5G: oportunidade da retomada de uma cadeia produtiva nacional

Matéria de Capa do Jornal nº 617 do Clube de Engenharia, nas páginas 6 e 7 - “O histórico momento do 5g no Brasil”, que trata da oportunidade de retomada de uma cadeia produtiva nacional. CLIQUE AQUI PARA LER O JORNAL 617 COMPLETO.

O leilão do 5G proposto pela Anatel e Ministério das Comunicações (MCom) para o segundo semestre de 2021 vem sendo acompanhado cuidadosamente pela Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI) do Clube de Engenharia. Para dar maior amplitude aos nossos posicionamentos, temos nos ombreado com entidades da sociedade civil com interesses semelhantes, na defesa de um edital que contemple requisitos que venham para a diminuição da desigualdade de acesso digital em nossa sociedade e que também possam alavancar o país para um desenvolvimento sustentável no setor

Sabemos bem a desindustrialização ocorrida após as privatizações na década de 1990 (a das telecomunicações ocorrida em 1998), que veio determinar um desequilíbrio na balança comercial de eletroeletrônicos, outrora superavitária, e que nos últimos anos, conforme aponta a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica), tem dado déficits de dezenas de bilhões de dólares anualmente. Os índices de atendimento ao mercado interno pelas indústrias locais vêm caindo drasticamente pela importação indiscriminada da infraestrutura das redes implantadas, sem uma ação coordenada de planejamento que pudesse reverter esta situação.

Já tivemos oportunidade de apontar que a ausência de uma política industrial pelo MCom, sem uma visão de longo prazo, tem contribuído para a perda de protagonismo da manufatura nacional (ver Jornal do Clube de Engenharia nº 615). Dessa maneira, no ensejo de um leilão de características inéditas, tanto em valor como em quantidade de espectro disponibilizado, o edital cria uma oportunidade de formular as condições para o fomento à pesquisa e desenvolvimento (P&D) local, à transferência de tecnologia e ao incentivo a uma cadeia produtiva nacional. Seria de fundamental importância aproveitar a dimensão do certame para a construção de uma política industrial com participação de prestadores de serviço, fabricantes, entidades de pesquisa, academia e sociedade civil.

Da mesma forma, tendo em vista a inclusão de frequências de 700 MHz e 2,3 GHz no leilão, mais adequadas ao 4G, acreditamos que o edital deva explicitar obrigações de atendimento para regiões e localidades ainda sem atendimento por redes móveis. A convivência do 4G com o 5G se dará provavelmente por décadas, como indica pesquisa da Global System for Mobile Association (GSMA) ao prever que em 2025 o 5G no Brasil atingirá apenas 18% dos dispositivos totais implantados, e que o 4G terá predominância com cerca de 80%. No curto prazo, estas obrigações relacionadas ao 4G é que farão a grande diferença para o atendimento móvel de milhares de localidades ainda sem disponibilidade de celulares.

Na frequência de 3,5 GHz, depois de muitas discussões (ver Jornal do Clube de Engenharia nº 616), decidiu a Anatel que o serviço de TV aberta por satélite, que atualmente ocupa parte da banda, seria deslocado para a banda Ku (12 GHz), com custos a serem debitados dentro do edital aos respectivos vencedores. Será um processo demorado e complexo de distribuição de kits para cada usuário que exigirá um esforço de logística imenso, mas que liberará uma faixa considerável de espectro que deverá atrair os atuais prestadores de serviço, e até mesmo um possível novo prestador de serviço nacional entrante.

Neste sentido, estabelecer as condições para se ter diversidade de fornecedores para os elementos de rede sempre é uma preocupação em leilões dessa magnitude, de forma a se obter custos inferiores de implantação que venham a se refletir nos preços dos planos de contratação dos usuários e que acabe por instituir um maior incentivo à massificação do seu uso. Não parece justificável limitar a participação de fabricantes sobre acusações pouco convincentes de eventuais quebras de segurança em uma declarada disputa geopolítica global, que poderá vir a trazer consequências desastrosas à diplomacia e ao comércio do país.

Por outro lado, a recente aprovação dos recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), que agora constituem a Lei 14.109/2021, apoiada por entidades da sociedade civil, poderá se constituir num facilitador para a introdução de banda larga em áreas remotas, principalmente no que diz respeito ao atendimento de escolas. Neste sentido, a sociedade civil terá três dos doze assentos no Conselho Gestor deste fundo que atuará na gestão das prioridades a serem contempladas. Nem só para os grandes prestadores nacionais de serviços móveis o leilão do 5G será atrativo. Os Provedores de Pequeno Porte (PPP) também terão participação importante nos blocos de frequência regionais.

Divididos em 8 regiões, estes provedores, que juntos já representam a maior força de mercado na banda larga, sempre lutaram por uma maior facilidade na obtenção de recursos para suportar suas implantações. Um fundo garantidor junto a instituições de fomento, por exemplo o BNDES, é bandeira que sempre foi colocada para o estabelecimento de um mercado mais competitivo não só nas regiões mais atrativas.

Causou surpresa e muita controvérsia a exigência da Anatel de que os fornecimentos a serem feitos se alinhem à especificação mais recente da entidade padronizadora mundial do 5G, o 3GPP (3rd Generation Partnership Project). O Release 16 do 3GPP, requerido pela Anatel, condiciona uma estrutura de rede completamente nova para o 5G, impedindo a utilização de parte da rede 4G para dar curso às conexões, implicando obviamente em maiores custos finais, tanto para prestadores de serviço como para os usuários. As Operadoras se dividiram nesta discussão, que neste momento se encontra em andamento, apesar do posicionamento da Anatel.

Parece-nos que uma introdução mais harmoniosa, com a possibilidade de utilização de redes existentes, que por terem um impacto menor nos custos, possa ser mais adequada a um país que ainda detém um significativo déficit digital de atendimento, justamente pelos preços serem ainda elevados para o poder aquisitivo de um segmento da população.
Finalmente, na faixa de 26 GHz, as ondas ditas milimétricas, que tem espetaculares 8 blocos de 400 MHz no edital, a Anatel resolveu por não adotar nenhuma obrigação, deixando a critério dos vencedores do certame a decisão de como implantar a tecnologia. Ressaltamos que os requisitos mais exigentes (velocidades altas e latências mínimas) da tecnologia 5G se encontram exatamente nesta faixa, e que, portanto, poderiam estar associadas obrigações de prazos e locais de implantação.

No momento, o edital, tal como elaborado pela Anatel, encontra-se no TCU (Tribunal de Contas da União) para análise de suas nuances, principalmente quanto aos valores mínimos dos blocos de frequência. Avaliação bastante importante e sensível, tendo em vista a pouca experiência mundial de fixação de preços pela inexistência de parâmetros que possam orientar e mensurar questões mercadológicas emergentes, e pela quantidade de espectro que será leiloado no Brasil. Valores baixos resultam em perda de receita; valores altos afugentam os pretendentes. Mas isto já é outra história.

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