O roteiro para o fim da Petrobrás já está pronto e em andamento

"A venda de ativos imprescindíveis aliada a uma política de preços de autoflagelo desmontaram o equilíbrio e conforto financeiro que a companhia mantinha há muitos anos". Foto: Rodrigo Soldon / Flickr

Fonte: Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET)
Por Cláudio da Costa Oliveira, economista aposentado da Petrobrás
04/03/2020

Petroleiras internacionais precisam aumentar suas reservas para sobreviver

Próxima a completar 67 anos de existência, a Petrobrás sofre hoje a maior ameaça à sua sobrevivência em sua história.

Administrada por financistas obedientes ao capital internacional, cuja visão rentista despreza a importância da empresa para o desenvolvimento da nação e que contam com o apoio irrestrito de uma mídia hegemônica despudorada, comprometida com interesses externos, que para atingir seus propósitos e capaz de transformar mentiras absolutas em verdades, para a opinião pública brasileira. Tudo acompanhado de perto por uma elite espúria e incompetente, que se sente mais confortável com um país colônia, submisso e sem soberania sobre o seu próprio destino.

MENTIRAS ABSOLUTAS E ESCANDALOSAS

A Petrobrás anunciou recentemente (19/02) com euforia o lucro de R$ 40 bilhões obtido no exercício de 2019. Seu presidente, Castello Branco, em mensagem bradou orgulhoso “O maior lucro da história da companhia”

Quanta sordidez. Basta dar uma olhada no Balanço publicado; não é necessário ser um especialista para verificar que o resultado foi obtido com o “lucro” de R$ 24 bilhões, pela venda de ativos (com destaque para a TAG) e de R$ 14 bilhões, com a venda do controle da BR Distribuidora. Mesmo assim a empresa distribuiu mais de R$ 10 bilhões aos acionistas.

Interessante como a mídia hegemônica não percebeu a importância do fato, tendo feito apenas pequenos ou nenhum comentário. E o mercado? Bem, o mercado aplaudiu não o resultado, mas a distribuição de dividendos. Para o mercado dividendo é sempre bom, venha ele de lucro ou de venda de ativos.

Excluídos estes efeitos (venda de ativos e da BR) o resultado foi, com certeza, um dos piores da história da companhia.

Mais recentemente (29/02) foi divulgado o resultado em dólares, tendo a empresa registrado um lucro equivalente a US$ 10,2 bilhões, da mesma forma puxado pela venda de ativos (US$ 6,7 bilhões) e do controle da BR Distribuidora (US$ 2,4 bilhões) . Portanto, para efeito de comparação, o resultado em 2019 foi de US$ 1,1 bilhão (10,2 – 6,7+2,4)

Em sua mensagem o presidente também destaca um importante aspecto financeiro:

“os desinvestimentos e a forte geração de caixa operacional – um valor recorde de US$ 25,6 bilhões – permitiram a redução da dívida em US$ 24 bilhões.”

O que será que ele entende por “recorde”? Se levantarmos a geração de caixa operacional da companhia nos últimos anos temos o seguinte:

Petrobrás             

Geração de caixa operacional - US$ bilhões

2011    2012     2013      2014      2015     2016    2017     2018    2019
33,7     27,0      26,3       26,6      25,9      26,1     27,1      26,4     25,6

De fato o presidente tem razão. Foi recorde de pior geração de caixa operacional dos últimos 9 anos (pelo menos).

Tanta mentira e ninguém questiona?

Notem que no período (2011/2014) em que a mídia hegemônica dizia que a empresa estava à beira da insolvência, causada pela corrupção e pelo subsidio ao mercado interno, ela obtinha as maiores gerações de caixa operacional.

OUTROS DADOS FINANCEIROS

Se são capazes de contar tantas mentiras, imaginem o que eles não ocultam.

Um importante indicador da saúde financeira de uma empresa é a liquidez corrente (divisão do ativo corrente pelo passivo corrente) que mostra a capacidade da sociedade cumprir com seus compromissos de curto prazo (um ano). Quanto maior o indicador, mais tranquila é a situação financeira da empresa.

Petrobrás – Liquidez corrente

2010   2011   2012   2013   2014  2015   2016   2017   2018   2019
1,9       1,8     1,7      1,5     1,6     1,5      1,8     1,9      1,5     0,97

Outro recorde de Castello Branco, a pior liquidez corrente da história. Notem que no período (2010/2014) em que diziam que a companhia passou por problemas financeiros, foram obtidos os maiores índices.

Castello Branco conseguiu, pela primeira vez na história, reduzir a liquidez corrente da Petrobras para menos de 1,00.

Isto significa dizer que a empresa está com capital de giro negativo (ativo corrente - passivo corrente). No jargão contábil “está vendendo o almoço para comprar a janta”

De menor importância mas que também mostra o nível de conforto financeiro de uma empresa temos o seu saldo de caixa.

Petrobrás – Saldo de Caixa US$ bilhões

2010   2011   2012   2013   2014   2015   2016   2017   2018   2019
17,7    19,1   13,6    15,9    16,7    25,1    21,2    22,5    13,9    7,4

Novo recorde, o menor caixa da década. Para quem sempre afirmou que a empresa passou por sérios problemas financeiros, o que dizer do momento atual ?

ASPECTOS ECONÔMICOS

 

Dados Petrobrás                     2011     2013    2018    2019

Lucro US$ bilhões                    20         11        7        1,1*

Remuneração acionistas

Preço corrente $ bilhões**        12        9,3        7       10,5

Remuneração acionistas

Preço 2019 R$ bilhões             18,3      12,5     7,3      10,5

*excluindo venda de ativos

**dividendos e juros sobre capital próprio

Vejam como no período em que a companhia trabalhava em favor da população brasileira os lucros eram maiores e a remuneração dos acionistas também.

Vale lembrar também a queda na receita liquida no período mesmo com os preços internos calculados em US$ - PPI .

Dados Petrobrás                     2017   2018    2019
Receita Liquida US$ bilhões     88,2     84,6    76,6

RELEVANCIA DA EMPRESA

Alguns dados que mostram a importância da Petrobrás para a economia brasileira

Dados Petrobrás                           2011    2013    2018    2019
Empregados mil                            81,9     86,1     63,4    57,9
Investimento US$ bilhões               43        45        13      10,7
Gastos com pesquisa US$ bilhões   1,5       1,1       0,6         *

*ainda não disponível

O QUE ESTÁ ACONTECENDO ?

A venda de ativos imprescindíveis (NTS, TAG, BR Distribuidora etc) aliada a uma política de preços de autoflagelo, chamada de Preço de Paridade de Importação- PPI desmontaram o equilíbrio e conforto financeiro que a companhia mantinha há muitos anos.

É oportuno salientar a política de preços (PPI) pois a maioria dos brasileiros e também dos petroleiros, acredita que os preços estabelecidos pela Petrobras em suas refinarias têm como base apenas os preços internacionais. Esta crença foi difundida pela administração da empresa e pela mídia a partir de 2016 para iludir a população brasileira.

Na realidade o Preço de Paridade Internacional – PPI, considera o preço internacional do produto (diesel, gasolina e gás) fora do Brasil, acrescenta os gastos com frete até um porto brasileiro, soma os gastos com internação (portuários, alfandegários, etc), adiciona um seguro para garantir a estabilidade cambial e do preço do produto durante o tempo de importação e ainda atribui um lucro. Entenderam? Portanto.

PPI = custo de importação + lucro

Com esta política a companhia permite que seus concorrentes no exterior vendam seus produtos no Brasil, tomando mercado da própria Petrobrás. Ou seja, é a Petrobrás fazendo caridade para seus concorrentes.

Uma verdadeira jabuticaba venenosa, que não existe e nunca existiu em lugar nenhum do planeta.

Mas os acionistas não reclamam desta situação?

Não porque de um lado, os acionistas brasileiros mal conhecem o que é PPI e seus efeitos nocivos.

Acreditam no que é informado pela mídia hegemônica.

Recentemente, em editorial, um “jornalão” defendeu a excrescência chamada PPI. No passado, este mesmo “jornalão” primeiro divulgou que o pré-sal não existia e depois que a Petrobrás não tinha tecnologia e por fim que estava quebrada. Mentira absoluta como vimos nos dados financeiros da companhia expostos acima.

Por outro lado, os acionistas estrangeiros não têm o que reclamar, pois são também sócios das empresas estrangeiras que se beneficiam com a jabuticaba venenosa.

E EM 2020 A SITUAÇÃO MELHORA?

Pelo contrário, a tendência é piorar ainda mais. A empresa está completamente desestruturada e o resultado depende de venda de ativos. Por isto a pressa em vender as refinarias. Se isto não ocorrer há chance da companhia apresentar prejuízo em 2020, e é muito grande, a não ser que o preço do petróleo suba tanto que a venda de óleo cru resolva o problema.

Os indicadores financeiros tendem a piorar.

E APÓS 2020, QUAL É O CENÁRIO ?

A Petrobras acaba de adquirir o direito de exploração de petróleo no chamado excedente da cessão onerosa.

O Plano de Negócios e Gestão – PNG 2020/2024 da companhia prevê investimentos da ordem de US$15 bilhões/ano no período, o que indica que não estão previstos investimentos para produção na área recém adquirida, pois isto exigiria volumes muito maiores de recursos.

O engenheiro Fernando Siqueira, diretor da Associação dos Engenheiros da Petrobras-AEPET em recente artigo sobre a compra pela Petrobrás dos direitos de exploração do excedente da cessão onerosa salienta, “favorecida pelo fato de seu consórcio concorrer sozinho e dar um percentual de óleo lucro de apenas 23% para a União, contra 80% cobrado pelos países exportadores de petróleo.

Nossa preocupação agora é com a possibilidade do cartel do petróleo estar preparando a compra da Petrobras com todo este acervo de reservas e de tecnologia.

Se não, como explicar a não participação das multinacionais em uma oferta desta importância?”

O especialista Nick Cunningham explica:

“Desde de 2010, as cinco maiores empresas petrolíferas gastaram muito mais do que geraram ao incluir pagamento aos acionistas. ExxonMobil, BP, Chevron, Total e Royal Dutch Shell distribuíram US$ 536 bilhões em dividendos e recompra de ações desde 2010, um número que excede em muito os US$ 329 bilhões em fluxo de caixa livre no mesmo período”

“Essa prática reflete uma fraqueza subjacente nos fundamentos dos modelos contemporâneos de negócios de petróleo e gás: as receitas das operações das grandes petroleiras não estão cobrindo suas principais despesas operacionais e gastos de capital”

“Dividendos generosos e recompras de ações dão às empresas a aparência de desempenho financeiro confiável, quando, nesse caso, o oposto é verdadeiro”

Enquanto isso, a ExxonMobil não está desacelerando, gastando em níveis agressivos, enquanto perfura o Permiano e tenta acelerar suas descobertas de petróleo na Guiana.

Segundo o Citigroup “A ExxonMobil precisaria que os preços do petróleo fossem negociados a cerca de US$ 100 o barril para que a empresa pagasse todos os seus gastos e também cobrisse os pagamentos dos acionistas”

Em situação desesperadora as petroleiras internacionais precisam aumentar suas reservas para sobreviver.

A Agência Internacional de Energia – AIE afirma :

“O uso de óleo em carros de passeio atinge o pico no final da década de 2020 e, durante a década de 2030, a demanda aumenta em apenas 0,1 mb/dia em média a cada ano. Mas não há um pico definitivo no uso de petróleo em geral, pois há aumentos contínuos em petroquímicos, caminhões e nos setores de transporte e aviação”

Considerando que os grandes investidores internacionais (BlackRock, Vanguard, JPMorgan etc) estão fortemente presentes no capital das grandes petroleiras e também na Petrobrás, podemos entender que, do ponto de vista deles, seria muito mais interessante ver todo o acervo da Petrobrás (reservas, refinarias do sudeste e tecnologia) transferidos para as petroleiras internacionais.

Existem dois aspectos fundamentais: as petroleiras internacionais conseguem captar recursos a custo quase zero, o que não acontece com a Petrobrás, tornando os investimentos muito mais baratos. Por outro lado as petroleiras internacionais tem muito mais liberdade na distribuição de dividendos (mesmo que de forma suicida) do que a estatal brasileira, sendo mais atraente aos investidores.

Hoje, o ambiente no governo e na administração da Petrobrás é plenamente favorável à atuação dos grandes investidores.

Países como a Grã-Bretanha e a Alemanha criaram fundos bilionários para defender suas empresas da ação predatória destes investidores. No Japão as leis societárias não permitem a entrada destes investidores. No Brasil eles sequer são percebidos, e atuam livremente com lobistas agindo no governo e no Congresso.

Sabendo que o Secretário Especial de Desestatização, Salim Matar, já falou que a Petrobrás precisa ser privatizada sem alarde, sem que o povo perceba, e o presidente da empresa, Castello Branco disse que sonha com a privatização da companhia, não é difícil imaginar para onde estamos indo.

E O QUE OCORRERIA COM A PETROBRÁS?

A Petrobrás encerraria suas atividades. Seria fechada. Sairia da vida para entrar na história.

E O QUE OCORRERIA COM O BRASIL?

O Brasil continuaria a ser colônia, como desejam os administradores financistas da Petrobras, a mídia hegemônica despudorada e nossa elite espúria.

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