Congresso discute medida que limita criação de cursos EAD

Projeto de Lei tenta coibir estímulo à graduação
nas áreas de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo
 

Vem avançando no Congresso Nacional discussão sobre os limites do Ensino a Distância em cursos de graduação. Apesar de ter ampliado a acesso à educação, esse sistema remoto gera questionamentos  com relação à sua inadequação para atividades práticas, entre outras deficiências. Uma das iniciativas nesse sentido é o Projeto de Lei 1.171/2019, aprovado no fim do ano passado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. A proposta, de autoria do deputado Dr. Jaziel (PL-CE), tinha como foco original a área da Saúde, mas o texto do substitutivo de autoria de Dr. Zacharias Calil (DEM-GO) incluiu entre as carreiras a serem protegidas a Engenharia, Arquitetura e Urbanismo.  

O PL ainda vai tramitar por outras comissões da Câmara antes de sua votação no Plenário, mas a discussão sobre o tema extrapola o Congresso. O assunto já é debatido, por exemplo, no âmbito do Conselho Nacional de Educação, bem como no meio acadêmico. O Clube de Engenharia também não está alheio à questão na medida em que atua no sentido do aprimoramento da qualidade do ensino da Engenharia e Arquitetura.

Um debate mais profundo

A conselheira Cláudia Morgado acredita que para uma melhor regulação sobre o EAD deveria haver um debate mais profundo, inclusive com a realização de audiências públicas pelo próprio Congresso. Segundo ela, um curso de graduação 100% a distância em Engenharia não condiz com as necessidades que vêm sendo preconizadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Engenharia. Uma formação que contemple os desafios da carreira não poderia prescindir de atividades voltadas para o desenvolvimento de competências que são típicas de laboratórios e trabalhos de campo, como o trabalho conjunto e o incentivo à criatividade e inovação. São habilidades difíceis de serem desenvolvidas sem atividades práticas e sem o ambiente universitário.  

Foto: Pexels

“Neste momento, investir em ensino a distância 100% nos cursos de Engenharia é um contrassenso. Isso não quer dizer que não possamos ter ferramentas digitais de apoio ao ensino e recursos que tornem o aprendizado mais interessante e proveitoso. Vídeos não substituem atividades presenciais em laboratório e aulas práticas”, afirma a conselheira.  

De acordo com ela, normalmente no ensino a distância todo o material didático já foi preparado previamente. São atividades, portanto, assíncronas em que o aluno não tem contato direto com o professor que organizou o conteúdo da disciplina. O modelo também tem peculiaridades econômicas, pois como prevê investimento inicial muito maior, um curso de EAD de qualidade exige grandes investimentos em infraestrutura e equipe de suporte.  

Segundo ela, apesar da propalada democratização da educação, o ensino a distância em si não enfrenta o problema da dificuldade de acesso dos estudantes com hipossuficiência econômica à tecnologia e o acesso à internet desse público ainda é muito precário. E é fato a se refletir que as mais renomadas instituições de ensino de engenharia no mundo continuam a oferecer ensino presencial, mesmo adotando algumas atividades assíncronas na grade curricular.

“Com o ensino híbrido, que é classificado como ensino presencial, permite-se o acesso aos espaços físicos para práticas de desenvolvimento de competências, e a estruturas melhores dentro da universidade de acesso a ferramentas digitais.”, afirma Claudia Morgado.  

Acesso e inclusão

No âmbito da Divisão Técnica de Formação do Engenheiro (DFE), o EAD também tem sido debatido. Apesar de forte interesse gerado pelas novas tecnologias de ensino, o estímulo à criação de cursos de graduação na área totalmente remotos não é encarado pelo grupo especializado do Clube como propício à qualidade mínima que esperada para a prática da profissão.  

Na visão do chefe da DFE e Conselheiro Regional do CREA-RJ, José Brant de Campos, o EAD encontra adequação e potencial em áreas mais teóricas do conhecimento, principalmente para cursos de extensão. Nesse tipo de formação, as aulas podem ser preparadas em conjunto por consórcios de universidades, dando inclusive mais respaldo ao conteúdo fornecido.   

Ele também alerta para a tendência de nacionalização e uniformização dos conteúdos dos cursos a distância, negligenciando as necessidades específicas de cada região do país.

“Sabemos que o esquema tradicional de quadro negro e giz é cada vez menos atrativo. Temos que explorar ferramentas novas, dinamizar a didática, mas não podemos abrir mão das aulas presenciais, com atividades práticas, aulas em laboratório e atividades de campo”, afirma o chefe da DFE.  

A subchefe Uiara Martins de Carvalho avalia que o ensino a distância tem sido um sistema apropriado para a inclusão de alunos  com extrema dificuldade de frequentar a universidade, com avanços na área de licenciatura, por exemplo. Ela questiona o fato de o PL em discussão na Câmara não ter incluído nas restrições ao EAD as graduações em todas as áreas do sistema Confea/Crea, incluindo geologia, agronomia, geografia, meteorologia e tecnólogo.  

“Não podemos menosprezar a formação em EAD. Seria algo tendencioso. Mas é evidente que o estudo remoto nas áreas científicas e tecnológicas não assegura um acesso pelo ao conhecimento necessário”, avalia Carvalho.  

Impasse na hora do registro

O presidente do Departamento do Rio de Janeiro do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-RJ), Igor de Vetyemy, afirma que já há um impasse com relação à obtenção de registro profissional por quem cursou graduação totalmente a distância em Arquitetura e Urbanismo, em virtude da oposição do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil. As aulas práticas e o acompanhamento do professor a turmas com no máximo 15 alunos são requisitos fundamentais, segundo ele, para uma boa formação.  

“Em primeiro lugar, a arquitetura e o urbanismo lidam com o espaço e é impossível compreender eficientemente o espaço através de uma tela em duas dimensões. Em segundo lugar, as disciplinas de Projeto, que são a espinha dorsal de qualquer curso de Arquitetura e Urbanismo, demandam uma relação muito próxima entre professor e aluno, não à toa os perfis e padrões de qualidade, adotados pelo MEC na avaliação de cursos, determinam a relação de um professor para cada 15 alunos nessas disciplinas. Por último, é importante lembrar que assim como um médico, a vida de muitas pessoas vai depender da qualidade do aprendizado desses estudantes”, afirma o presidente do IAB-RJ.

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