e tranquilizar as famílias fluminenses sobre o tempo previsto para que a água potável voltasse às torneiras. O fato é que a crise da água escancarou outros graves problemas que se perpetuam no Estado, e de maneira geral no país, em busca de soluções para garantir a boa qualidade dos recursos hídricos - dos mananciais até as torneiras - e do saneamento básico, universalizado.

Aprofundar o tema foi a proposta da palestra Planejamento Urbano e Segurança Hídrica, no dia 11 de fevereiro, no Clube de Engenharia. Participaram Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia; Professor Jorge Rios, chefe da Divisão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS); Alexandre Pessoa, Engenheiro Civil e Sanitarista da Fiocruz; José Alexandre Maximino Mota, Promotor de Justiça e Assessor do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (GAEMA/MPRJ); e Wladimir Loureiro, coordenador da Câmara Técnica de Legislação e Gestão do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Guandu.

Com ênfase no protagonismo que já teve a Companhia Estadual de Águas e Esgotos (CEDAE) no Estado, o presidente do Clube de Engenharia, Pedro Celestino, abriu o encontro. Considerada empresa modelo, uma das primeiras dispostas a executar o saneamento sistêmico na metade do século passado, seu nome foi construído quando ainda era, em parte, a Empresa de Águas do Estado da Guanabara (CEDAG). Para ele, o único fato que pode explicar a empresa modelo de ontem ser hoje incapaz de fornecer água inodora, insípida e incolor é a proposital degradação da gestão para convencer a população da necessidade de privatizar. "Nós, do Clube de Engenharia, não compactuamos com erros de gestão, com o descalabro que é, hoje, a gestão da CEDAE. Nós não compactuamos, mas defendemos a empresa pública", afirmou.

"A geosmina é só a ponta do iceberg"

A frase é de Alexandre Pessoa, que em sua apresentação explorou a importância de se estudar e compreender toda a situação das bacias hidrográficas que estão no Rio de Janeiro - ou impactam o Estado - para fazer um planejamento abrangente. “A geosmina nada mais é do que a ponta do iceberg, porque se não tivesse cheiro e odor, estava tudo bem, independente de ter outras substâncias muito mais perigosas”, comentou. Para o engenheiro, esta é uma crise ambiental associada a uma vulnerabilidade das políticas de saneamento. Para compreendê-la é preciso abordar também as chuvas e inundações. Uma de suas sugestões foi rever o Plano de Contingência da CEDAE, que foi elaborado por solicitação do Comitê Guandu-RJ, mas não foi cumprido. Para Pessoa, é preciso rever o plano de contingência e realizar a obra necessária, que não ficará pronta em menos de dois anos, mas precisa ser feita. De modo geral, é necessário também executar um Plano Diretor para toda a Região Metropolitana, que deve ser considerado em todos os planos municipais de saneamento da região. E afirmou: “ afinal, o caminho das águas não é delimitado por seções territoriais jurídicas".

Ministério Público: quatro linhas de ação

Para compreender a situação dos rios e da água tratada do Estado e propor ações efetivas, o promotor José Alexandre Maximino ressaltou a importância de se utilizar conhecimento científico e técnico. Ao destacar a crise de confiabilidade pela qual a CEDAE passa desde que a água das torneiras se tornou um problema, afirmou: "Nós estamos falando da confiabilidade da água de um sistema que nunca foi posto em xeque. Enquanto a questão do esgotamento, com todas as suas mazelas, sempre foi algo passível de crítica, até então a população fluminense tinha confiabilidade na água. Retirar essa confiabilidade, até por alarmismos extremos, ou menosprezar os problemas que existem, não resolve". O promotor traçou quatro linhas de ação que o grupo está planejando para apoiar a resolução da crise ambiental. A primeira é o monitoramento da qualidade da água, fazendo a "rastreabilidade" dos problemas e utilizando laudos referentes aos reservatórios, observando seus respectivos parâmetros. Outro caminho é sanear cidades abastecidas pelos rios Poços, Queimados e Ipiranga, por serem rios onde são lançadas grandes quantidades de rejeitos industriais e esgotos domésticos. Esta ação inclui, por parte do MP, a identificação de fontes de recursos como o Fundo Estadual de Conservação Ambiental (FECAM). A terceira linha de ação é a integração de três planejamentos: o Plano de Contingência do Guandu, Plano Operacional e Plano de Segurança da Água, para que se faça o planejamento da saúde hídrica desde o manancial até os pontos de controle. E, por último, analisar a melhor opção para transposição do Guandu, com viabilidade econômica, considerando ainda o tratamento químico necessário, sem ignorar ações de médio e longo prazo referentes à despoluição dos rios a montante do Guandu, como o Paraíba do Sul.

Falta de transparência e omissão de planos existentes

Um dos desafios do Ministério Público é justamente encontrar toda a documentação já existente sobre os diversos corpos d'água, tais como planos, laudos e relatórios. Uma das bases da crise hídrica no Rio de Janeiro é, portanto, a falta de transparência, inclusive nos órgãos não governamentais que deveriam representar a sociedade, conforme relatou Wladimir Loureiro a respeito do Comitê Guandu. Segundo o advogado, o Comitê, considerado um conselho de direitos, deveria ser um dos mais eficientes, por ter verba e secretaria executiva próprias, mas tem problemas internos como a baixa representatividade - uma vez que alguns membros participam por mais de uma década representando ora um órgão ora outro - e falta de transparência, por exemplo, na destinação de verbas. Loureiro ressaltou a importância da participação popular no Comitê para fazer valer as prioridades da população.

Outro exemplo do quanto os planejamentos, seja metropolitanos, estaduais ou municipais, não conversam e nem são aplicados foi a fala do conselheiro do Clube de Engenharia, professor Jorge Rios. Atuante na área de recursos hídricos há pelo menos três décadas, o conselheiro relatou ter participado da elaboração, nos anos 1980, do Plano Diretor de Abastecimento de Água da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Um plano extenso, com mais de 40 volumes (além do detalhamento da rede), que à época custou cerca de dois milhões de dólares para a CEDAE, e nunca foi aplicado. Apesar do tempo, o documento contém soluções que ainda poderiam ser executadas, uma vez que os problemas que a região enfrenta no que compete a falta d'água e enchentes é centenário. O professor defendeu um planejamento urbano que contemple água, esgoto, lixo e drenagem, e como solução emergencial o desvio do Guandu para que deixe, neste momento, de receber tanto esgoto. A médio prazo, ainda, o tratamento dos esgotos na Bacia do Guandu e do Paraíba do Sul.

O evento foi promovido pela Presidência do Clube, Diretoria de Atividades Técnicas (DAT) e Divisão Técnica de Urbanismo e Planejamento Regional (DUR), com apoio das divisões técnicas de Exercício Profissional (DEP), Engenharia do Ambiente (DEA) e Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS), além da Associação Profissional dos Geógrafos no Estado do Rio de Janeiro (APROGEO-RJ).

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