Com concentração de parques solares e eólicos, o Nordeste deve se tornar a região exportadora de energia para N e SE

Por José Luiz Alquéres
foi secretário Nacional de Energia e
presidente da Eletrobras e da Light.

Marcondes Ferraz, então projetista da Usina de Paulo Afonso; John Cotrim, depois diretor-técnico de Itaipu; e Roberto Campos, depois ministro de Planejamento, foram definidas as diretrizes para o setor elétrico brasileiro, a partir de grandes usinas hidrelétricas.

Naquela ocasião, o Brasil possuía cerca de 4 mil MW de potência instalada. A solução então desenhada funcionou bem por 50 anos. Graças às grandes hidrelétricas, dominamos tecnologias de construção de barragens e erguemos um parque produtor de equipamentos. Poucos lembram que turbinas da maior entre todas as hidrelétricas, Três
Gargantas, na China, foram fabricadas em Taubaté e exportadas. Tudo financiado pelo BNDES.

Com concentração de parques solares e eólicos, o Nordeste deve se tornar a região exportadora de energia para N e SE

Com concentração de parques solares e eólicos, o Nordeste deve se tornar a região exportadora de energia para N e SE Nos últimos 20 anos, por vários problemas, sujamos a nossa matriz de geração, enfrentamos um racionamento e estamos a caminho - quase inevitável - de outro.

Tais problemas imediatos, porém, são pequenos face ao desafio de neutralizar nossas emissões de carbono até 2050. Para que isso seja possível, governo e sociedade civil devem acordar e começar imediatamente a adotar um conjunto de medidas para aumentar a participação de fontes não poluentes na matriz energética brasileira. Destaco as principais:

. Substituir a frota de veículos leves e os de transporte intraurbano - ônibus e veículos de carga - por veículos movidos a eletricidade ou híbridos a biocombustíveis;

. Substituir transportes de longa distância de cargas em navios, rodovias e ferrovias por soluções baseadas no hidrogênio verde ou azul, biodiesel e eletricidade;

. Ampliar o uso de biocombustíveis na aviação e onde forem essenciais os combustíveis líquidos;

. Implantar novas tecnologias de fabricação do aço, celulose, vidro, metalurgia em geral, petroquímica e outros produtos que eliminem as emissões de carbono ou capturando-as e as armazenando;

. Criar uma política de gestão territorial que impeça o desflorestamento, adote a agricultura de baixo carbono e uso maior de proteína vegetal. Para isso, seria eficaz organizar as concessões por bacias hidrográficas. As concessionárias passariam a ser as autoridades responsáveis por monitorar o reflorestamento da área, a recuperação de mananciais, políticas de uso da terra e, naturalmente, pesquisa e tecnologia adequada aos biomas onde operam. É a forma de se reverter a devastação da Amazônia e de nossos demais biomas.

A resultante eletrificação expandirá as responsabilidades do setor elétrico para outros segmentos onde hoje sua presença é discreta.

A capacidade instalada resultante para atender o crescimento orgânico do consumo de eletricidade e as substituições acima apontadas seria, em 2050, de cerca de 450 mil MW (atualmente são 170 mil MW). Dos 450 mil MW, cerca de 340 mil MW seriam
oriundos de novas fontes limpas, parte intermitentes (eólicas e solares) e parte de geração de base, certamente nuclear. Eles seriam complementados em 110 mil
MW por meio das usinas existentes, muitas após retrofit.

Podemos imaginar esta matriz com 2/3 de fontes intermitentes e 1/3 de sólida
geração hidrotérmica de base. A preços de US$ 1.000 por kW 'retrofitado', US$
1.500 por kW eólico ou solar, e US$ 5.000 por kW em usinas nucleares, o investimento total necessário será de estimados US$ 760 bilhões.

Acredito que este investimento possa ser reduzido pela adoção de políticas industriais eficazes, treinando pessoal, eliminando as taxas que penalizam o custo Brasil e investindo em infraestrutura. As fontes intermitentes limpas eliminariam não só todas as
emissões de gases de efeito estufa do setor de energia elétrica, metade ou mais das emissões do setor de óleo e gás e ainda criariam um poderoso instrumento de gestão territorial, cuja inexistência hoje é responsável por 2/3 das emissões de carbono brasileiras.

A feição descentralizada que tal sistema deverá ter tornará possível que cerca de
10% do montante total estimado de investimento sejam financiados por seus próprios usuários (em investimentos em energia solar individualizados). De qualquer forma, os remanescentes US$ 690 bilhões (menos de US$ 30 bilhões por ano em média), deverão ser investidos por grandes empresas geradoras. O quadro geográfico mudará
muito, com concentração de parques solares e eólicos no Nordeste, que deverá se tornar uma região exportadora de energia para o Norte e para o Sudeste.

A geração nuclear terá papel destacado, de início nas usinas PWR, de maior capacidade e intrinsecamente seguras. Em futuro próximo (cerca de 10 anos),
em novas usinas nucleares subterrâneas, refrigeradas a sódio.

Tais investimentos são viáveis e nos reinserem como uma grande potência do soft power no mundo. Seremos exportadores de tecnologias limpas em toda cadeia de produção de energia ou de fabricação de produtos de baixa intensidade de carbono. Precisamos reverter a estúpida limitação de verbas para pesquisa, naturalmente.

Com tudo isso, em 2050 teremos alcançado um parque gerador equivalente apenas à quarta parte da atual capacidade instalada nos Estados Unidos. Estes sim, tem muito a substituir de suas usinas a carvão e gás.

Para viabilizar estes investimentos para o nosso setor elétrico, deverão migrar substanciais recursos ora investidos no setor do petróleo. A economia brasileira
se robustecerá, com um grau de poupança mais elevado, atraindo poupanças externas e internas, elevando a quantidade e a proporção dos empregos qualificados.

Precisamos começar já, com competência, inspirados pela 'engenheirada' citada no início, e com o compromisso de estarmos olhando pelo futuro de nossos filhos e netos.

Publicado no Valor Econômico em 03/09/2021

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