Brasil é um dos que menos usa fundo de universalização na América Latina

Publicado originalmente no Teletime

Estudo desenvolvido pela Alliance for Affordable Internet (A4AI) em parceria com a Internet Society (Isoc) e divulgado nesta quinta-feira, 27, mostra como 24 países da América Latina e do Caribe estão aplicando os recursos dos fundos setoriais de acesso universal a serviços de telecomunicações. O Brasil consta na lista dos países que quase não utilizaram desses recursos nos últimos cinco anos – no caso, os valores acumulados no Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), tendo usado apenas 0,006% da quantia acumulada desde 2001, conforme os dados do Senado brasileiro citados pela pesquisa e que correspondem até julho de 2020.

Atualmente a estimativa é de que existam pelo menos cerca de US$ 7 bilhões sendo acumulados e/ou utilizados para outros fins que não a universalidade da conectividade na região. Praticamente tudo – ou US$ 6,8 bilhões, na cotação de setembro de 2021 referente ao montante de R$ 36 bilhões – é de recurso do Fust, historicamente contingenciado no Brasil.

O estudo coloca que apenas R$ 570 mil foram utilizados em algum programa de universalização, e que, por conta do resgate dos recursos para o dívidas e para o superávit primário do governo, em 2019 a quantia líquida do fundo era de R$ 5,6 bilhões.

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O Brasil segue na contramão da maioria dos países pesquisados. Para se ter uma ideia, a maioria dos países desembolsou parte de seus fundos nos últimos cinco anos, mas alguns alcançaram taxas mais altas, como Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Jamaica, Peru, São Vicente e Granadinas que utilizaram em média uma taxa de desembolso de 80% ou mais. No time dos países que quase não utilizaram os recursos, junto com o Brasil estão Equador, Guiana e Nicarágua.

O estudo foi feito com 27 entrevistas com agentes de governos, 24 entrevistas com representantes da academia e sociedade civil, e cinco entrevistas com representantes do setor privado.

Gestão do fundo na AL

A pesquisa também aponta que, na maioria dos países latino-americanos, os fundos setoriais de acesso universal são financiados por meios de contribuições obrigatórias feitas por operadoras de telecomunicações locais. A gestão desses valores, em muitos desses casos, está sob responsabilidade da agência reguladora devido ao seu maior nível de independência em comparação com os departamentos governamentais e sua expertise regulatória e técnica. Exemplos disso acontece, por exemplo, na Argentina, Dominica, República Dominicana, Granada, Paraguai, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas e Trinidad e Tobago.

Segundo as pesquisadoras Nathalia Foditsch (A4AI) e Bárbara Marchiori (consultora independente), autoras do relatório, esta é uma estimativa conservadora, e esse valor não inclui o cálculo de recursos que estão sendo utilizados em telefonia fixa e/ou energia elétrica, por exemplo. Como exemplo elas citam no documento o caso de El Salvador, onde os recursos do fundo setorial de universalização são usados em projetos relacionados à eletricidade, e na Guatemala, onde os recursos são usados em telefonia fixa e não em projetos de Internet e conectividade de dados.

Apesar desses casos de uso em outros serviços, a pesquisa mostra que nos países analisados os recursos desses fundos têm sido utilizados para uma variedade de projetos, programas e iniciativas, a maioria deles focados no acesso universal, especialmente em áreas de baixa renda, bem como áreas rurais e remotas. Alguns exemplos são investimentos em projetos como de telecentros, construção de infraestrutura de banda larga fixa e móvel, subsídio para acesso a serviços de telecomunicações e investimentos em ampliação de serviços de telefonia fixa.

Mudanças legais

A pesquisa também mostra que alguns países modernizaram as legislações que regem o uso e finalidades desses fundos. Um exemplo citado é o da Argentina. Reformas legais e regulatórias recentes foram vistas em vários países da América Latina e foram fundamentais para permitir a aplicação desses recursos em redes e tecnologias de comunicação mais modernas e por partes interessadas que tradicionalmente não tinham acesso a esses fundos. No caso da Argentina, o quadro legal foi modificado e em outubro de 2020 o regulador nacional concedeu licenças a duas redes comunitárias, que são "redes de propriedade coletiva e geridas pela comunidade para fins comunitários e sem fins lucrativos", construídas com estes recursos.

É importante destacar que o Brasil também mudou o marco legal que rege o Fust, por meio da Lei nº 14.109/202. Agora, os recursos do fundo poderão ser utilizados para investimentos em projetos que viabilizem infraestrutura para acesso à Internet. Mas ainda falta a criação do Conselho Gestor do Fust. Segundo apurou este noticiário, já está pronto o decreto para isso, aguardando apenas a análise da Casa Civil e publicação pelo presidente da República Jair Bolsonaro.

Especificamente para universalização da Internet no ensino, a Lei nº 14.172/2021 determina o resgate de parte dos recursos do fundo. Houve, contudo, uma série de tentativas de o governo Jair Bolsonaro que permitiram barrar a utilização de R$ 3,5 bilhões para a educação conectada. O governo ainda tem mais dois meses para efetuar o repasse, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal.

Na análise feita pela A4Ai e Isoc, não se observa o uso dos recursos desses fundos setoriais para uma determina tecnologia, no caso, para projetos que viabilizem o 5G, por exemplo. Mas acordo com o conceito de "conectividade significativa" da A4AI, a universalização da banda larga deve focar no 4G como uma referência de velocidade mínima a que todos têm direito. "Assim, podemos concluir que recursos de fundo de universalização devem garantir inicialmente a conexão com base neste referencial", afirma a entidade. Recentemente, o Brasil caiu posições e ficou abaixo da meta de acessibilidade na banda larga em estudo da União Internacional de Telecomunicações. (Colaborou Bruno do Amaral)

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