Pandemia expõe a fragilidade do ensino nas escolas públicas

Publicado no Jornal do Clube de Engenharia #619

É visível o quadro de dificuldades crescentes enfrentadas por alunos da rede pública do ensino básico com a pandemia. De maneira dramática o Brasil viu, além da impossibilidade real da absorção dos conteúdos escolares, a fragilidade que a luta contra a Covid-19 imprimiu no cotidiano das escolas, professores e alunos. Dados divulgados pelo IBGE em abril de 2021, na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua/PNAD, mostram que 4,3 milhões de estudantes maiores de 10 anos entraram nas restrições impostas pela pandemia sem acesso à internet.

A situação é mais grave ainda, como aponta outro estudo realizado pelo NIC.br, ligado ao Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br), intitulado Diagnóstico da Conectividade na Educação. Os dados divulgados indicam que também as escolas, em todo o país, não estão devidamente conectadas. Cerca de 80% das escolas no estado do Rio de Janeiro, ou não têm internet instalada, ou se têm a qualidade é ruim ou razoável, segundo os critérios do NIC.br. Apenas 20% das escolas públicas do Rio de Janeiro teriam atendimento  considerado com boa qualidade de conexão. Na audiência pública realizada em 15 de julho do ano em curso, na Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara dos Deputados, que discutia “Inclusão Digital da População Brasileira”, o representante do Tribunal de Contas da União (TCU) afirmou: “não existe uma política pública de conectividade em banda larga no país”. E acrescentou “... os programas demonstram uma multiplicidade de atores na oferta desse serviço. Precisa uma coordenação que integre esses diversos atores”.

A multiplicidade de atores existente atinge especialmente o segmento do ensino fundamental. No ano de 2020 existiam no Congresso Nacional cerca de 19 iniciativas de projetos de lei tramitando envolvendo recursos de diversas fontes, que se perdem num emaranhado de interesses que acabam não avançando no sentido de uma solução adequada (ver ao final da matéria).

As preocupações com as implementações da banda larga nas escolas públicas já se manifestavam por ocasião da elaboração do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), em 2008. Na ocasião, é fundamental lembrar que, por uma troca de obrigações dentro dos contratos das concessões da telefonia fixa foi assumido o compromisso de instalação de infraestruturas de acesso à internet em todas as escolas públicas urbanas pela Oi, pela Vivo, pela Algar e pela Sercomtel. Isso significa um universo aproximadamente de 65 mil unidades escolares espalhadas pelo país, com as quais as empresas citadas passavam a ter uma obrigação contratual que mudaria, de maneira decisiva, o atual cenário da rede pública do ensino básico no país.

Até hoje nada mudou. Passaram-se os anos e as atualizações de velocidade dos acessos, que deveriam ser periódicas, não aconteceram e não houve fiscalização por parte da Anatel. Por desconhecimento da obrigatoriedade contratual, as escolas começaram a buscar outras soluções que sempre recaíam em gastos, o que inviabilizava uma solução em larga escala, até chegarmos à situação atual de um atendimento cada vez mais precário para a maioria das instituições de ensino. Com a pandemia, e a necessidade do acesso para o mínimo funcionamento adequado das escolas, ficou impossível conviver com o grave problema que vinha se arrastando e para o qual se busca hoje uma solução urgente.

Muitas iniciativas, como evidenciado pelo TCU, se superpuseram tentando buscar protagonismo. Poucas se deram conta de que, pelo menos para a conexão das escolas públicas urbanas, existe uma obrigação de atendimento contratual que vem sendo
negligenciada. Neste sentido, o Clube de Engenharia, através da Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI), cooperando com entidades da sociedade civil, vem instrumentalizando uma ação junto às Câmaras de Vereadores dos municípios do Estado do Rio de Janeiro para cobrar as responsabilidades do não cumprimento do compromisso.

Uma pesquisa junto às secretarias de educação do município do Rio de Janeiro foi realizada. Uma audiência pública foi instaurada com a presença da operadora Oi, que prestou esclarecimentos sobre os atendimentos concretizados. Na comparação dos dados apresentados pela Oi, e dos coletados nos estudos mencionados pelas secretarias de educação, pode estar a solução que se espera na caracterização do atendimento inadequado, que em uma segunda fase pode se estender pelo resto do país, e até mesmo envolver as restantes concessionárias. No entanto, ter uma escola adequadamente conectada à internet é importante, mas ainda não resolve o problema de interconexão de alunos e professores. Em especial aqueles em situação de fragilidade social e digital, que não dispõem de dispositivo (telefone móvel, tablet, PC), plano de operadora, e plataformas de ensino a distância, para dar seguimento aos conteúdos digitais.

Das iniciativas que prosperaram no Congresso Nacional, surgiu a Lei 14.172/2021 (ver quadro), que destina exatamente 3,5 bilhões de reais para a aquisição desses dispositivos e visa complementar o atendimento da parcela vulnerável da população de alunos e professores. Apesar de aprovada pelo Congresso e já transformada em lei, a Advocacia Geral da União (AGU) ainda foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar recorrer de sua aplicação com argumentos de que “ameaça o equilíbrio fiscal da União”.

É incontestável que, com a pandemia, evidenciou-se uma grande fragilidade do nosso sistema de ensino ao não dispor de ferramentas para ultrapassar as dificuldades pedagógicas representadas pelas restrições de contaminação que, claro, se somam
à desigualdade social e regional em nosso país. O próprio TCU, na constatação dessa condição precária, vem realizando uma auditoria no intuito de “identificar os riscos e os problemas que merecem atenção do poder público na situação da conexão de banda larga das escolas brasileiras”.

Atentos, fazendo a nossa parte, o Clube de Engenharia e segmentos da sociedade civil continuaremos a dar o suporte necessário às Câmaras de Vereadores do Estado do Rio
de Janeiro. A perspectiva é o aprofundamento das discussões com a Oi em torno do atendimento das escolas nos diversos municípios do estado do Rio de Janeiro, e posteriormente em todo o Brasil.


Dos vários projetos que visam estabelecer condições para o atendimento de banda larga para possibilitar que escolas, alunos e professores possam ter condições de desenvolver os conteúdos escolares, vale destacar:

PBLE/Decreto 6424/2008 – Troca de obrigações dentro do contrato de concessão da telefonia fixa (Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC), se constituindo no Plano Banda Larga nas Escolas (PBLE), cuja alteração foi implementada pelo Decreto 6424/2008 – Obrigação de conexão banda larga por todas as concessionárias de telefonia fixa em atender todas as escolas urbanas do país.

Lei 14.172/2021, advinda do PL 3477/20 – Projeto de Lei inicialmente vetado pela Presidência da República, foi confirmado pelo Senado Federal e atualmente tem pedido de anulação pela AGU ao STF – dotação de 3,5 bilhões de reais para aquisição de dispositivos, planos de dados de operadoras e plataformas de ensino a distância para alunos e  professores, com recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST).

Lei 14.109/2020, Lei do FUST – aprovada e sancionada pela presidência da República, destina parte do arrecadado pelo FUST para conexão de escolas, que competem com outros segmentos de aplicação, como o agronegócio. Necessita de um comitê gestor para gerir sua aplicação.

Projeto Tabata Amaral – levado pela deputada ao TCU para ser incluído no edital do 5G, propõe um novo compromisso por parte dos vencedores no valor de 2,5 bilhões de reais para conexões de cerca de 20 mil escolas com fibra ótica.

Acórdão do TCU – segundo declarações de representantes do TCU, que vem analisando o edital do 5G, haverá inclusão neste edital de obrigações de atendimento a escolas públicas, conforme artigo 9º do decreto nº 9.612/2018, que estabelece políticas de  telecomunicações.

Ministério das Comunicações – focando apenas na conexão, o MCom diz que vem dando atendimento às escolas rurais e urbanas através de projetos em andamento, como o PBLE, Wifi Brasil, Gesac, obrigações já existentes no 5G, argumentando não haver necessidade de incluir compromissos adicionais no edital do 5G, o que implicaria em atrasos na implantação da tecnologia.

PL 142/2018 – Política de Inovação e Educação Conectada (PIEC), implementada pelo MEC via Fundo Nacional de Desenvolvimento. Tem possibilidade de uso do FUST como fonte de recursos. Aprovada pelo Senado em 09/06/2021. Ainda não sancionada pela Presidência da República.

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